quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Uma decisão. Um destino.

No último mês de outubro, coroando um processo de longa e profunda reflexão, eu me filiei ao PT. Cheguei à conclusão de que este era o caminho para dar sequência à militância política que tem pautado toda minha vida. Sei que foi uma decisão polêmica. Desagradou bastante a muitos que me querem bem - e são correspondidos. Outros tantos não a compreenderam.
Na ocasião em que assinei a ficha de filiação, pronunciei um pequeno discurso, que reproduzo abaixo. Acho que, de algum modo, ele explica minha opção. E, também, reflete o fato de que ela foi pensada, pesada e amadurecida. Pode ter sido equivocada, espero que não. Só a história vai dizer. Mas foi consciente. Já passei da idade da porra-louquice.
Aí vai:

"Uma decisão. Um destino.

                Tenho aqui, hoje, a oportunidade de dar consequência a uma difícil decisão.
                Sou um homem de esquerda.  Fui, e serei sempre, um homem de esquerda. Muitos aqui o sabem.
                Ingrata, árida, mas gratificante opção. Imposta pelo dever de uma consciência que não consegue ignorar as clamorosas injustiças que o mundo nos escancara todos os dias.
                No que tange a filiação partidária, essa minha opção se traduziu em um único caminho. Desde os tempos da ditadura, quando a oposição só era possível no antigo MDB, minha militância dentro dele se canalizava, clandestinamente, para o Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, o bom e velho PCB, pai de todas as esquerdas brasileiras.
                Tão logo legalizado, no início da transição democrática, a ele filiei-me oficialmente.
                Nessa época eu divergia do PT.
Por sobre estar recém saído de um regime proto-fascista que deixara marcas e heranças ponderáveis, o Brasil também ostentava (como ainda ostenta) uma elite das mais selvagens e intransigentes do mundo. Ela tinha sua escala de valores solidamente consolidada no imaginário social e cultural das pessoas, e de tudo isso não abriria mão sem forte luta.
Nesse quadro, a correlação de forças não nos permitia ter segurança de vitória em um confronto aberto e direto. Aliás, o mais provável era o insucesso, com outro atraso enorme para o processo democrático brasileiro.
A meu ver, portanto, o PT se equivocava ao partir, já então, para tal tipo de confronto. Nossa pequena flor democrática era extremamente frágil, mal nascia. Pouco se fincava sua raiz, ainda, no solo social, de modo que as tormentas provocadas pelas oligarquias, inconformadas com o recente fim de seus maiores privilégios, constituía uma ameaça real.
Era possível avançar, sim, e o Brasil o fez; mas não à velocidade ideal.
                Que fique claro, porém: divergências sérias, sim, mas democráticas. Jamais julguei haver má-fé, de parte a parte. E nunca duvidei de que, ideologicamente, estivéssemos do mesmo lado. Na esquerda.
Com o fracasso das experiências do assim dito “socialismo real”, acompanhei o aggiornamento auto-crítico que, em 1992, reconheceu a necessidade de melhor sintonizar a ideologia e as práticas do PCB com a democracia e as aspirações populares, e o rebatizou como Popular Socialista, o PPS.
                Não me permito, entretanto, sob pena de adentrar em um conflito íntimo de proporções desastrosas, fugir da minha opção ideológica. Ela é atávica, inexorável.
                Fiel a isso, fui ao longo do tempo me distanciando da linha política do Partido, inexplicavelmente cada vez mais perfilada com um conservadorismo totalmente divorciado de nossas origens.
                Por fim, e contra minha luta vã, éramos uma caricatura de nossas ideias originais.
                Então, em 2012, rendi-me à evidência e, com luto no coração, desfiliei-me do PPS.
                Não posso entender, contudo, militância política consciente longe de uma estrutura cuja finalidade seja, em última análise, implantar na sociedade a respectiva visão de mundo.
                Era necessária uma nova filiação partidária. E, se a posição à esquerda havia imposto deixar a antiga, deveria ela, por certo, balizar a nova.
                Entre as alternativas, impôs-se naturalmente o PT. A história se encarregou de colocar nossas trajetórias em linhas convergentes. Amadureceu ele. Amadureci eu.
                Aqui, com certeza, malgrado as contradições, se faz e se pode fazer autêntica militância de esquerda.
                Ao contrário de outras paragens, aqui é possível fazê-lo de forma qualificada, como agora exige minha experiência. calejada por tantos embates. Sem fantasias. Sem irresponsabilidade ou inconseqüência. Mas também sem transigência.
                Aqui se encontra o alicerce inquestionável que permitiu ao país ter o seu primeiro governo orientado pelo ponto de vista do oprimido. E assim, em um curto período, avançar mais na diminuição das injustiças do que em toda a sua história anterior.
                Aqui se compreendeu quão perigosa ilusão é pensar que nossas oligarquias estão de joelhos, ou indefesas. Aliás, todas as regras do jogo que ainda é jogado foram concebidas e definidas de acordo com os melhores interesses delas.
                Não houve, até o presente momento, condições objetivas de alterar essas regras. O que só comprova o quanto ainda é frágil nossa acumulação de forças.
                A inflexão que implicava em reconhecer a necessidade de jogar esse jogo e, assim, alcançar conquistas antes inimagináveis – ainda que longe das ideais – mesmo que à custa de alianças e concessões também antes inimagináveis para os setores mais radicais do partido e, mesmo da esquerda em geral, foi o grande momento de amadurecimento do PT.
                É aqui, portanto, que penso poder continuar cumprindo meu destino.
                Até porque fazer isso neste exato momento implica compreender que os tempos impõem uma nova dinâmica, decorrente daquilo que hoje inquieta e domina todo militante político sério deste País: a intensa mobilização social de junho passado.
                No meu ver, jogar aquele jogo produziu, como esperado, inegáveis avanços. Mas também implicou em contradições. Afinal, as suas regras são antidemocráticas e, como tal, inteiramente opostas aos interesses, à prática e aos objetivos das forças progressistas.
                Por isso, não é nenhuma coincidência de que seja aqui, no PT, que se encontra o vértice da grande luta política que toma conta do País neste momento histórico.
                A correlação de forças já não é a mesma dos idos de 1983. Não há dúvida de que os setores progressistas avançaram, e muito. Conquistaram cidadelas e baluartes valiosíssimos no contexto sócio-político-cultural da nação. A democracia brasileira é hoje sólida, ampla, profunda e duradoura, como nunca se viu. A florzinha se vê árvore frondosa.
                Mas é preciso reconhecer que a vitória, esta ainda está distante.
Consolidar posições, redobrar o cuidado e a atenção, estar ainda mais alerta. Manter a acuidade da análise da realidade, com auto-crítica honesta, sem qualquer concessão à auto-indulgência. Eis alguns dos deveres da esquerda popular, a fim de continuar com o processo de acumulação necessário ao desequilíbrio da balança a nosso favor.
                Assistimos, todos os dias, a demonstrações de força da reação. Nossas elites, como já disse, não cairão sem luta. E, verdade se diga, nada indica que sua derrota seja iminente.
                Nesse contexto, há que se perceber que o governo, e com ele o PT, são também alvos da recente e ampla demonstração de insatisfação popular.
No meu modesto ver, e por paradoxal que pareça, isso se deve muito mais aos seus acertos do que a seus erros.
Explico: impossibilitado de alterar as regras, em um momento dado, o Partido utilizou-se delas para chegar ao Poder e, nele, implementar uma agenda progressista, embora, graças a elas mesmas, insuficiente.
Ocorre que tais regras favorecem – até geram - as dinâmicas cujos efeitos nefastos agora fizeram transbordar o copo da paciência popular.
Caudatário delas, o Governo, e com ele a esquerda, corre o risco de ser com elas misturado. Uma análise rasa (e, admita-se, por vezes correta em alguns casos pontuais) nos transforma, como mágica, em sócios e beneficiários de uma ordem corrupta e degradada.
Não podemos – e não devemos – deixar que tal entendimento se consolide.
É necessário compreender que, mesmo perigosa, a oportunidade política que se apresenta é preciosa. Como sempre, vem das ruas, das massas, do povo, a orientação para o melhor caminho.
E o que diz essa mensagem é que aquele momento dado, em que a correlação de forças não nos permitia alterar as regras, passou. Tudo agora é diferente
A maturidade, que antes recomendava cautela, agora exige ousadia.
É chegado o tempo, portanto, de, agora sim, abrir o confronto. Já há, no horizonte, a viabilidade de diminuir as concessões à burguesia. E com respaldo na militância popular.
Para alcançar isso, é preciso separar o joio do trigo, dizendo à população que contingência não é convencimento. Que tática serve à estratégia, mas com ela não se confunde.
É hora de mostrar tudo o que nos distingue dessa ordem putrefata.
E de provar que embora, por contingência, tenhamos jogado esse jogo, não é assim que o desejamos.
As massas na rua exigiram a mudança das regras. Vamos, portanto, à luta para fazê-las entender que também queremos essa mudança. Que sempre a quisemos. Mas que, justamente em virtude da ausência das massas nas ruas, não tínhamos poder para implementá-la.
O primeiro e importantíssimo passo para isso já foi dado pela Presidente Dilma, quando compreendeu o recado e propôs uma reviravolta, ancorada na pressão popular.
Agora, é preciso mostrar claramente o elo de conexão entre essa proposta e os anseios expressos nas ruas. Mostrar, com força e didática, as mecânicas através das quais as medidas anunciadas vão atender a esses anseios.
É preciso dizer às massas que essa é a mudança que todos queremos, elas e nós. E que, para alcançá-las, agora estamos com elas.
Nas ruas. Nas praças. Na Constituinte específica. No Plebiscito.
Quero dar as boas-vindas ao PT na minha vida.
E declarar a ele, através de todos os que aqui estão presentes, que chego com humildade, mas com convicções bem definidas. Que venho para dar o melhor de mim. Que, mesmo aos 61 anos, com mais de quatro décadas de militância política ativa e ininterrupta, trago a energia dos jovens, o idealismo dos sonhadores e a pretensão generosa da mudança. Tudo acalentado pelo anseio de um futuro melhor para todos os brasileiros.

Para isso, hoje e sempre, contem comigo!"

3 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, e pela decisão. Eu estive envolvido no PT em 1983-84 (com 26-27 anos), depois me afastei; militei de fora, principalmente em períodos eleitorais - achando mais fácil fazer assim do que tendo que me bater com as mazelas internas do partido. Mas em 2012 cheguei à conclusão de que o PT precisava de adesões comprometidas mais que nunca. Ainda não concluímos nossa missão histórica, e não há nenhuma outra força à esquerda preparada para pegar o bastão. Deixar o PT naufragar agora seria entregar o país à reação. Me refiliei, aqui no ES onde resido e trabalho atualmente (na Subsecretaria de Direitos Humanos), apesar de ser paranaense, com muitos anos SP de entremeio.

    De modo que me atrevo a dar não só parabéns, como também boas vindas!
    Forte abraço, e muita força aí!

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  2. Agora no PT ?!?!
    ..."eu prefiro ser, uma metamorfose ambulante"...
    Estranho que essa metamorfose vaga por onde anda o Poder !!!

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  3. Respondo com atraso a ambos os comentários, porque tenho ficado um pouco ausente do blog. Primeiro, ao Ralf. Obrigado. A esta altura já temos trocado ideias no facebook, de modo que vamos em frente. Depois ao "anônimo". Pois é, meu amigo. Mas eu escrevo e assino, certo? Olha aí o meu nome em tudo o que eu digo e defendo. Não me escondo atrás de anonimato algum. Já quanto ao mérito, acho bem engraçado você chegar a essa conclusão ridícula quando leu, no próprio texto, que eu comecei no MDB (oposição), assumi o PCB (poder? quando? onde?), e fiquei nele (depois PPS) por 34 anos. Você já viveu 34 anos? E se você me disser que o PCB/PPS alguma vez esteve no poder, eu direi que além de anônimo você é louco. E depois, que poder, exatamente? Em Curitiba, ele é marginal, e é só agora. No Paraná, é oposição. Então você se refere ao governo federal? Quer dizer que se eu tivesse ido para o PSDB daria na mesma, não é? Afinal, ele é o poder estadual. E no que, exatamente, o PT ser governo federal me beneficia? Quero dizer pessoalmente, não como brasileiro, porque nesse sentido acho que beneficia a todos. Não ocupo cargo algum, vivo de minha consultoria, trabalho com o capital intelectual que consegui amealhar trabalhando, estudando e procurando entender o Brasil e suas mazelas. Então, meu velho, alto lá. antes de fazer juízo e sair falando bobagens, seja homem e mostre sua cara. Depois conversamos.

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