A
rigor, não é o primeiro episódio do tipo. E provavelmente não será o último.
Mas
a UPP não tem exatamente a finalidade de pacificar o território? E isso não
quer dizer que a principal atribuição dela é fazer policiamento comunitário? E
policiamento comunitário não é exatamente criar laços de confiança,
cordialidade e interação com a comunidade?
E
o Amarildo não era exatamente um membro dessa mesma comunidade?
Então,
como podem policiais comunitários torturar e assassinar justamente aquele com
quem deveriam estar estabelecendo vínculos positivos?
De
todas as perguntas que não querem calar, esta é exatamente a que mais me
intriga.
Isto
porque a resposta, a meu ver, não é nada animadora.
Já
é óbvio para qualquer observador minimamente honesto que a tortura à qual
submeteram o pobre Amarildo visava a obter dele informações que conduzissem os
policiais a algum bandido.
A
boa e velha tortura. A bestialidade como único método de investigação. Viram
“Tropa de Elite”? Pois é. Está tudo lá.
Mas
se acreditava que deste mal, típico da nossa polícia tradicional, não sofreriam
os novos policiais, contratados e treinados sob o signo dos novos tempos, da polícia
comunitária, pacificadora.
Só
que não.
A nossa velha
e carcomida cultura policial está entranhada demais no inconsciente de quase todos
aqueles seres humanos que adotam essa profissão. Novatos ou veteranos, creem nesse
modelo. E, pior que tudo, valem-se dele para descarregar em todo e qualquer
infeliz que tenha o azar de cair em suas garras, uma variada gama de distorções
de personalidade e frustrações emocionais que carregam.
Desde que,
claro, o infeliz seja pobre, e de preferência preto ou pardo. Sempre uma vítima
frágil, cujo poder de reação jamais os ameaçará.
Trata-se de um
câncer que corrói as entranhas das polícias tradicionais. Como seus irmãos
biológicos, sua possibilidade de cura diminui à medida em que ele se desenvolve
sem tratamento que o combata. Quanto mais antigo, mais difícil de erradicar.
Que este espécime canceroso já é velho, e que
sua cura já se afigura praticamente impossível, já se sabia.
A notícia ruim
é que agora começaram as metástases.
Já se
manifesta naquele projeto que deveria mostrar uma polícia diferente.
Se estou
pessimista? Claro!
A UPP surgiu
como uma pálida alternativa de reversão daquelas práticas, cuja única utilidade
é realimentar interminavelmente um ciclo de violência que, por si só, já não
parece ter mais fim.
No entanto
este, como outros episódios, abalam de maneira significativa a crença de que
elas possam efetivamente atingir tais objetivos. O veneno inoculado na corporação, ao longo de
décadas, não possui antídoto à vista. E o próprio espírito corporativo se
encarrega de disseminá-lo, qual vírus contagioso, por entre seus membros.
Se vejo saída?
Sim. Ela existe.
A cada dia,
surgem mais vozes dentro da sociedade brasileira, a mostrar o caminho para ela.
Tenho feito
disso uma espécie de mantra, tanto aqui neste blog quanto em todas as minhas
intervenções, públicas ou privadas.
A verdadeira
saída está em priorizar a prevenção. Retirar dos jovens fragilizados a tentação
da carreira criminosa. Oferecer a eles outro caminho, do qual hoje são total e
cruelmente privados.
Quanto ao
trabalho policial, a direção da saída é exatamente aquela apontada pelas UPPs.
Policiamento comunitário, proativo, preventivo. Em uma palavra, polícia cidadã.
A dúvida é
apenas se as polícias existentes, com um câncer tão consolidado, cultora de valores tão distorcidos quanto solidificados
pela prática e pelo tempo, possuem condições para uma mudança tão profunda.
A morte do
Amarildo sinaliza negativamente.
Esperemos.
A história
dirá. Quem viver, verá.
A conferir.
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