O discurso
imutável, espécie de mantra dos costumeiros arautos do apocalipse, insiste em
que um dos grandes problemas da criminalidade, no Brasil, é a impunidade dos
criminosos.
Talvez isso
seja verdade quanto àqueles de colarinho branco, ou de maior poder aquisitivo,
muitos dos quais, aliás, poderão ser encontrados exatamente dentre esses
próprios arautos.
Mas certamente
não é no que toca ao bom e velho triplo “p”: preto, pobre e prostituta.
Esses são
punidos, sim senhor, e muito. Em quantidade e, também, em qualidade.
São tantos que
não existe lugar para pô-los.
Por isso vivem
em situação sub-humana, atirados em cárceres que podem, sem nenhuma
desvantagem, ser comparados a verdadeiras masmorras medievais.
Tenho dito
sempre que não é possível resolver o problema carcerário no Brasil, em razão do
número e da velocidade em que se efetuam prisões e mais prisões. Governo algum,
no mundo, possui capacidade para ampliar a quantidade de vagas em condições de
acompanhar.
Está claro, então,
que o problema não é nas vagas, mas no número de pessoas que precisam
preenchê-las.
Algo de errado
há em uma sociedade, quando ela consegue produzir mais criminosos do que locais
onde colocá-los.
Isso ocorre porque
o foco está errado. A prioridade deve ser outra. Sem descurar dos locais, é
preciso priorizar as pessoas.
Deve-se, sim, aumentar
as vagas. Mas é muito mais importante diminuir o número de criminosos aos quais
elas se destinam.
É mais ou menos
(em sentido figurado, claro), como corrigir a gestão financeira de uma empresa
deficitária. Qualquer principiante no tema sabe que o segredo não é apenas incrementar
a receita, mas também minimizar a despesa.
Havendo menos
criminosos, menor será o número de vagas necessárias.
Pois bem.
Graças a uma distorção cultural que nos é imposta de cima para baixo, e de
forma sutil mas implacável, o triplo “p” carrega o estigma do crime. Eles são
total e evidentemente destituídos de poder, em virtude de ocuparem as posições
mais baixas da pirâmide socioeconômica. Então à sociedade, governada que é
justamente pelas outras camadas dessa mesma pirâmide, pouco se lhe dá.
Quer apenas
extirpar esse “mal” de seu convívio, afastando-o dos seus imaculados olhos.
Analisar em
profundidade, e tentar solucionar as causas do fenômeno, significa sair da zona
de conforto, em benefício de pessoas que “não importam”. Cidadãos de segunda
classe. Vocês hão de convir, é muito trabalho.
É. Mas tem um
preço. É caro, e está chegando a hora de pagá-lo.
As condições
carcerárias aumentam o crime porque não apenas favorecem a reincidência, como a
aperfeiçoam. O resultado explode, claro, no colo do conjunto da sociedade que,
atônita, por nunca ter sabido agir, não sabe como reagir.
Os arautos do
apocalipse que me perdoem. Há sim, punição no Brasil. Até demais. Ela só não dá
os resultados esperados pelo “senso comum”. O que prova que não estamos no
caminho correto. Além de atacar as causas ao invés de acomodar-se visando as
consequências, há também muito o que rever sobre a quem se pune e, sobretudo,
como se pune.
Saiu esta
semana, na BBC Brasil de Londres – de credibilidade inatacável – uma matéria a
respeito deste tema. A quem estiver interessado, aí vai o link:
Destaco, por
muito importante:
Em 1992, o Brasil tinha um total de 114.377 presos (74
por 100.000 habitantes). Em julho de 2012, apenas 20 anos depois, já eram 549.577
(288 por 100.000 habitantes). Isso representa um aumento de 380,5% no número total de presos
e de 289,2% na proporção por
100 mil habitantes. No período, a população total do país cresceu 28%.
É apavorante. Simplesmente apavorante.
Naquele mês, havia um déficit de 250.504 vagas nas prisões do
país. Mais de 50%.
Em seis meses, de dezembro de 2011 a julho de 2012, o número de
encarcerados no Brasil cresceu de 514.582 para os atuais 549.577. Um aumento de
34.995, ou 5.832,5 por mês, ou 194,42 por dia.
Não há quem aguente.
“Por mais
esforço que o Estado faça, não dá conta de construir mais vagas no mesmo ritmo”.
Quem disse
isso foi ninguém menos do que o diretor do Departamento Penitenciário Nacional
(Depen), do Ministério da Justiça, Augusto Rossini.
E há mais.
Um dos
maiores especialistas do mundo no tema, segundo o artigo, o finlandês Matti
Joutsen, diretor do Instituto Europeu para Prevenção e Controle ao Crime
(Heuni), órgão consultivo da ONU, afirma categoricamente:
"Seus
cidadãos estão preocupados com mais roubos ou assaltos? Aumente a punição. Há
mais histórias sobre tráfico de drogas na mídia? Aumente a punição. Houve algum
caso particularmente repulsante de estupro ou sequestro? Aumente a punição. Nunca se importam em tentar melhorar as
políticas sociais, oferecer aos criminosos em potencial alternativas de vida ou
investir em medidas de prevenção".
“Segundo ele, essas alternativas ‘não trazem
as mesmas promessas de recompensa imediata nas urnas’. 'Endurecer contra o crime' sempre cai bem com a sua base
política e é certamente um chamariz
de votos’, afirma”. (os grifos são meus).
Realmente,
acho que não é preciso dizer mais nada.