sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Voltei

Meus caros amigos,

Este blog ficou abandonado por mais de 60 dias.
Minha última postagem ocorreu, como podem ver, no dia 14 de junho.
Não, não esqueci dele. Jamais. E nem de vocês, claro.
Também não mudei minha opinião sobre a importância deste canal para divulgar minhas reflexões, e eventualmente debater com os poucos mortais que me honram com o acesso, e a leitura delas.
Havia, simplesmente, uma apatia, uma ausência de ânimo, de vontade.
A pergunta era: por qual razão isso aconteceu, de repente?
Nos últimos dias, ela ficou martelando meu cérebro. Sem resposta.
Hoje, pela manhã, subitamente entendi.
E então, imediatamente, o bloqueio sumiu; a vontade (ou a necessidade?) voltou.
A explicação é um momento pessoal de dor.
No final de maio meu irmão caçula, Isac, de 51 anos, especial em todos os sentidos (tinha síndrome de Down severa, aliada a seriíssima deficiência visual e a outras lesões neurológicas; mas, por outro lado, dentro de suas enormes limitações, era a pessoa mais querida da família) adoeceu.
Internado na UTI, com pneumonia, a 24 daquele mês, lutou bravamente por 60 dias. Em 23 de julho, infelizmente, não conseguiu resistir mais, e nos deixou.
Foi um período de indescritível angústia. Sei agora o poder dessa emoção.
Fui simplesmente paralisado por ela.
A enormidade da perda que se seguiu com certeza não contribuiu para aliviar o fardo.
A morte do Isac completou um mês exato ontem.
Talvez tenha sido mera coincidência. Talvez não. É possível que meu inconsciente tenha levado esse tempo redondo para elaborar a perda, trabalhar a dor, racionalizar os sentimentos e, pregando em mim outra peça bem arquitetada (já foram tantas nessa vida...), tenha marcado o dia para esclarecer as coisas.
Desde hoje, estou pronto novamente. Posso ver com mais clareza através da bruma. Sei que, até mesmo em honra ao meu amado irmão que se foi, devo seguir em frente.
Em tudo.
Eis-me, portanto, de volta à luta.
Sejam bem-vindos a essa nova etapa. Mais do que nunca, convido-os a, comigo, pensar em voz baixa.
E peço-lhes licença para reiniciar homenageando aquele que, fazendo parte da minha vida por mais de meio século, certamente moldou em grande parte a pessoa que sou.

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Isac, meu irmão:

Estou aqui um tanto embasbacado pela necessidade urgente de expressar uma migalha do que me vai no coração, que ainda não se acostumou à tua ausência.
Sei que não conseguirei sequer essa migalha, porque a quantidade, a variedade e a intensidade das emoções que vivi com você e que agora sou obrigado a experimentar nessa ausência são simplesmente avassaladoras.
É um verdadeiro sonho que alguém que, pelos conceitos comuns, não entendia quase nada, pudesse aprisionar a essência da minha alma, e tão incondicionalmente retribuir meu amor. Sem compreender, você me compreendeu como ninguém.
É de um paradoxo espantoso que você, que sequer sabia falar, tenha ensinado tanto a tantas pessoas.
Foi você, e ninguém mais, quem me fez ver o verdadeiro conceito de onipotência. Foi graças a você que percebi a real dimensão do “outro”, e a presunção arrogante que todos temos de julgar e decidir no lugar dele.
Foi quando você me empurrou, cabeça abaixo, a noção de que a decisão sobre a tua felicidade cabia a você, e a mais ninguém, que o mundo se abriu para mim.
Nossas vidas giraram em torno de você. E você conseguiu que isso se tornasse a coisa mais prazerosa do mundo simplesmente com aquele sorriso radioso, com aqueles trejeitos especiais, com aquela corrente elétrica intensa e ininterrupta de carinho e afeto.
Puros. Genuínos. Imaculados como jamais, em tempo algum, outros possam ser.
Neste mundo de falsidade, hipocrisia e mentira, muitas vezes necessárias à defesa permanente de todos contra todos, poucos, muito poucos, podem imaginar o valor de um sentimento assim.
Pois eu sou um desses felizardos.
Também por isso minha eterna, infinita gratidão.
Ter tido você na minha vida foi um privilégio. Agora, falta um pedaço dela.
Sem alternativa possível, preencho-o com lembranças.
Cada momento, desde nossa infância, volta e meia me assalta.
O teu olhar.
A tua felicidade transbordante, incondicional.
Também o teu desagrado, tão bem manifestado quando te contrariávamos.
A tua sabedoria, moldada na dificuldade.
O teu amor.
Mais que tudo, o teu amor.
Vá em paz.
Saiba que deixa com todos nós um legado insubstituível.
E, que, por tudo isso (que é só uma migalha) e muito, muito mais, tenho um imenso orgulho de você.