terça-feira, 20 de novembro de 2012

Israel, Judeus, Palestinos, Guerra.


Fazem alguns dias que explodiu uma nova crise no Oriente Médio, envolvendo Israel e os palestinos da Faixa de Gaza.
Como vocês devem saber, eu sou judeu. E, digo mais, com muito orgulho e convicção.
No entanto, minha posição em relação a esse conflito é um pouco heterodoxa, considerando essa condição. Então, tenho muita cautela em expô-la.
Acho, porém, que é chegado o momento. O noticiário e as redes sociais estão fervendo sobre o assunto, e, em verdade, as análises são quase sempre pouco mais do que pueris. Concepções previamente consolidadas (outro nome, vá lá, para preconceito) contaminam a imparcialidade e, às vezes, até mesmo a honestidade intelectual.
O que se vê é uma superficialidade para mim insuportável. Um maniqueísmo inadmissível. Como se estivéssemos diante de um grupo de mocinhos e bandidos, preto e branco sem nenhuma nuance.
Estes são totalmente bons e aqueles totalmente maus. Ora, se assim fosse, com todo o respeito, não estaríamos tratando de seres humanos, mas de robôs, ou, no máximo, de personagens de um desenho animado infantil.
Quem acompanha um pouquinho que seja da minha trajetória sabe que eu tenho o hábito de me posicionar. Tenho medo de altura, então não suporto ficar em cima do muro.
É questão de personalidade. E, se me permitem, penso que isto só faz bem a todo e qualquer debate, e que, se todos agissem assim o mundo seria melhor. Pelo menos é minha opinião.
Pois bem.
Hoje (20/11) pela manhã, no facebook, a discussão ameaçou descambar para o racismo, aquela simplificação primária e imbecil que generaliza tudo e não examina nada.
Então, pensei em dar a minha contribuição. Seja para desfazer este equívoco, que mistura alhos com bugalhos como simples caminho para fazer brotar o antissemitismo mais boçal, odioso e inaceitável, seja para fazer uma análise um pouco mais aprofundada, sob o meu ponto de vista, da situação.
Assim travei duas conversas naquela rede social. E acho que o conteúdo de ambas expressa de maneira bem razoável o meu pensamento.
Então, peço a você, meu paciente leitor neste humilde blog, permissão para transcrevê-las.
Aí vai:


I.

Minha dileta amiga Tania Baibich transcreveu no facebook uma conclamação do Partido Socialista de Israel, no sentido de que, ao invés de incursão terrestre a Gaza, fosse feita uma incursão às negociações.
Outro internauta comentou que sequer sabia que havia um partido socialista em Israel. Tania respondeu que, sendo esse país uma democracia, possui todas as tendências, seja de esquerda ou de direita.
Eis como o diálogo prosseguiu:

Marcelo Jugend:
Querida Tania. É verdade. Pena é que o povo israelense viva dividido e acabe colocando o verdadeiro poder na mão dos fanáticos e irracionais religiosos, que ficam de fiel da balança e sempre preferem - claro - a direita. E assim Israel vem sendo governado há décadas por ela - às vezes a mais extremista, às vezes a menos, mas sempre ela. E nós por aqui a nos alinharmos automaticamente, como se alternativa não houvesse. A verdade é que há enormes e inconfessáveis interesses geopolíticos por trás de todo esse "imbroglio". Não é um jogo de futebol, com um time "mocinho" para o qual vale tudo e um adversário "bandido" para o qual não vale nada. É um jogo de xadrez com vários "players"´, para todos os quais o poder vale muito mais do que vidas humanas. São lideranças cegas em Israel, entre os Palestinos, e, o que é muito pior, em várias outras potências da região e, mesmo de fora dela. Quem paga o pato é, como sempre, o povo. Israelense e palestino, no caso, com enorme e sensível desvantagem para este último, graças à besta-fera que comanda Israel e retalia com monstruosa desproporcionalidade (com fins inconfessáveis, inclusive eleitorais). O fato é que toda a situação geopolítica regional mudou com a primavera árabe. Hoje o Egito, não mais tão laico, não está mais entre os aliados confiáveis de Israel. A Síria, um adversário antes previsível, está em vias de ir para o mesmo caminho, e nem mesmo a Jordânia possui a desejada estabilidade. O Irã, com aspirações de hegemonia regional, joga um papel decisivo armando o Hamas, a União Europeia, vítima de seus próprios problemas, lava as mãos e os EUA já não estão mais tão fortes como antes. A incerteza, para Israel, aumentou de forma exponencial. Só que, como não poderia deixar de ser, os seus brucutus não sabem lidar com essa situação senão com a brutalidade de sempre. É aí que entra a razão, coisa que lhes falta. A nova configuração geopolítica, regional e mundial, vai se mostrando mais desfavorável. Mais do mesmo, como sempre, não vai resolver nada. "É o tempo", como disse sabiamente Fernando Pessoa, "da travessia. E se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." É o tempo, querida Tânia, de rever o comportamento que nunca deu certo. É o tempo de efetivamente contemplar a alternativa da negociação. Mas não apenas para a instauração de mais uma paz armada, mas de uma real convivência pacífica. É o tempo, digo eu, de pensar em dois estados para dois povos. Quem é honesto de verdade sabe que esta é a saída. E eu tenho absoluta certeza de que a iniciativa deve ser israelense, até porque é a potência dominante da região. Confrontados com isso, não há dúvida de que os radicais e fanáticos palestinos ficarão sem discurso, e, se recusarem, perderão o apoio que possuem entre a população civil. Sem ele, babau.

Caro Marcelo Jugend: parabenizo pelo seu preciso, equilibrado e elegante texto. Subscrevo inteiramente as suas palavras. É exatamente essa a interpretação que deve prevalecer!
Marcelito querido, Marcelo Jugend, como bem disse o Dennison teu texto é elegante eu eu complemento, feito tu. Sabemos bem que direita com teocracia sempre, com o perdão do termo, fede, e que entendíamos, nós que compartilhamos do pensamento da esquerda israelense, que a única saída viável teria sido, em tempos de saída de Gaza, uma saída já de convivência e o caminho para dois estados (não me iludo mais com paz possível e sim divórcio possível), mas que isto não ocorreu. Sem dúvida a direita que tem tomado conta da Europa e de lá prejudica, via nacionalismos e outros ismos as relações. Entretanto, amigo querido, os brutamontes não são privilégio de um lado ou do outro, como pensa o Dennison de Oliveira, pelo menos no que eu compreendo do que se afirma sempre.

 Epa,não terminara, Marcelo Jugende e Dennison de Oliveira e demais amigos face leitores, daí, chegados aonde chegamos, afirmo sem desejar me esconder: DESEJO PAZ NEGOCIADA, DOIS ESTADOS MAS ABOMINO A MANIQUEÍSTA ANÁLISE, EM GERAL DA ESQUERDA, DE QUE HÁ UM LADO DIABO E OUTRO ANJO. Freud me ensinou, lá no XIX que o homem é o lobo do homem e sigo entendendo assim.

 Não, os brutamontes não estão só de um lado, e, se eu dei a entender que penso assim, então me desculpe. Até porque há também um enorme fanatismo religioso - e sua consequente bestialidade irracional - também do outro lado. A diferença, que para mim faz uma enorme diferença, é o poder de fogo. A retaliação israelense, monstruosamente desproporcional. Mas, atitude por atitude, intenção por intenção, não há anjos nem demônios. Enquanto escrevia isso, vi tua nova postagem, dizendo que quem faz isso em geral é a esquerda. Não é o que tenho visto no face. Nesse caso, também ocorre o bilateralismo. Há os maniqueístas de plantão dos dois lados. O anjo e o demônio variam conforme aquele no qual você está.

 E, Denison, obrigado. Gentil da tua parte. Me envaidece.

Marcelo Jugend tens toda a razão, os da esquerda, mtas vezes são os que demonizam Israel e os da direita são os que, mtas vezes, demonizam os palestinos. Me expressei mal. Que dor estas mães, pais, filhos, amantes e amigos de ambos os lados. beijos. T^/Caçula

Ei Marcelo Jugend sobre a divisão política creio que é parte da democracia, infelizmente nós, nadamos na contramão em geral, aonde quer que estejamos...
Q bom poder trocar idéias e se informar com gente tão inteligente, viva a internet!:) Mas voltando a questão de COMO acabar com o conflito: o programa sintetizado pela Tânia Maria Baibich é inteiramente racional (PAZ NEGOCIADA, DOIS ESTADOS). Mas qual a chance de devolver as terras ocupadas na guerra de 1967 se Israel não cessa de expandir os assentamentos ilegais??? Eis o X da questão...

A política de assentamentos não é do povo israelense, mas de seu governo fascista, que precisa dela para manter o apoio dos religiosos. É que estes, como é da característica dos fanáticos, não possuem qualquer compromisso com a realidade, e analisam a situação a partir de um suposto território que teria sido destinado a eles pela Bíblia. Então, fodam-se os árabes, os palestinos, e foda-se todo mundo, eu tenho direito à terra deles porque Deus me deu. E pronto.

Realmente, Marcelo Jugend e Dennison de Oliveira poder discutir desarmado com gente do quilate de vcs é um privilégio. Os assentamentos são um câncer, como o são os doidos de todos os lados. Mas, nos lembremos tb., discutir estes temas aqui no nosso bem bom é uma coisa, lá o pessoal tá enterrando seus mortos... UI, ODEIO AS GUERRAS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! bjs




II.

Este outro diálogo foi iniciado em um blog político, que comentava a situação no Oriente Médio. Um internauta de nome Zeno José Otto postou um comentário que a meu ver era francamente antissemita, confundindo aquela situação com as posturas do povo judeu em geral.
Foi assim:

Zeno:
É bom todos lerem o Protocolo dos Sábios de Sião. As criticas a essa obra acusam que não se sabe quem o escreveu. Quem o escreveu não tem importância. O que é bom conferir é que os judeus o adotaram. Quer ler? http://holywar.org/prot/port/portugal.htm

Marcelo:
Ô, Zeno, não te conheço, nem você a mim. Sou judeu, tenho uma posição independente e diferenciada em relação a toda a situação no Oriente Médio. Sou crítico antigo da extrema direita que governa Israel graças a uma aliança espúria com religiosos fanáticos e irracionais (aliás, TODOS os religiosos fanáticos são irracionais). Mas alto lá. O problema dos protocolos dos sábios do Sião não é ser apócrifo. É seu conteúdo, rigorosamente antissemita. Você recomendar a leitura, e, pior ainda, dizer que os judeus o adotaram faz de você um antissemita. E isso, velho, não tem absolutamente nada a ver com o que está ocorrendo agora entre Israel e Palestinos. Este é um problema geopolítico sério e complicado, envolvendo intransigências mútuas cuja reversão não interessa a lideranças cegas de ambos os lados. Quando você faz uma ignorância dessas, uma verdadeira imbecilidade, você inclusive faz o jogo dos piores sionistas, que insistem em dizer o absurdo de que anti-sionismo e antissemitismo são a mesma coisa. Cuidado, companheiro, com o caminho que você está trilhando. Não ajuda nada, e coloca você na pior de todas as posições, a de racista.

Zeno:
Essa é a sua opinião. Eu me considero anti-racistas. Não sou anti-semita nem semita, nem sionista. Mas a comparação do conteúdo com a realidade é dificil negar. Eu gostaria que não fosse assim e Israel não fizesse o que está fazendo. Mas está fazendo e não respeita a opinião de ninguém só dos Estados Unidos (Tio Samuel).

Zeno:
Você vai precisar ser muito mais específico. Por exemplo o que? Os judeus querem dominar o mundo? Há uma articulação entre nós para subjugar todos os povos? Pra mim não contaram. Será que sou menos judeu? Ou indigno da conspiração? De qualquer modo, eu não participo. Ou é que controlamos o dinheiro? Hein? Como é que você pode sequer insinuar que atitudes tomadas por um governo que nem mesmo representa a maioria do povo israelense (o Netaniahu, um fascista dos piores, teve menos votos, e, para governar, aliou-se aos religiosos fanáticos) representam a totalidade do que pensa ou como age o povo judeu como um todo? Desculpe, mas a generalização é mesmo uma imbecilidade. Não existe nenhum comportamento, previsto no ridículo texto que você quer impingir, ou em qualquer outro, que possa ser imputado a todo um grupo de pessoas. Ainda mais esse, um grupo enorme, imenso e totalmente heterogêneo. Como bem disse uma amiga minha, tentar homogeneizar seres humanos é tratá-los como não humanos. Deixe, por favor, de ser simplório. Não me nivele ao Netaniahu, nem a seus asseclas, e muito menos aos fanáticos religiosos ortodoxos, todos eles judeus como eu. O único que nos une é um passado cultural milenar, e, mesmo assim, cada um de nós o enxerga e interpreta de maneira totalmente diferente. Não é apenas uma questão de opinião, me perdoe. Quando você diz "os judeus" adotaram este ou aquele comportamento, e os inclui como um todo nas nojeiras que estão no texto por você recomendado, você está se dirigindo também a mim, individualmente. E me ofendendo pessoalmente. Então, desculpe, mas anti-racista você não é. Pelo contrário.

Zeno:
"Antes de mais nada, meus parabéns!!! Você se expos e assumiu suas convicções que são quase as minhas. Mas você tem que concordar que essa maioria do povo judeu que não concorda com esse governo de Israel, está em cima do muro. Não vejo nenhum grandes movimentos contra. Me faz pensar que deixam o Bibi fazer o trabalho sujo e, se tudo der certo "eu sou judeu". Se não der "sempre fui contra". Você que pertence a comunidade judia sensata, humana e pacífica, deveria despertar essa maioria silenciosa. Do contrário temos todo o direito de pensar que quem cala consente. A minha intenção é provocar essa maioria e usei a única ferramenta que disponho. Deu certo com você. Desculpe. Mas você faz parte da comunidade judia, você pode. Eu poderia ficar calado assistindo diariamente essa carnificina. Mas o "jus esperniandis" existe e eu, como usei. Pense bem. Não dá pra ficar sem fazer nada. O bandido de tudo que estamos assistindo não sou eu. Aponte sua arma em outra direção, compadre. Eu sou apenas uma pequena consequência. A origem está lá na terra prometida."

Ao final da conversa, após eu informar que há sim uma dissidência entre os judeus, dentro e fora de Israel, e que ela vem crescendo, reiterei minha crítica à postura dele, dizendo que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Ele insistiu que estava apenas provocando.







terça-feira, 13 de novembro de 2012

Visão alternativa para um flagelo universal


Que tal abrir a cabeça e olhar as coisas por um outro lado?
Normalmente estamos acostumados a um único tipo de abordagem, principalmente para os problemas mais complexos. Partimos de um princípio estabelecido, como se ele fosse divino, dado, imutável, definitivo.
E é a partir desse pressuposto “indiscutível” que elaboramos todos os caminhos para as possíveis soluções do problema.
Entretanto, se olharmos para a história humana com atenção, constataremos a enorme quantidade de avanços conquistados em todas as áreas do conhecimento quando alguém, em algum momento, questionou uma dessas “verdades” estabelecidas.
Dou um único exemplo. A Terra era quadrada, e era o centro do universo. Teve gente que morreu meramente por discutir isso.
E no entanto...
Pois é. No nosso tempo, e em todo o mundo, acredito eu, um dos maiores e mais desafiadores problemas é o das drogas. Passam-se os dias, os anos, e a luta incessante não tem quartel nem trégua. É enorme a quantidade de recursos, humanos, materiais e mesmo intelectuais, que são gastos na tentativa de pelo menos diminuir os danos gravíssimos que esse flagelo provoca.
E, vamos admitir, todos temos uma vaga sensação de fracasso. Ou, pelo menos, de que as coisas ficam sempre no mesmo pé.
E isso, como eu disse, não é um privilégio brasileiro. O mundo todo se debruça na questão, buscando uma saída. Até aqui, em vão.
Começa a nascer, porém, em vários pontos do planeta, um outro pensamento. Segundo ele, a solução nunca será encontrada porque o pressuposto tido como imutável, indiscutível, definitivo, está equivocado. Todos os caminhos que se buscarem a partir dele estão marcados por esse pecado original, e fadados ao fracasso.
Propõe-se, portanto, alterá-lo, radicalmente.
Para isso, é preciso renunciar, muitas vezes, a convicções bem arraigadas, o que não é muito agradável para nós, seres humanos. Abrir a cabeça. Pelo menos considerar um outro lado.
Está interessado, meu amigo leitor?
Se sim, dê um pulinho no link abaixo. Mas atenção: leia com calma e sem preconceito. Abra a cabeça. Pense. Considere. E concorde ou discorde, como achar melhor.
 Mas, qualquer que seja sua posição, tenho certeza de que você, como eu, vai achar a argumentação bastante sólida e ponderável.
Mas quer concorde ou discorde, por favor, me envie um comentário com as razões que fundamentarem sua opinião. Rebata ou corrobore as posições do autor do artigo. Vamos incrementar esse debate. Quem sabe não podemos auxiliar, por pouco que seja, a encontrar um caminho para a humanidade ver uma luz no fim do túnel?
Eis o link:
Aguardo sua opinião.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Endosso


Dei de cara, hoje, na internet, com um artigo de autoria de Antonio Martins, que fornece dados minuciosos e específicos, os quais endossam a análise em voz baixa que publiquei aqui, anteontem, 06/11.
É um trabalho jornalístico, que revela, de forma cronológica, o desenvolvimento do conflito que ora se verifica em São, Paulo, lançando luz, inclusive, sobre o episódio que o teria deflagrado.
Acho que aos poucos a realidade vai se impondo e os papéis (inclusive do Governo de São Paulo, que se omite vergonhosamente, e compactua com ilegalidades inadmissíveis), vão se esclarecendo. Aqui e ali começam a aparecer vozes que entendem e demonstram o que efetivamente está acontecendo.
Peço a meus poucos leitores que atentem para o papel deletério que, mais uma vez, desempenha a grande mídia do nosso País. Manipulando a informação, de forma orquestrada, ela quer fazer crer ao distinto público que a luta só tem um lado, como se o súbito recrudescimento de massacres de civis, na periferia paulistana, na calada da noite, fosse mero fruto de geração espontânea.
Um escândalo. Uma vergonha. Até quando?
Vale à pena uma lida no artigo. Cheguem lá. Eis o link:

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Guerra


I.                    Preâmbulo

De uns tempos para cá explodiu uma onda de violência sem precedentes na Região Metropolitana de São Paulo.
Inúmeros assassinatos ocorrem todos os dias. Os mortos já se contam às dezenas.
Em meio a essas mortes ressalta-se a de policiais, em proporção absurda. Colhidos de surpresa, quase sempre fora de serviço, esses profissionais tornaram-se alvos preferenciais da violência homicida.
A pergunta que fica no ar, intrigando a todos, estudiosos e leigos, igualmente perturbados com o inusitado da situação, diz respeito à razão, ou razões, que levaram a esse fenômeno macabro.
De minha parte, tenho também me indagado. E tudo o que posso dizer em resposta é que, a meu ver, não há uma resposta. Pelo menos não uma única.
Estamos diante de uma situação por demais complexa, em que inúmeros são os fatores e as variáveis, de natureza social, sociológica, cultural e mesmo econômica, a condicionar comportamentos e atitudes dos mais variados atores.
Leviano será, portanto, aquele que se arriscar a simplificar. Irresponsável, sem dúvida, será qualquer interpretação maniqueísta, que divida os contendores entre bons e maus absolutos. Essa explicação, além de não dar conta, minimamente, de esclarecer o problema, não levará, de modo algum, à possibilidade de solucioná-lo.
Até porque nem mesmo se trata de um confronto tão somente entre dois lados.
Não há preto, e não há branco. A conflagração em curso envolve, isto sim, inúmeros tons de cinza.
O alcance do meu parco instrumental teórico ou intelectual passa muito longe dessa complexidade, razão pela qual não me vejo com as mínimas condições de entender e explicar a situação, em toda sua amplitude. Deixo para os cientistas sociais as análises mais aprofundadas capazes fazê-lo, e assim, quem sabe, apontar uma saída.
De minha parte, tenho apenas uma pequena contribuição que gostaria de dar. Ela diz respeito aos papéis de alguns dos atores dessa tragédia. E à guerra que se trava entre eles.


II.                   A lei

Antes, porém, uma pequena (e óbvia, mas necessária) introdução.
Todos nós aprendemos, nos primeiros anos de escola, que o ser humano é um animal social. Não suporta viver em isolamento; é de sua natureza conviver uns com os outros, em grupos. Ora, é também inerente à nossa índole desenvolver interesses individuais e coletivos, que nos agradam e beneficiam. Por isso, é natural posicionarmo-nos em defesa deles.
Ocorre que os demais membros do grupo fazem a mesma coisa, e frequentemente os interesses de um esbarram no de outro, gerando conflitos. Desde seus primórdios pré-históricos, a humanidade percebeu que se não regulasse as relações entre as pessoas, e seus respectivos interesses, os conflitos tenderiam a se agravar, o que deterioraria a convivência a tal ponto de torná-la impossível.
Assim, desenvolveu-se e aperfeiçoou-se, ao longo dos milênios, um conjunto de convenções capazes de fazer com que a vida em grupo se tornasse possível.
A essa criação deu-se o nome de lei, e é requisito fundamental de sua eficácia um pacto, entre os integrantes do grupo, pelo qual concordam em a ela submeter-se. Caso contrário, os conflitos degenerariam, e o grupo, do qual nenhum de nós quer abrir mão, se inviabilizaria.
É claro que, dadas as complexidades humanas, nenhuma lei é absolutamente consensual. Sempre haverá quem discorde deste ou daquele dispositivo. Mas faz parte do pacto, também, a presunção de que estes refletem o ponto-de-vista da maioria, e que os descontentes, que se presumem minoria, se curvam.
Pois bem.


III.                A Polícia e o Criminoso

Quero crer que os meus raros leitores já conhecem de sobra meu entendimento sobre a função da polícia. Resumo-o, entretanto, mais uma vez, a fim de proporcionar melhor compreensão do que pretendo afirmar.
Aqui ou em qualquer lugar do mundo, a polícia é uma corporação, constituída e regulada pela sociedade, que, por delegação e autorização dela, está habilitada a usar da força em prol da preservação da ordem e da paz social, visando, acima de tudo, a proteção da própria sociedade.
A necessidade da existência dessa instituição decorre, como é óbvio, da construção, em todo e qualquer grupo social, de contextos que produzem indivíduos e grupos que se dedicam a, de um ou outro modo, conturbar a ordem e a paz social, ameaçando, assim, o conjunto dessa sociedade.
Significa tudo isso dizer que é inevitável que algumas pessoas, por qualquer razão, resolvem romper o pacto social ao qual me referi acima, e optam por não se submeter ao conjunto de leis.
A sociedade, então, cria os meios de se defender disso, até porque  sua própria existência depende da solidez desse pacto.
Trata-se então de, na medida do possível, diminuir (já que é impossível eliminar de todo) a ameaça. Em outras palavras, combater, incessantemente, as violações da lei, que perturbam a paz e a ordem, seja identificando e revertendo as causas que as geram, seja punindo e ressocializando os seus perpetradores.
Examino aqui, portanto, o papel de dois dos principais atores desse triste espetáculo. Um que ameaça a sociedade violando a lei, e outro que é encarregado por ela de protegê-la dessa ameaça, dando combate ao primeiro.
O pressuposto absolutamente obrigatório  desse enfrentamento, claro, é a preservação da lei.
Os primeiros (que genericamente podemos aqui chamar de criminosos) estão, por definição, à margem dela.
Devem, portanto, receber, com todo o rigor, o tratamento que ela própria prevê em cada uma das situações específicas de sua transgressão.
Quanto aos segundos, os policiais, são encarregados pela sociedade exatamente de preservar esta mesma lei.
Exatamente por isso, seria um contra-senso absoluto se, no exercício desse dever, a mesma lhes permitisse violá-la.
A sociedade, como vimos, é a criadora da lei, e sua principal guardiã. Tem nela – e o sabe – a única garantia de sua sobrevivência. A observância estrita dos preceitos legais, pelo conjunto da sociedade, portanto, é da sua própria natureza fundamental, decorrência obrigatória inseparável de sua existência.
Institucionalizado o desrespeito à lei, instaura-se o caos. Se qualquer violação receber sanção social, abrem-se as portas para que a recebam todas. Afinal, qual o critério para definir qual a norma que pode ser violentada, e qual a que não? A exceção se tornaria a regra; os conflitos voltariam a se agravar, a convivência a degenerar, e o grupo a se dissolver.
Em uma palavra: se tolerar a desobediência da lei, a sociedade estará matando a si própria.
Vem daí a distinção fundamental, inflexível e inafastável que separa os dois atores acima referidos.
Um só existe porque viola a lei. O outro está obrigado a cumpri-la.
Até porque, se não o fizer, estará se igualando a seu contendor. E, assim, trocando de lado. De guardião da lei, passa a seu violador. Portanto, um criminoso.
Muito bem.


IV.                Distorção

Acontece que nem sempre essas regras são respeitadas pelos policiais. A dura realidade do confronto, travado dia após dia, por anos a fio, brutaliza espíritos, vicia julgamentos, distorce convicções. Além disso, pessoas aficionadas do confronto físico, da afirmação da personalidade pela violência, ou da crença nela como método de resolução de conflitos, e, ainda outras, portadoras de recalques diversos, acorrem à profissão policial na esperança de ali, pelo uso de arma e da força, exercitar tais convicções, ou dar vazão a  frustrações.
Tal uso, nessas condições, frauda o permissivo social. Este os autoriza a tanto, como já disse, exclusivamente para instaurar, preservar e, quando for o caso, restaurar a paz. E os condiciona a fazê-lo estritamente dentro da lei.
Há que se partir do pressuposto de que esta fornece os instrumentos necessários à tarefa. Ela reflete a posição social, na medida em que incorpora o pensamento da sua maioria. Além do mais, vem sendo construída pela civilização ao longo dos séculos.
Por outro lado, nenhuma lei é imutável, e quando a maioria percebe a necessidade de sua atualização ou melhora, elas ocorrem. Não é um sistema perfeito, mas é o melhor que o homem conseguiu construir.
Não está em discussão, portanto, a opinião pessoal de qualquer indivíduo, policial ou não, se os recursos legais são ou não suficientes para dar conta das situações delituosas a serem enfrentadas. É com eles que se tem que contar.
No entanto, não é assim que se dá na prática.
Por várias razões, entre as quais aquelas acima expostas, e também porque muitas vezes discordam do instrumental legal e de sua eficácia, os policiais terminam por se nivelar aos criminosos, e decidem enfrentá-los em seus próprios termos.
Ao fazê-lo violam seu papel, subvertem a ordem legal e sabotam a própria democracia.
Esta é feita de pesos e contrapesos, e de papéis definidos. Não cabe ao policial acusar alguém, ou julgá-lo, decidindo se é “bandido”, se é culpado ou inocente, mas ele muitas vezes o faz. E, pior, sem direito à defesa. Não cabe ao policial estipular ou aplicar a pena por este ou aquele crime, mas ele frequentemente o faz. E o faz pelos parâmetros daqueles contra quem se posta, ou seja, sem critério ou limite estipulado em lei.
Faz, com as próprias mãos, o que julga ser justiça, mas que dela não passa de arremedo. Aliás, é o seu contrário. Porque viola a lei. E, portanto, iguala sua ação à de quem pensa combater.


V.                  Explicação necessária

Que fique aqui bem claro, antes que alguém se precipite em conclusões esdrúxulas: não estou defendendo, sob hipótese alguma, nenhum criminoso. E, também, não estou, de modo algum, atacando a polícia.
Estou apenas analisando os respectivos papéis na guerra que ora travam
Sendo eles totalmente diferentes, não podem ser olhados ou abordados a partir de pressupostos iguais, como querem fazer alguns.
A diferença abissal, para efeitos dessa análise, é que o criminoso não recebeu nenhum poder da sociedade.
Cobrar-lhe regras é um contra-senso. Quebrá-las é da própria natureza do que faz. E quando o faz, a cobrança social se dá na forma e no rigor da lei.
O policial, não. Ao contrário. Recebe da sociedade um imenso poder, condicionado a regras. Não está autorizado a quebrá-las. Se o faz, deve ser cobrado por isso.
É que grassa no meio justamente dos policiais –e seus assemelhados – adeptos das práticas aqui criticadas um “complexo de perseguição” infundado, mas através do qual se julgam injustiçados pelos defensores do rigor legal na sua atuação.
Costumam desfazer dessas pessoas. Argumentam que elas são “defensoras de bandidos” (de onde a famosa e estúpida frase “Gosta de bandido? Leve pra casa!”, tão divulgada), e que, ocupadas com isso, esquecem dos direitos deles, policiais.
Enganam-se. Redondamente. Partem do pressuposto – falso – de que a análise deve nivelar suas atuações, e as respectivas consequências, com as dos criminosos.
O que se diz, porém, não é isso, mas, tão somente, que a lei é universal. Aplica-se a todos. Inclusive a criminosos e policiais.
E que a estes cabe “fazer cumprir a lei, cumprindo-a” (expressão cunhada pelo Instituto Cidadania, em 2002).
Cada assassinato é lamentável, seja quem for a vítima. Que isso fique, também, muito claro. Ser humano que é, o policial é titular de todos os direitos correspondentes. E, pela sua luta, quando travada com bravura e na legalidade, merece toda a admiração e gratidão.Cada vez que qualquer deles for atacado, isso merece, sim, a total e enérgica repulsa, de todos. A resposta, como não poderia deixar de ser, está na lei. E esta deve ser aplicada com todo rigor, sobre o atacante.
Por outro lado, todas as vezes em que um policial, extrapolando dos seus poderes e com isso  violando a lei, atacar aquele que ele entendeu, ao seu alvitre, que o “merecia”, a lei deve igualmente recair sobre ele.
Papéis diferentes, mas direitos iguais e deveres iguais.
Então, ao contrário das acusações dos “perseguidos”, a posição aqui defendida não os distingue dos “bandidos”, beneficiando estes últimos. Pelo contrário, iguala todos os cidadãos à sombra da lei.
Porque, é óbvio, fora da lei só há o caos.

VI.                Na prática

Dou abaixo alguns exemplos visuais das distorções, todos postados por policiais ou assemelhados, na rede social “Facebook”:





A pergunta que recai sobre esta última imagem, não pode deixar de ser feita. Por que não são assassinados em um ano 86 (agora já são 90) juízes, deputados, padres, pastores ou executivos da bolsa? Por que isso ocorre tão somente com policiais?
Não há hipocrisia. Há uma guerra. Juízes, deputados padres, pastores e executivos da bolsa não estão envolvidos nela. Mas policiais sim.Infelizmente, alguns deles caíram na armadilha de entrar nela, ao invés de evitá-la. Ora, na guerra mata-se e morre-se.
Para ver outras manifestações do tipo, sugiro que você visite a página “Eu nasci para ser polícia”, na mesma rede social.
Há também a cultura da coragem física, que é decorrência direta da crença na violência como método eficaz de resolução de conflitos. A distorção consiste em colocá-la em oposição direta e maniqueísta a uma assim chamada “covardia”. “Homem” de verdade”, “macho” que merece consideração, seria aquele que enfrenta o confronto físico de peito aberto. Só nisso é que se adquiriria crédito para falar de segurança pública.
Todos os demais, nessa visão, não teriam moral para qualquer manifestação.
Veja um exemplo, colhido na mesma fonte:


 A ressaltar, ainda, a pobreza e reducionismo da análise, que criminaliza a pobreza e limita o combate ao crime ao enfrentamento na favela.
Ambas as facetas dessa cultura se desnudam na idolatria que vários policiais dedicam à figura de um crânio humano transfixado por um punhal. É a chamada “faca na caveira”, ao mesmo tempo um símbolo icônico de destemor e auto-afirmação, uma fantasia de bravura, e uma subversão completa da própria essência da função policial, que é zelar pela vida e promovê-la.
No entanto, cultuam um emblema da morte. Veja:


Comentário que acompanha a imagem: "o bicho pega e o pau come, mas quem tem uma destas no peito, sabe quem vai estar em pé quando a poeira baixar ".
E
  
 Comentário que acompanha a imagem: “vivemos por um único motivo . para que seu dia bandido, seja o inferno na terra.” (sic)


VII.              Conclusão

Não há qualquer dúvida de que os policiais estão sendo mortos por ordem do crime organizado.
Não se está aqui com a pretensão de decidir se quem nasceu antes foi o ovo ou a galinha.
A violência inicial perdeu-se nas areias do tempo. O que se sabe com absoluta certeza é que a resposta a ela no mesmo diapasão sempre concretizará um círculo vicioso crescente. Violência só gera mais violência.
Como disse, creio firmemente que os policiais foram levados a essa cultura em muito por conta da brutalidade que são obrigados a enfrentar todos os dias.
Isso explica, mas não justifica.
Até porque, não é de espantar que diante da postura mostrada com eloquência pelas imagens acima – ativa ou reativa, já não mais vem ao caso – os criminosos recrudesçam sua própria ação violenta – a qual, igualmente, não importa mais se é ativa ou reativa. Esta é a linguagem que lhes é familiar. Este é o terreno no qual transitam com facilidade. Este é o código ao qual se filiam desde sempre.
Provavelmente até agradecem.