Fazem alguns dias que explodiu uma nova crise no
Oriente Médio, envolvendo Israel e os palestinos da Faixa de Gaza.
Como vocês devem saber, eu sou judeu. E, digo mais,
com muito orgulho e convicção.
No entanto, minha posição em relação a esse conflito
é um pouco heterodoxa, considerando essa condição. Então, tenho muita cautela
em expô-la.
Acho, porém, que é chegado o momento. O noticiário e
as redes sociais estão fervendo sobre o assunto, e, em verdade, as análises são
quase sempre pouco mais do que pueris. Concepções previamente consolidadas (outro
nome, vá lá, para preconceito) contaminam a imparcialidade e, às vezes, até mesmo
a honestidade intelectual.
O que se vê é uma superficialidade para mim insuportável.
Um maniqueísmo inadmissível. Como se estivéssemos diante de um grupo de
mocinhos e bandidos, preto e branco sem nenhuma nuance.
Estes são totalmente bons e aqueles totalmente maus. Ora,
se assim fosse, com todo o respeito, não estaríamos tratando de seres humanos,
mas de robôs, ou, no máximo, de personagens de um desenho animado infantil.
Quem acompanha um pouquinho que seja da minha
trajetória sabe que eu tenho o hábito de me posicionar. Tenho medo de altura,
então não suporto ficar em cima do muro.
É questão de personalidade. E, se me permitem, penso
que isto só faz bem a todo e qualquer debate, e que, se todos agissem assim o
mundo seria melhor. Pelo menos é minha opinião.
Pois bem.
Hoje (20/11) pela manhã, no facebook, a discussão ameaçou
descambar para o racismo, aquela simplificação primária e imbecil que generaliza
tudo e não examina nada.
Então, pensei em dar a minha contribuição. Seja para
desfazer este equívoco, que mistura alhos com bugalhos como simples caminho
para fazer brotar o antissemitismo mais boçal, odioso e inaceitável, seja para
fazer uma análise um pouco mais aprofundada, sob o meu ponto de vista, da
situação.
Assim travei duas conversas naquela rede social. E
acho que o conteúdo de ambas expressa de maneira bem razoável o meu pensamento.
Então, peço a você, meu paciente leitor neste humilde
blog, permissão para transcrevê-las.
Aí vai:
I.
Minha dileta amiga Tania Baibich transcreveu no
facebook uma conclamação do Partido Socialista de Israel, no sentido de que, ao
invés de incursão terrestre a Gaza, fosse feita uma incursão às negociações.
Outro internauta comentou que sequer sabia que havia
um partido socialista em Israel. Tania respondeu que, sendo esse país uma
democracia, possui todas as tendências, seja de esquerda ou de direita.
Eis como o diálogo prosseguiu:
Marcelo Jugend:
Querida Tania.
É verdade. Pena é que o povo israelense viva dividido e acabe colocando o verdadeiro
poder na mão dos fanáticos e irracionais religiosos, que ficam de fiel da
balança e sempre preferem - claro - a direita. E assim Israel vem sendo
governado há décadas por ela - às vezes a mais extremista, às vezes a menos,
mas sempre ela. E nós por aqui a nos alinharmos automaticamente, como se
alternativa não houvesse. A verdade é que há enormes e inconfessáveis
interesses geopolíticos por trás de todo esse "imbroglio". Não é um
jogo de futebol, com um time "mocinho" para o qual vale tudo e um
adversário "bandido" para o qual não vale nada. É um jogo de xadrez
com vários "players"´, para todos os quais o poder vale muito mais do
que vidas humanas. São lideranças cegas em Israel, entre os Palestinos, e, o
que é muito pior, em várias outras potências da região e, mesmo de fora dela.
Quem paga o pato é, como sempre, o povo. Israelense e palestino, no caso, com
enorme e sensível desvantagem para este último, graças à besta-fera que comanda
Israel e retalia com monstruosa desproporcionalidade (com fins inconfessáveis,
inclusive eleitorais). O fato é que toda a situação geopolítica regional mudou
com a primavera árabe. Hoje o Egito, não mais tão laico, não está mais entre os
aliados confiáveis de Israel. A Síria, um adversário antes previsível, está em
vias de ir para o mesmo caminho, e nem mesmo a Jordânia possui a desejada
estabilidade. O Irã, com aspirações de hegemonia regional, joga um papel
decisivo armando o Hamas, a União Europeia, vítima de seus próprios problemas,
lava as mãos e os EUA já não estão mais tão fortes como antes. A incerteza,
para Israel, aumentou de forma exponencial. Só que, como não poderia deixar de
ser, os seus brucutus não sabem lidar com essa situação senão com a brutalidade
de sempre. É aí que entra a razão, coisa que lhes falta. A nova configuração
geopolítica, regional e mundial, vai se mostrando mais desfavorável. Mais do
mesmo, como sempre, não vai resolver nada. "É o tempo", como disse
sabiamente Fernando Pessoa, "da travessia. E se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." É o tempo, querida
Tânia, de rever o comportamento que nunca deu certo. É o tempo de efetivamente
contemplar a alternativa da negociação. Mas não apenas para a instauração de mais
uma paz armada, mas de uma real convivência pacífica. É o tempo, digo eu, de
pensar em dois estados para dois povos. Quem é honesto de verdade sabe que esta
é a saída. E eu tenho absoluta certeza de que a iniciativa deve ser israelense,
até porque é a potência dominante da região. Confrontados com isso, não há
dúvida de que os radicais e fanáticos palestinos ficarão sem discurso, e, se
recusarem, perderão o apoio que possuem entre a população civil. Sem ele, babau.
Caro Marcelo Jugend: parabenizo pelo seu preciso,
equilibrado e elegante texto. Subscrevo inteiramente as suas palavras. É
exatamente essa a interpretação que deve prevalecer!
Marcelito querido, Marcelo Jugend, como bem disse o Dennison teu texto é elegante eu eu
complemento, feito tu. Sabemos bem que direita com teocracia sempre, com o
perdão do termo, fede, e que entendíamos, nós que compartilhamos do pensamento
da esquerda israelense, que a única saída viável teria sido, em tempos de saída
de Gaza, uma saída já de convivência e o caminho para dois estados (não me
iludo mais com paz possível e sim divórcio possível), mas que isto não ocorreu.
Sem dúvida a direita que tem tomado conta da Europa e de lá prejudica, via
nacionalismos e outros ismos as relações. Entretanto, amigo querido, os
brutamontes não são privilégio de um lado ou do outro, como pensa o Dennison de
Oliveira, pelo menos no que eu compreendo do que se afirma sempre.
Epa,não terminara, Marcelo Jugende e Dennison de
Oliveira e demais amigos face leitores, daí, chegados aonde
chegamos, afirmo sem desejar me esconder: DESEJO PAZ NEGOCIADA, DOIS ESTADOS
MAS ABOMINO A MANIQUEÍSTA ANÁLISE, EM GERAL DA ESQUERDA, DE QUE HÁ UM LADO
DIABO E OUTRO ANJO. Freud me ensinou, lá no XIX que o homem é o lobo do homem e
sigo entendendo assim.
Não, os brutamontes não estão só de um lado, e, se eu dei
a entender que penso assim, então me desculpe. Até porque há também um enorme
fanatismo religioso - e sua consequente bestialidade irracional - também do
outro lado. A diferença, que para mim faz uma enorme diferença, é o poder de
fogo. A retaliação israelense, monstruosamente desproporcional. Mas, atitude
por atitude, intenção por intenção, não há anjos nem demônios. Enquanto
escrevia isso, vi tua nova postagem, dizendo que quem faz isso em geral é a
esquerda. Não é o que tenho visto no face. Nesse caso, também ocorre o
bilateralismo. Há os maniqueístas de plantão dos dois lados. O anjo e o demônio
variam conforme aquele no qual você está.
E, Denison,
obrigado. Gentil da tua parte. Me envaidece.
Marcelo Jugend tens toda a razão,
os da esquerda, mtas vezes são os que demonizam Israel e os da direita são os
que, mtas vezes, demonizam os palestinos. Me expressei mal. Que dor estas mães,
pais, filhos, amantes e amigos de ambos os lados. beijos. T^/Caçula
Ei Marcelo Jugend sobre a divisão
política creio que é parte da democracia, infelizmente nós, nadamos na
contramão em geral, aonde quer que estejamos...
Q bom poder trocar
idéias e se informar com gente tão inteligente, viva a internet!:) Mas voltando
a questão de COMO acabar com o conflito: o programa sintetizado pela Tânia
Maria Baibich é inteiramente racional (PAZ NEGOCIADA, DOIS
ESTADOS). Mas qual a chance de devolver as terras ocupadas na guerra de 1967 se
Israel não cessa de expandir os assentamentos ilegais??? Eis o X da questão...
A política de
assentamentos não é do povo israelense, mas de seu governo fascista, que
precisa dela para manter o apoio dos religiosos. É que estes, como é da
característica dos fanáticos, não possuem qualquer compromisso com a realidade,
e analisam a situação a partir de um suposto território que teria sido
destinado a eles pela Bíblia. Então, fodam-se os árabes, os palestinos, e
foda-se todo mundo, eu tenho direito à terra deles porque Deus me deu. E
pronto.
Realmente, Marcelo Jugend e Dennison de
Oliveira poder discutir desarmado com gente do
quilate de vcs é um privilégio. Os assentamentos são um câncer, como o são os
doidos de todos os lados. Mas, nos lembremos tb., discutir estes temas aqui no
nosso bem bom é uma coisa, lá o pessoal tá enterrando seus mortos... UI, ODEIO
AS GUERRAS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! bjs
II.
Este
outro diálogo foi iniciado em um blog político, que comentava a situação no
Oriente Médio. Um internauta de nome Zeno José Otto postou um comentário que a
meu ver era francamente antissemita, confundindo aquela situação com as posturas
do povo judeu em geral.
Foi
assim:
Zeno:
É bom todos
lerem o Protocolo dos Sábios de Sião. As criticas a essa obra acusam que não se
sabe quem o escreveu. Quem o escreveu não tem importância. O que é bom conferir
é que os judeus o adotaram. Quer ler? http://holywar.org/prot/port/portugal.htm
Marcelo:
Ô, Zeno, não te
conheço, nem você a mim. Sou judeu, tenho uma posição independente e
diferenciada em relação a toda a situação no Oriente Médio. Sou crítico antigo
da extrema direita que governa Israel graças a uma aliança espúria com
religiosos fanáticos e irracionais (aliás, TODOS os religiosos fanáticos são
irracionais). Mas alto lá. O problema dos protocolos dos sábios do Sião não é
ser apócrifo. É seu conteúdo, rigorosamente antissemita. Você recomendar a
leitura, e, pior ainda, dizer que os judeus o adotaram faz de você um
antissemita. E isso, velho, não tem absolutamente nada a ver com o que está
ocorrendo agora entre Israel e Palestinos. Este é um problema geopolítico sério
e complicado, envolvendo intransigências mútuas cuja reversão não interessa a
lideranças cegas de ambos os lados. Quando você faz uma ignorância dessas, uma
verdadeira imbecilidade, você inclusive faz o jogo dos piores sionistas, que
insistem em dizer o absurdo de que anti-sionismo e antissemitismo são a mesma
coisa. Cuidado, companheiro, com o caminho que você está trilhando. Não ajuda
nada, e coloca você na pior de todas as posições, a de racista.
Zeno:
Essa é a sua
opinião. Eu me considero anti-racistas. Não sou anti-semita nem semita, nem
sionista. Mas a comparação do conteúdo com a realidade é dificil negar. Eu
gostaria que não fosse assim e Israel não fizesse o que está fazendo. Mas está
fazendo e não respeita a opinião de ninguém só dos Estados Unidos (Tio Samuel).
Zeno:
Você vai
precisar ser muito mais específico. Por exemplo o que? Os judeus querem dominar
o mundo? Há uma articulação entre nós para subjugar todos os povos? Pra mim não
contaram. Será que sou menos judeu? Ou indigno da conspiração? De qualquer
modo, eu não participo. Ou é que controlamos o dinheiro? Hein? Como é que você
pode sequer insinuar que atitudes tomadas por um governo que nem mesmo
representa a maioria do povo israelense (o Netaniahu, um fascista dos piores,
teve menos votos, e, para governar, aliou-se aos religiosos fanáticos)
representam a totalidade do que pensa ou como age o povo judeu como um todo?
Desculpe, mas a generalização é mesmo uma imbecilidade. Não existe nenhum
comportamento, previsto no ridículo texto que você quer impingir, ou em
qualquer outro, que possa ser imputado a todo um grupo de pessoas. Ainda mais
esse, um grupo enorme, imenso e totalmente heterogêneo. Como bem disse uma
amiga minha, tentar homogeneizar seres humanos é tratá-los como não humanos.
Deixe, por favor, de ser simplório. Não me nivele ao Netaniahu, nem a seus
asseclas, e muito menos aos fanáticos religiosos ortodoxos, todos eles judeus
como eu. O único que nos une é um passado cultural milenar, e, mesmo assim,
cada um de nós o enxerga e interpreta de maneira totalmente diferente. Não é
apenas uma questão de opinião, me perdoe. Quando você diz "os judeus"
adotaram este ou aquele comportamento, e os inclui como um todo nas nojeiras
que estão no texto por você recomendado, você está se dirigindo também a mim,
individualmente. E me ofendendo pessoalmente. Então, desculpe, mas anti-racista
você não é. Pelo contrário.
Zeno:
"Antes de mais nada, meus parabéns!!!
Você se expos e assumiu suas convicções que são quase as minhas. Mas você tem
que concordar que essa maioria do povo judeu que não concorda com esse governo
de Israel, está em cima do muro. Não vejo nenhum grandes movimentos contra. Me
faz pensar que deixam o Bibi fazer o trabalho sujo e, se tudo der certo "eu
sou judeu". Se não der "sempre fui contra". Você que pertence a
comunidade judia sensata, humana e pacífica, deveria despertar essa maioria
silenciosa. Do contrário temos todo o direito de pensar que quem cala consente.
A minha intenção é provocar essa maioria e usei a única ferramenta que
disponho. Deu certo com você. Desculpe. Mas você faz parte da comunidade judia,
você pode. Eu poderia ficar calado assistindo diariamente essa carnificina. Mas
o "jus esperniandis" existe e eu, como usei. Pense bem. Não dá pra
ficar sem fazer nada. O bandido de tudo que estamos assistindo não sou eu.
Aponte sua arma em outra direção, compadre. Eu sou apenas uma pequena
consequência. A origem está lá na terra prometida."
Ao
final da conversa, após eu informar que há sim uma dissidência entre os judeus,
dentro e fora de Israel, e que ela vem crescendo, reiterei minha crítica à
postura dele, dizendo que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Ele
insistiu que estava apenas provocando.