sábado, 11 de fevereiro de 2012

Sobre a "guerra" no Largo da Ordem no dia 05/02/2012


I – Carnaval da pequena-burguesia

Está no Rio de Janeiro o carnaval mais emblemático do Brasil. Lá ele nasce no morro, festa da periferia, alegria do povo. Só depois que desce para o asfalto é que agrega setores, digamos, mais aquinhoados.
Em outros lugares onde a folia faz sucesso o fenômeno se repete.
Aqui, na nossa Curitiba, nunca deu certo. Muita conversa de boteco já foi jogada fora, muito tutano já foi gasto, e até hoje ninguém conseguiu dar uma boa explicação.
E a verdade, verdade mesmo, é que fora da pequena-burguesia, ninguém nunca pareceu se importar muito com isso.
Deixem-me fazer um parêntesis meio introdutório, porque senão vou acabar sendo linchado sem merecer. O significado do termo pequena-burguesia, para efeitos dessa pequena e humilde análise, é cultural. Trata-se de um conjunto de atitudes e posições. Com ela não estou em absoluto querendo carimbar ninguém. Não estou fazendo referência a esta ou aquela pessoa em particular, muito embora sejam pessoas, evidentemente, que tomam as atitudes e posições pequeno-burguesas. Tomá-las não as faz pequeno-burguesas, mas somente a algumas de suas atitudes.  Ok? Vamos lá.
Dizia eu que o fato de o carnaval não ser muito bem sucedido em nossa capital nunca foi bem engolido pela pequena-burguesia. Digo “muito” bem-sucedido porque “um pouco” bem sucedido ele sempre foi. Um desfile de rua de escolas de samba, embora pobre, sem grande público ou prestígio, teima em fazer parte do calendário oficial da cidade.
Tanto lutou essa pequena-burguesia que conseguiu, finalmente, emplacar um “pré-carnaval”.
E nasceu este sucesso que é o bloco Garibaldis e Sacis.
Com o passar dos anos essa diversão da classe média foliona de Curitiba passou a atrair pessoas, digamos, menos aquinhoadas.
Notem a inversão. A única forma de carnaval que faz sucesso na “capital ecológica” nasceu na classe média e estendeu-se daí para a periferia.
Curioso, não?
Nem por isso, diga-se, menos meritório.
Ocorre porém, minha gente, que a pequena-burguesia fede. E muito.
Adiante falarei um pouco mais sobre isso.


II – A PM é a nossa Geni

É. Não adianta. Quem fez a fama deita na cama. É assim que se diz? Bom, vocês entenderam...
Tanto aprontou a Polícia Militar, Brasil afora, e por tanto tempo, que não tem mais jeito. Qualquer confusão que haja... é pau nela. Joga pedra na PM! Joga bosta na PM ! Ela é feita pra apanhar. Ela é boa de cuspir. A PM é a verdadeira Geni do Chico Buarque.
Não que não mereça. Também falarei um pouco mais sobre isso mais  adiante.
Por enquanto, deixem-me dizer a vocês uma coisa, com conhecimento de causa: na minha modesta opinião, a Polícia Militar do Paraná não poderia ter um comando melhor, sob qualquer ponto de vista, do que aquele que tem hoje. A dupla Bondarhuk-Cézar (comandante e sub) está, com léguas de lambuja, entre os melhores oficiais PMs que eu conheci nestes poucos anos de convivência na área.
Infelizmente (e eu próprio sou testemunha viva disso) não é do dia para a noite que, só por comandar uma corporação, você revira de ponta-cabeça a cultura inteira dela, nesse caso consolidada durante um século e meio.
Alguns poderão dizer que a declaração do comandante, saindo imediatamente em defesa da tropa, foi precipitada. Afinal, nem tinha investigado ainda. Típico. Corporativista. Nada mudou.
Recomendo cautela.
No meio militar existem razões que a razão civil desconhece. É preciso considerar recuos táticos, avanços estratégicos, e principalmente, condições de sustentação de posições.
Conheço bastante bem, e pessoalmente, os dois seres humanos dos quais estou falando. Tenho plena convicção de que o comando da PM não apóia nenhuma arbitrariedade.
O que não quer dizer que elas não tenham sido cometidas.
Até porque esse cacoete é dificílimo de vencer, não apenas na nossa PM, mas também em todas as outras.
Quem não se lembra da desocupação do Pinheirinho, no interior de São Paulo, apenas alguns dias atrás, em uma reintegração de posse? Quem não viu a imagem, que correu o mundo pelo YouTube, de uma pessoa com os dois braços erguidos em sinal de rendição, ser brutal e repetidamente agredida a golpes de cassetete, por um policial militar?
Pois é.
Anos e anos de serviço a regimes autoritários não passam em branco.
Então, a lição é clara: não provoquemos a PM! Ela simplesmente não consegue escalonar a força racionalmente, como manda a doutrina. Seu preparo ainda não chegou à fase de reagir com a devida moderação, sem levar as provocações que recebe para o lado emocional e pessoal.
E saibamos: mesmo quando esse dia chegar, mesmo quando agir corretamente em um episódio de controle de multidão – e tenhamos fé, isso ainda haverá de ocorrer! – a PM vai continuar levando pau, ainda por muito tempo.
Não tem jeito. Fez a fama, deitou na cama.


III – Todo mundo errou

É, o Secretário de Segurança saiu correndo em defesa da PM, e o comandante dela também. Nenhum dos dois tinha conhecimento suficiente do que ocorreu, pra fazer isso tão rápido.
Verdade.
Mas vocês repararam que ainda antes de eles fazerem isso o mundo inteiro já tinha descido o porrete nela? O porrete é geral e automático, vem instantâneo e de todo lado.
Será que esse mesmo mundo inteiro tinha mais conhecimento do que eles sobre o que tinha acontecido, e mais cedo ainda? Nada, é a mais pura “síndrome da Geni”!
Os jornais, então, são uma piada. Não dá para acreditar. Se você ler com atenção o mesmo deles, qualquer um, dia após dia, vai ter que rir. Tem um que se indignou desde o primeiro momento, falou tudo o que pode da PM, mostrou fotos de um policial agredindo covardemente um cidadão caído, e esbravejou que tudo aquilo era gratuito. Na sexta, dia 10, esse mesmo jornal exibiu na internet, sem nem ficar vermelho, um vídeo de arruaceiros montando uma barricada com barraquinhas da feira do Largo e atirando garrafas nos policiais.
À medida que os fatos vão aparecendo, revela-se que efetivamente, a PM foi provocada. Não agiu gratuitamente.
E reagiu.
Bom, já vimos acima o que acontece quando a PM reage. É confusão na certa.
O resultado é história. Todos conhecem.
Errou parte da multidão, ao provocar a PM. E, claro, errou a PM ao reagir emocionalmente, com evidente desproporcionalidade, totalmente descontrolada.


IV – Sem essa

Sem essa, portanto, de demonizar quem quer que seja.
“Ah, a culpa foi tua!”
“Não, foi tua”.
Foi de todos. De todos.
Sem essa, portanto, de virem os Garibaldis com mensagenzinhas de paz e amor, camisas brancas, posando de anjinhos diante de brucutus, como se não tivessem nada com isso.
Não são. E têm.
Até porque a multidão, incluindo os arruaceiros, bêbados ou não, drogados ou não, que guerrearam a PM, estava ali exclusivamente por causa do bloco. Ele, portanto, tem sua responsabilidade.
Os clubes de futebol não pagam pela bandalheira de suas torcidas? Os bares não são apenados pela algazarra de seus freqüentadores no entorno? Então porque é que os Garibaldis seriam diferentes?
Seria muito mais decente se assumissem a responsabilidade que lhes cabe, ao invés desse comportamento afetado, beautiful people, “paz e amor” de fancaria, de olhar para o outro lado, botar a culpa de tudo nos outros e fingir que só lhes cabe festejar.
É por isso que eu não canso de dizer que a pequena- burguesia fede.
Tálôco!
Os Garibaldis e Sacis também têm culpa no cartório, sim senhor. E, mais, têm responsabilidades também em um montão de outras coisas que acontecem o tempo todo na festa deles, que afetam um monte de gente que não tem nada a ver com a festa deles, e que eles também fingem que não estão nem aí.
Só porque não dá manchete de jornal, pessoal, não quer dizer que não acontece, viu?


V – Como fede a pequena-burguesia!

No correr da semana uma foliona do Garibaldis e Sacis publicou um pequeno artigo de opinião na Gazeta do Povo. Qualificou-se como advogada, e informou que freqüenta o bloco desde seu início. Pelo tom do artigo deduzo que seja uma socialite, ou algo parecido. Seu texto rescende intensamente à pequena-burguesia à qual me refiro.
Em outras palavras, diz que, no início, o bloco só congregava gente-bem. Hoje, “democratizou-se”. Usa a palavra como eufemismo para informar que agora ele convive com “os manos” (a palavra é dela). Acha “lindo” que isso aconteceu. Claro, não convidaria essas pessoas para uma festa (Deus-nos-livre) em sua casa, mas afinal, como diz a marchinha, a praça é do povo, então, vamos lá. Mas assegura, enfaticamente, que não devemos temer “os manos”.
Conclusão? Pau na PM. Merda na Geni.
Ouso supor que quando o carnaval mesmo chegar, e o povo-povo sair à Av. Cândido de Abreu para sua folia furreba, madame estará no litoral, onde, como boa foliona, acompanhará a Caiobanda, e/ou a Banda de Guaratuba, porque afinal ninguém é de ferro, e conviver com “os manos” um pouco já está muito bom. Talvez, quem sabe, na própria Sapucaí, por que não?
De verdade, gente, verdade mesmo, não tinha “manos”, no Largo, no domingo da guerra com a PM.
Eu estava lá.
Tinha arruaceiros. Alcoolizados, chapados de droga, descontrolados.
Uma enorme quantidade deles.
E foram eles a parcela – não pequena! – da multidão que provocou a polícia.
Os assim chamados “manos” são jovens de periferia, estigmatizados pela pequena-burguesia “foliona” e quetais, marginalizados de nossa sociedade e por isso adeptos de uma cultura e uma visão de mundo diferente e contestadora da nossa.
Na sua esmagadora maioria são apenas isso. Jovens, em grande parte revoltados pela situação em que nós, os privilegiados, os atiramos sem perspectiva de saída, mas cujas intenções não passam da simples contestação.
Ocorre que os delírios pequeno-burgueses tendem a estigmatizar e generalizar, colando na testa de todos eles, tão somente em razão de sua aparência diferente, um rótulo negativo e apavorante, como se todos não passassem de bandidos sanguinários, traficantes de drogas.
Eles possuem u´a maneira peculiar de se vestir e de se caracterizar que pode ser facilmente identificada. Como disse, eu estava lá. E não vi nenhum.
Viram como fede, a pequena-burguesia?
Pois é.
O que tinha era outro tipo de gente. Pobres e não pobres, vejam bem (olhaí o fedor, de novo). E repito. Estavam totalmente fora de controle, por causa do álcool e das drogas, que corriam livremente.
Não atiravam garrafas apenas contra as viaturas da PM. Faziam-no a esmo, a torto e a direito, inclusive sobre os automóveis estacionados ou que passavam pelas ruas adjacentes. O meu mesmo, foi vítima disso.
O que aconteceu foi uma simples tragédia anunciada.
Essas pessoas, já porque beberam demais e suas bexigas estão estourando e seus super-egos estão nocauteados, já porque são mal-educadas mesmo, além de tudo saem mijando por todos os recantos do Largo da Ordem e adjacências. São centenas delas a fazer do espaço público uma gigantesca latrina.
Já entrou em banheiro masculino de estádio de futebol em dia de Atletiba, perto da hora do final do jogo? Então multiplique mais ou menos por mil.
Quando a polícia diz que recebeu queixas de moradores, fala a verdade. Minha filha mesmo, falando em meu nome, foi uma que reclamou de som insuportavelmente alto e mijação na frente da casa onde há 60 anos mora minha mãe, de 85, ali dentro do “teatro de operações”.
Não é só a pequena-burguesia que fede. A urina que fica como resultado do pouco-se-me-dá dela também fede, e muito. Mas em outra dimensão. Esta física, sensorial. Mas igualmente insuportável.


VI – Os Sacis não têm nada com isso?

Têm. Como eu já disse, têm sim senhor. Eles fingem que não, mas é um erro.
Nossa socialite foliona já mencionada acima encerra seu artigo (e sua participação no meu) com uma citação puxada a ioruba (oba, olha eu aí entrando no clima, quem sabe eu vire um folião em breve – pra quem não sabe, ioruba é um idioma de origem africana que permeia toda aquela gíria baiana ligada ao carnaval de rua de Salvador), como convém a pessoas “in” na cultura baiana, outra que fornece um carnaval “pórreta” para a pequena-burguesia tupiniquim.
Como nem todos nós somos iniciados, elas nos faz o favor de informar que a citação equivale a dizer que “quem não tem competência não se estabelece”, em uma referência à incompetência da PM para lidar com a situação.
Engraçado.
Em uma manifestação anterior, no Facebook, no dia seguinte dos acontecimentos, ainda indignado com a arruaça e o comportamento alienado dos organizadores da festa, eu havia usado exatamente essa mesma expressão, mas dirigida a eles.
Penso que se vão juntar milhares de pessoas em uma praça pública, os Garibaldis e Sacis devem fornecer a elas, pelo menos, estrutura para que desfrutem da festa sem problemas.
No mínimo, devem oferecer uma quantidade suficiente de banheiros químicos para que as pessoas possam “se aliviar” civilizadamente.
Dizem eles que lhes faltam recursos.
Então, com todo o respeito, não façam a festa até amealhá-los.
Quem não tem competência não se estabelece.
Porque os outros, que não têm nada com isso, não têm nada com isso.
Até as pedras mais antigas do Largo da Ordem sabem que em qualquer sociedade civilizada o direito de um termina onde começa o do outro.  E que a cada direito corresponde um dever. O direito dos foliões é foliarem. Ok. E qual é o seu dever?
Existem pessoas que moram, que vivem, e que trabalham ali onde os Garibaldis e sua multidão vão uma vez por semana festejar.
Depois, eles todos vão embora para suas casas, felizes, curtidos na folia, purgados de seus pecados.
Deixam para trás o caos, a sujeira, a fedentina, a imundície.
Os moradores, esses ficam.
E são obrigados a conviver com o rastro imundo e insuportável deixado pela festa promovida pelos Garibaldis, que, como não canso de repetir, não estão nem aí. Fingem que não é com eles.
A própria Igreja da Ordem fechou suas portas a semana inteira, minha gente! Sabem lá vocês o que é isso?
Muitos desses moradores não são foliões. Aliás, a grande maioria não é.
Não participam da festa, sequer gostariam que ela estivesse lá.
Sentem-se, inclusive, incomodados por ela, enquanto ela dura.
É um direito deles, assim como é direito dos foliões, foliarem.
Onde fica o direito deles?
Onde fica o dever dos organizadores da festa?
O dever dos moradores é suportarem a festa.
E o dos festeiros?
O direito dos festeiros deveria terminar onde começa o dos moradores.         
Por que ninguém fala nisso?
Cadê a imprensa?


VII – Chega de hipocrisia

Chega de hipocrisia! Abaixo a pequena-burguesia!
Em 2013, para haver pré-carnaval no Largo da Ordem, que se exija da PM um planejamento rigoroso, um policiamento preventivo eficaz, e também um controle efetivo da higiene e da educação. Lembro a todos que no Rio de Janeiro, no carnaval, urinar em espaço público dá cadeia! E é a PM que vigia para que isso não aconteça, e prende quem não cumprir.
Por que não pode ser assim aqui também?
Em 2013, para haver pré-carnaval no Largo da Ordem, que se exija dos dirigentes do Bloco Garibaldis e Sacis que definam e assumam, por escrito, as suas responsabilidades. Eles não são apenas foliões descompromissados, simples festeiros, como querem parecer. São empreendedores. Organizam um evento com grande potencial explosivo, porque, mesmo sendo uma celebração de alegria e brincadeira, reúne milhares de pessoas durante horas, e no qual a bebida e a droga circulam livremente.
Devem garantir toda a estrutura da festa e se responsabilizar por ela, como, aliás, qualquer empreendedor de eventos o faz. Inclusive no que diz respeito a direitos e interesses de terceiros não participantes mas afetados por ela.
Caso contrário, tanto no que diz respeito à PM, que é responsável pela segurança, mesmo de eventos particulares, quando realizados em espaços públicos com permissão oficial, quanto no que diz respeito aos organizadores, minha opinião é a de que a Prefeitura de Curitiba deveria vetá-lo.

Um comentário:

  1. Bom, vivenciadas as coisas como foram naquele dia, difícil a minha manifestação ser muito diversa. Mas tento nesse momento, racionalmente, buscar o que penso sobre tudo isso. E a bem da verdade é que concordo com vc. Muito fácil se eximir de toda a culpa e fazer papel de bom moço! Cada um que assuma a sua parcela de responsabilidade.
    Domingo passado foi o último, desse ano, e tudo me parece que correu bem. No entanto, ano que vem eles vão querer a festa de novo, e como fica todo o resto tratado aqui?
    Acredito que em janeiro do ano que vem eu apresente o "link" desse texto novamente... para que as pessoas lembrem que tem mais GENTE envolvida nisso tudo!
    Parabéns pelo texto!

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