O
Brasil se mobiliza contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) nº 37, amplamente apelidada de “PEC da Impunidade”.
Trata-se
de projeto do Deputado Federal Lourival Mendes (PTdoB) que pretende retirar do
Ministério Público o poder de investigar crimes. O texto determina que esse poder
será exclusivo da Polícia Federal e das Polícias Civis dos Estados.
Fora das próprias
polícias, apenas meia dúzia de gatos pingados a defende.
A
meu ver, toda essa discussão está completamente fora de foco, e a consagração
disso é a própria mobilização nacional pela rejeição da emenda.
E
é mesmo geral. No dia 09 de abril escutei um conceituado colunista do rádio
paranaense (que, aliás, foi deputado constituinte e é, portanto, um dos autores
da nossa Carta Magna) dizer-se favorável à manutenção dos poderes de
investigação do MP.
Até
aí, nada demais. Ele não está propriamente mal acompanhado nessa posição. Muito
pelo contrário.
O
que me incomodou foram as razões invocadas para sustentá-la.
Disse
o comentarista que pensa assim porque, sendo as polícias, como são, subordinadas
aos governantes, estão “indubitavelmente” (a palavra é dele) sujeitas a
pressões políticas capazes de torná-las tendenciosas. Podem, segundo ele, agir
seletivamente e com parcialidade nas investigações, ao juízo dos seus
superiores.
Em
outras palavras, endossou o apelido “PEC da Impunidade”.
Mas
o que diabo há de errado?
Simples:
todos nos conformamos com o fato de que a polícia é ruim, desistimos de
melhorá-la e partimos para um esquema alternativo. O qual é, também,
infelizmente, apenas paliativo.
Atenção
patrulheiros: antes que me acusem de compactuar com a corrupção e a impunidade,
vou avisando: não sou contra o Ministério Público poder investigar. Pelo menos
não na atual conjuntura.
O
que estou afirmando é que a sociedade brasileira parece estar renunciando a
olhar de frente para o problema real, encará-lo como de fato é, e, com coragem
e determinação, agir para solucioná-lo.
E
parte para um remendo mal-enjambrado. Desculpem, mas o sistema como está é pura
improvisação.
Vejam:
segundo a voz corrente, deixar o poder de investigar exclusivamente com as
polícias equivale a consagrar a impunidade. Em outras palavras, como a finalidade
da polícia é justamente apontar os criminosos e encaminhá-los à justiça para
que sejam ... punidos, significa que ela não a cumpre.
Qual
a saída encontrada? Coloca-se o Ministério Público, consensualmente tido como
uma instituição mais séria (e independente...), para fazer o trabalho.
Mas,
espantosamente, não se bule – Deus nos livre! – com a polícia. Sim, aquela
mesma que, segundo os arautos, é totalmente falha.
Escutei
de um promotor, na televisão, o seguinte: “Respeitamos a polícia. Queremos que
ela continue fazendo o seu trabalho. Apenas queremos investigar também!”
Isso
reflete com perfeição o clima geral: panos quentes. Estão todos com panos
quentes. “É, veja bem, a polícia continua; ela lá, o MP aqui, sem problema...”
É?
Então por que é que o Ministério Público está sempre no comando das
investigações dos crimes que causam danos mais graves? Aqueles que mais
repercutem?
Então
por que é que se diz que impedi-lo de fazer isso é ampliar ainda mais a
impunidade?
Hein?
Alguém aí poderia me responder?
Mas
não vale a resposta que para mim, é a única possível: é porque a polícia não dá
conta!
Tem
alguém que sabe de outra? Se tiver, por favor, sou todo ouvidos.
Quer
dizer, das duas, uma. Obrigatoriamente, só uma: ou é verdade que a polícia
não dá conta, e então é preciso que se faça alguma coisa real a respeito disso,
ou então ela dá conta, e daí todo esse debate não passa de mera perda de tempo.
Qual
alternativa você escolhe?
Pois
é. Este, minha gente, é o foco verdadeiro da discussão. A pergunta que deve ser
feita é: com Ministério Público ou sem Ministério Público, a polícia cumpre a
contento a tarefa que dela se espera?
A
maior parte da sociedade brasileira parece entender que não. Pelo menos, entre
tantas outras coisas, é isso o que demonstra a atual mobilização contra a PEC
37.
Ora,
então encaremos os fatos. Sem tergiversações.
Só
que não é isso o que acontece. Parece que estamos conformados. Resignados.
Entretanto,
não precisa ser assim. As deficiências das polícias não são, como se parece
acreditar, um desígnio divino imutável.
E
não me venham, por favor, com a justificativa do comentarista acima. As
polícias de todo o mundo são subordinadas ao Poder Executivo, e nem por isso
podem ser genericamente acusadas de tendenciosas ou parciais. Ou de falta de
isenção.
Do
modo como está, dizia eu, é paliativo e improvisado.
Paliativo
porque, mesmo com o Ministério Público atuando, a situação não apresenta
melhorias realmente estruturais. Os problemas de fundo permanecem.
E improvisado
porque carente de um embasamento legal sólido. Há interpretações constitucionais
e legais altamente controvertidas, envolvendo juristas de igual envergadura em
ambos os lados da trincheira. Ora, a clareza normativa é essencial para fazer
com que as instituições funcionem de maneira sistêmica. O que, obviamente, é
fundamental. O arranjo atual, ao contrário, estimula rivalidades, alimenta infinitas
fogueiras de vaidades, e promove conflitos incessantes e permanentes.
É tudo, menos
um sistema organizado.
Entretanto,
mesmo assim, esse arranjo, por enquanto, é necessário.
O
modelo policial brasileiro é anacrônico e profundamente equivocado. A cultura
policial brasileira é superada, e inadequada.
Enquanto
esses males não forem reconhecidos e arrancados pela raiz, pouco se pode
aspirar além do que aí está.
Então,
pensando em voz muito baixa, o que eu acho é que, pelo menos enquanto não se
cria essa coragem, para bulir a fundo com as sólidas, cristalizadas e ultrapassadas
estruturas que impedem nossas polícias de dar conta efetiva de sua tarefa, o melhor
(menos mau, na verdade) é deixar como
está.
Em
uma palavra: aprovar ou rejeitar a PEC 37 não é o mais relevante. É a discussão
fora de foco. O que importa é fazer um diagnóstico realista da situação
estrutural, e tomar medidas para corrigir de fato os erros que ele apontar. Este
é o foco verdadeiro do problema.
Enquanto
isso, o menos ruim é manter o remendo. Pelo menos há uma maior quantidade de
pessoas e instituições na lida.