sábado, 13 de abril de 2013

O Foco da Discussão


            O Brasil se mobiliza contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 37, amplamente apelidada de “PEC da Impunidade”.
            Trata-se de projeto do Deputado Federal Lourival Mendes (PTdoB) que pretende retirar do Ministério Público o poder de investigar crimes. O texto determina que esse poder será exclusivo da Polícia Federal e das Polícias Civis dos Estados.
Fora das próprias polícias, apenas meia dúzia de gatos pingados a defende.
            A meu ver, toda essa discussão está completamente fora de foco, e a consagração disso é a própria mobilização nacional pela rejeição da emenda.
            E é mesmo geral. No dia 09 de abril escutei um conceituado colunista do rádio paranaense (que, aliás, foi deputado constituinte e é, portanto, um dos autores da nossa Carta Magna) dizer-se favorável à manutenção dos poderes de investigação do MP.
            Até aí, nada demais. Ele não está propriamente mal acompanhado nessa posição. Muito pelo contrário.
            O que me incomodou foram as razões invocadas para sustentá-la.
            Disse o comentarista que pensa assim porque, sendo as polícias, como são, subordinadas aos governantes, estão “indubitavelmente” (a palavra é dele) sujeitas a pressões políticas capazes de torná-las tendenciosas. Podem, segundo ele, agir seletivamente e com parcialidade nas investigações, ao juízo dos seus superiores.
            Em outras palavras, endossou o apelido “PEC da Impunidade”.
            Mas o que diabo há de errado?
            Simples: todos nos conformamos com o fato de que a polícia é ruim, desistimos de melhorá-la e partimos para um esquema alternativo. O qual é, também, infelizmente, apenas paliativo.
            Atenção patrulheiros: antes que me acusem de compactuar com a corrupção e a impunidade, vou avisando: não sou contra o Ministério Público poder investigar. Pelo menos não na atual conjuntura.
            O que estou afirmando é que a sociedade brasileira parece estar renunciando a olhar de frente para o problema real, encará-lo como de fato é, e, com coragem e determinação, agir para solucioná-lo.
            E parte para um remendo mal-enjambrado. Desculpem, mas o sistema como está é pura improvisação.
            Vejam: segundo a voz corrente, deixar o poder de investigar exclusivamente com as polícias equivale a consagrar a impunidade. Em outras palavras, como a finalidade da polícia é justamente apontar os criminosos e encaminhá-los à justiça para que sejam ... punidos, significa que ela não a cumpre.
            Qual a saída encontrada? Coloca-se o Ministério Público, consensualmente tido como uma instituição mais séria (e independente...), para fazer o trabalho.
            Mas, espantosamente, não se bule – Deus nos livre! – com a polícia. Sim, aquela mesma que, segundo os arautos, é totalmente falha.
            Escutei de um promotor, na televisão, o seguinte: “Respeitamos a polícia. Queremos que ela continue fazendo o seu trabalho. Apenas queremos investigar também!”
            Isso reflete com perfeição o clima geral: panos quentes. Estão todos com panos quentes. “É, veja bem, a polícia continua; ela lá, o MP aqui, sem problema...”
            É? Então por que é que o Ministério Público está sempre no comando das investigações dos crimes que causam danos mais graves? Aqueles que mais repercutem?
            Então por que é que se diz que impedi-lo de fazer isso é ampliar ainda mais a impunidade?
            Hein? Alguém aí poderia me responder?
            Mas não vale a resposta que para mim, é a única possível: é porque a polícia não dá conta!
            Tem alguém que sabe de outra? Se tiver, por favor, sou todo ouvidos.
            Quer dizer, das duas, uma. Obrigatoriamente, só uma: ou é verdade que a polícia não dá conta, e então é preciso que se faça alguma coisa real a respeito disso, ou então ela dá conta, e daí todo esse debate não passa de mera perda de tempo.
            Qual alternativa você escolhe?
            Pois é. Este, minha gente, é o foco verdadeiro da discussão. A pergunta que deve ser feita é: com Ministério Público ou sem Ministério Público, a polícia cumpre a contento a tarefa que dela se espera?
            A maior parte da sociedade brasileira parece entender que não. Pelo menos, entre tantas outras coisas, é isso o que demonstra a atual mobilização contra a PEC 37.
            Ora, então encaremos os fatos. Sem tergiversações.
            Só que não é isso o que acontece. Parece que estamos conformados. Resignados.
            Entretanto, não precisa ser assim. As deficiências das polícias não são, como se parece acreditar, um desígnio divino imutável.
            E não me venham, por favor, com a justificativa do comentarista acima. As polícias de todo o mundo são subordinadas ao Poder Executivo, e nem por isso podem ser genericamente acusadas de tendenciosas ou parciais. Ou de falta de isenção.
            Do modo como está, dizia eu, é paliativo e improvisado.
            Paliativo porque, mesmo com o Ministério Público atuando, a situação não apresenta melhorias realmente estruturais. Os problemas de fundo permanecem.
E improvisado porque carente de um embasamento legal sólido. Há interpretações constitucionais e legais altamente controvertidas, envolvendo juristas de igual envergadura em ambos os lados da trincheira. Ora, a clareza normativa é essencial para fazer com que as instituições funcionem de maneira sistêmica. O que, obviamente, é fundamental. O arranjo atual, ao contrário, estimula rivalidades, alimenta infinitas fogueiras de vaidades, e promove conflitos incessantes e permanentes.
É tudo, menos um sistema organizado.
Entretanto, mesmo assim, esse arranjo, por enquanto, é necessário.
            O modelo policial brasileiro é anacrônico e profundamente equivocado. A cultura policial brasileira é superada, e inadequada.
            Enquanto esses males não forem reconhecidos e arrancados pela raiz, pouco se pode aspirar além do que aí está.
            Então, pensando em voz muito baixa, o que eu acho é que, pelo menos enquanto não se cria essa coragem, para bulir a fundo com as sólidas, cristalizadas e ultrapassadas estruturas que impedem nossas polícias de dar conta efetiva de sua tarefa, o melhor (menos mau, na verdade)  é deixar como está.
            Em uma palavra: aprovar ou rejeitar a PEC 37 não é o mais relevante. É a discussão fora de foco. O que importa é fazer um diagnóstico realista da situação estrutural, e tomar medidas para corrigir de fato os erros que ele apontar. Este é o foco verdadeiro do problema.
            Enquanto isso, o menos ruim é manter o remendo. Pelo menos há uma maior quantidade de pessoas e instituições na lida.