quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Amarildo e o Futuro

                E então tudo indica que o Amarildo foi torturado e morto por policiais da UPP.
                A rigor, não é o primeiro episódio do tipo. E provavelmente não será o último.
                Mas a UPP não tem exatamente a finalidade de pacificar o território? E isso não quer dizer que a principal atribuição dela é fazer policiamento comunitário? E policiamento comunitário não é exatamente criar laços de confiança, cordialidade e interação com a comunidade?
                E o Amarildo não era exatamente um membro dessa mesma comunidade?
                Então, como podem policiais comunitários torturar e assassinar justamente aquele com quem deveriam estar estabelecendo vínculos positivos?
                De todas as perguntas que não querem calar, esta é exatamente a que mais me intriga.
                Isto porque a resposta, a meu ver, não é nada animadora.
                Já é óbvio para qualquer observador minimamente honesto que a tortura à qual submeteram o pobre Amarildo visava a obter dele informações que conduzissem os policiais a algum bandido.
                A boa e velha tortura. A bestialidade como único método de investigação. Viram “Tropa de Elite”? Pois é. Está tudo lá.
                Mas se acreditava que deste mal, típico da nossa polícia tradicional, não sofreriam os novos policiais, contratados e treinados sob o signo dos novos tempos, da polícia comunitária, pacificadora.
                Só que não.
A nossa velha e carcomida cultura policial está entranhada demais no inconsciente de quase todos aqueles seres humanos que adotam essa profissão. Novatos ou veteranos, creem nesse modelo. E, pior que tudo, valem-se dele para descarregar em todo e qualquer infeliz que tenha o azar de cair em suas garras, uma variada gama de distorções de personalidade e frustrações emocionais que carregam.
Desde que, claro, o infeliz seja pobre, e de preferência preto ou pardo. Sempre uma vítima frágil, cujo poder de reação jamais os ameaçará.
Trata-se de um câncer que corrói as entranhas das polícias tradicionais. Como seus irmãos biológicos, sua possibilidade de cura diminui à medida em que ele se desenvolve sem tratamento que o combata. Quanto mais antigo, mais difícil de erradicar.
 Que este espécime canceroso já é velho, e que sua cura já se afigura praticamente impossível, já se sabia.
A notícia ruim é que agora começaram as metástases.
Já se manifesta naquele projeto que deveria mostrar uma polícia diferente.
Se estou pessimista? Claro!
A UPP surgiu como uma pálida alternativa de reversão daquelas práticas, cuja única utilidade é realimentar interminavelmente um ciclo de violência que, por si só, já não parece ter mais fim.
No entanto este, como outros episódios, abalam de maneira significativa a crença de que elas possam efetivamente atingir tais objetivos.  O veneno inoculado na corporação, ao longo de décadas, não possui antídoto à vista. E o próprio espírito corporativo se encarrega de disseminá-lo, qual vírus contagioso, por entre seus membros.
Se vejo saída? Sim. Ela existe.
A cada dia, surgem mais vozes dentro da sociedade brasileira, a mostrar o caminho para ela.
Tenho feito disso uma espécie de mantra, tanto aqui neste blog quanto em todas as minhas intervenções, públicas ou privadas.
A verdadeira saída está em priorizar a prevenção. Retirar dos jovens fragilizados a tentação da carreira criminosa. Oferecer a eles outro caminho, do qual hoje são total e cruelmente privados.
Quanto ao trabalho policial, a direção da saída é exatamente aquela apontada pelas UPPs. Policiamento comunitário, proativo, preventivo. Em uma palavra, polícia cidadã.
A dúvida é apenas se as polícias existentes, com um câncer tão consolidado, cultora de  valores tão distorcidos quanto solidificados pela prática e pelo tempo, possuem condições para uma mudança tão profunda.
A morte do Amarildo sinaliza negativamente.
Esperemos.
A história dirá. Quem viver, verá.

A conferir.