I – Carnaval da
pequena-burguesia
Está no Rio de
Janeiro o carnaval mais emblemático do Brasil. Lá ele nasce no morro, festa da
periferia, alegria do povo. Só depois que desce para o asfalto é que agrega
setores, digamos, mais aquinhoados.
Em outros
lugares onde a folia faz sucesso o fenômeno se repete.
Aqui, na nossa
Curitiba, nunca deu certo. Muita conversa de boteco já foi jogada fora, muito
tutano já foi gasto, e até hoje ninguém conseguiu dar uma boa explicação.
E a verdade,
verdade mesmo, é que fora da pequena-burguesia, ninguém nunca pareceu se
importar muito com isso.
Deixem-me
fazer um parêntesis meio introdutório, porque senão vou acabar sendo linchado
sem merecer. O significado do termo pequena-burguesia, para efeitos dessa
pequena e humilde análise, é cultural. Trata-se de um conjunto de atitudes e
posições. Com ela não estou em absoluto querendo carimbar ninguém. Não estou fazendo
referência a esta ou aquela pessoa em particular, muito embora sejam pessoas,
evidentemente, que tomam as atitudes e posições pequeno-burguesas. Tomá-las não
as faz pequeno-burguesas, mas somente a algumas de suas atitudes. Ok? Vamos lá.
Dizia eu que o
fato de o carnaval não ser muito bem sucedido em nossa capital nunca foi bem
engolido pela pequena-burguesia. Digo “muito” bem-sucedido porque “um pouco”
bem sucedido ele sempre foi. Um desfile de rua de escolas de samba, embora
pobre, sem grande público ou prestígio, teima em fazer parte do calendário
oficial da cidade.
Tanto lutou
essa pequena-burguesia que conseguiu, finalmente, emplacar um “pré-carnaval”.
E nasceu este
sucesso que é o bloco Garibaldis e Sacis.
Com o passar
dos anos essa diversão da classe média foliona de Curitiba passou a atrair
pessoas, digamos, menos aquinhoadas.
Notem a
inversão. A única forma de carnaval que faz sucesso na “capital ecológica”
nasceu na classe média e estendeu-se daí para a periferia.
Curioso, não?
Nem por isso,
diga-se, menos meritório.
Ocorre porém,
minha gente, que a pequena-burguesia fede. E muito.
Adiante
falarei um pouco mais sobre isso.
II – A PM é a nossa
Geni
É. Não
adianta. Quem fez a fama deita na cama. É assim que se diz? Bom, vocês
entenderam...
Tanto aprontou
a Polícia Militar, Brasil afora, e por tanto tempo, que não tem mais jeito.
Qualquer confusão que haja... é pau nela. Joga pedra na PM! Joga bosta na PM !
Ela é feita pra apanhar. Ela é boa de cuspir. A PM é a verdadeira Geni do Chico
Buarque.
Não que não
mereça. Também falarei um pouco mais sobre isso mais adiante.
Por enquanto,
deixem-me dizer a vocês uma coisa, com conhecimento de causa: na minha modesta
opinião, a Polícia Militar do Paraná não poderia ter um comando melhor, sob
qualquer ponto de vista, do que aquele que tem hoje. A dupla Bondarhuk-Cézar
(comandante e sub) está, com léguas de lambuja, entre os melhores oficiais PMs
que eu conheci nestes poucos anos de convivência na área.
Infelizmente
(e eu próprio sou testemunha viva disso) não é do dia para a noite que, só por
comandar uma corporação, você revira de ponta-cabeça a cultura inteira dela, nesse
caso consolidada durante um século e meio.
Alguns poderão
dizer que a declaração do comandante, saindo imediatamente em defesa da tropa,
foi precipitada. Afinal, nem tinha investigado ainda. Típico. Corporativista.
Nada mudou.
Recomendo
cautela.
No meio militar
existem razões que a razão civil desconhece. É preciso considerar recuos
táticos, avanços estratégicos, e principalmente, condições de sustentação de
posições.
Conheço
bastante bem, e pessoalmente, os dois seres humanos dos quais estou falando.
Tenho plena convicção de que o comando da PM não apóia nenhuma arbitrariedade.
O que não quer
dizer que elas não tenham sido cometidas.
Até porque
esse cacoete é dificílimo de vencer, não apenas na nossa PM, mas também em todas as
outras.
Quem não se
lembra da desocupação do Pinheirinho, no interior de São Paulo, apenas alguns
dias atrás, em uma reintegração de posse? Quem não viu a imagem, que correu o
mundo pelo YouTube, de uma pessoa com os dois braços erguidos em sinal de
rendição, ser brutal e repetidamente agredida a golpes de cassetete, por um
policial militar?
Pois é.
Anos e anos de
serviço a regimes autoritários não passam em branco.
Então, a lição
é clara: não provoquemos a PM! Ela simplesmente
não consegue escalonar a força racionalmente, como manda a doutrina.
Seu preparo ainda não chegou à fase de reagir com a devida moderação, sem levar
as provocações que recebe para o lado emocional e pessoal.
E saibamos: mesmo
quando esse dia chegar, mesmo quando agir corretamente em um episódio de
controle de multidão – e tenhamos fé, isso ainda haverá de ocorrer! – a PM vai continuar
levando pau, ainda por muito tempo.
Não tem jeito.
Fez a fama, deitou na cama.
III – Todo mundo
errou
É, o
Secretário de Segurança saiu correndo em defesa da PM, e o comandante dela também.
Nenhum dos dois tinha conhecimento suficiente do que ocorreu, pra fazer isso
tão rápido.
Verdade.
Mas vocês
repararam que ainda antes de eles fazerem isso o mundo inteiro já tinha descido
o porrete nela? O porrete é geral e automático, vem instantâneo e de todo lado.
Será que esse
mesmo mundo inteiro tinha mais conhecimento do que eles sobre o que tinha
acontecido, e mais cedo ainda? Nada, é a mais pura “síndrome da Geni”!
Os jornais,
então, são uma piada. Não dá para acreditar. Se você ler com atenção o mesmo deles,
qualquer um, dia após dia, vai ter que rir. Tem um que se indignou desde o
primeiro momento, falou tudo o que pode da PM, mostrou fotos de um policial
agredindo covardemente um cidadão caído, e esbravejou que tudo aquilo era
gratuito. Na sexta, dia 10, esse mesmo jornal exibiu na internet, sem nem ficar
vermelho, um vídeo de arruaceiros montando uma barricada com barraquinhas da
feira do Largo e atirando garrafas nos policiais.
À medida que
os fatos vão aparecendo, revela-se que efetivamente, a PM foi provocada. Não
agiu gratuitamente.
E reagiu.
Bom, já vimos
acima o que acontece quando a PM reage. É confusão na certa.
O resultado é
história. Todos conhecem.
Errou parte da
multidão, ao provocar a PM. E, claro, errou a PM ao reagir emocionalmente, com
evidente desproporcionalidade, totalmente descontrolada.
IV – Sem essa
Sem essa,
portanto, de demonizar quem quer que seja.
“Ah, a culpa
foi tua!”
“Não, foi tua”.
Foi de todos.
De todos.
Sem essa,
portanto, de virem os Garibaldis com mensagenzinhas de paz e amor, camisas
brancas, posando de anjinhos diante de brucutus, como se não tivessem nada com
isso.
Não são. E
têm.
Até porque a multidão, incluindo os arruaceiros, bêbados ou não, drogados ou não, que
guerrearam a PM, estava ali exclusivamente por causa do bloco. Ele, portanto,
tem sua responsabilidade.
Os clubes de
futebol não pagam pela bandalheira de suas torcidas? Os bares não são apenados
pela algazarra de seus freqüentadores no entorno? Então porque é que os
Garibaldis seriam diferentes?
Seria muito
mais decente se assumissem a responsabilidade que lhes cabe, ao invés desse
comportamento afetado, beautiful people,
“paz e amor” de fancaria, de olhar para o outro lado, botar a culpa de tudo nos
outros e fingir que só lhes cabe festejar.
É por isso que
eu não canso de dizer que a pequena- burguesia fede.
Tálôco!
Os Garibaldis
e Sacis também têm culpa no cartório, sim senhor. E, mais, têm
responsabilidades também em um montão de outras coisas que acontecem o tempo
todo na festa deles, que afetam um monte de gente que não tem nada a ver com a
festa deles, e que eles também fingem que não estão nem aí.
Só porque não
dá manchete de jornal, pessoal, não quer dizer que não acontece, viu?
V – Como fede a
pequena-burguesia!
No correr da
semana uma foliona do Garibaldis e Sacis publicou um pequeno artigo de opinião
na Gazeta do Povo. Qualificou-se como advogada, e informou que freqüenta o
bloco desde seu início. Pelo tom do artigo deduzo que seja uma socialite, ou
algo parecido. Seu texto rescende intensamente à pequena-burguesia à qual me
refiro.
Em outras
palavras, diz que, no início, o bloco só congregava gente-bem. Hoje,
“democratizou-se”. Usa a palavra como eufemismo para informar que agora ele
convive com “os manos” (a palavra é dela). Acha “lindo” que isso aconteceu.
Claro, não convidaria essas pessoas para uma festa (Deus-nos-livre) em sua
casa, mas afinal, como diz a marchinha, a praça é do povo, então, vamos lá. Mas
assegura, enfaticamente, que não devemos temer “os manos”.
Conclusão? Pau
na PM. Merda na Geni.
Ouso supor que
quando o carnaval mesmo chegar, e o povo-povo sair à Av. Cândido de Abreu para
sua folia furreba, madame estará no litoral, onde, como boa foliona,
acompanhará a Caiobanda, e/ou a Banda de Guaratuba, porque afinal ninguém é de
ferro, e conviver com “os manos” um pouco já está muito bom. Talvez, quem sabe,
na própria Sapucaí, por que não?
De verdade,
gente, verdade mesmo, não tinha “manos”, no Largo, no domingo da guerra com a
PM.
Eu estava lá.
Tinha
arruaceiros. Alcoolizados, chapados de droga, descontrolados.
Uma enorme
quantidade deles.
E foram eles a
parcela – não pequena! – da multidão que provocou a polícia.
Os assim
chamados “manos” são jovens de periferia, estigmatizados pela pequena-burguesia
“foliona” e quetais, marginalizados de nossa sociedade e por isso adeptos de
uma cultura e uma visão de mundo diferente e contestadora da nossa.
Na sua
esmagadora maioria são apenas isso. Jovens, em grande parte revoltados pela
situação em que nós, os privilegiados, os atiramos sem perspectiva de saída,
mas cujas intenções não passam da simples contestação.
Ocorre que os
delírios pequeno-burgueses tendem a estigmatizar e generalizar, colando na
testa de todos eles, tão somente em razão de sua aparência diferente, um rótulo
negativo e apavorante, como se todos não passassem de bandidos sanguinários,
traficantes de drogas.
Eles possuem
u´a maneira peculiar de se vestir e de se caracterizar que pode ser facilmente
identificada. Como disse, eu estava lá. E não vi nenhum.
Viram como fede,
a pequena-burguesia?
Pois é.
O que tinha
era outro tipo de gente. Pobres e não pobres, vejam bem (olhaí o fedor, de
novo). E repito. Estavam totalmente fora de controle, por causa do álcool e das
drogas, que corriam livremente.
Não atiravam
garrafas apenas contra as viaturas da PM. Faziam-no a esmo, a torto e a
direito, inclusive sobre os automóveis estacionados ou que passavam pelas ruas
adjacentes. O meu mesmo, foi vítima disso.
O que
aconteceu foi uma simples tragédia anunciada.
Essas pessoas,
já porque beberam demais e suas bexigas estão estourando e seus super-egos
estão nocauteados, já porque são mal-educadas mesmo, além de tudo saem mijando
por todos os recantos do Largo da Ordem e adjacências. São centenas delas a
fazer do espaço público uma gigantesca latrina.
Já entrou em
banheiro masculino de estádio de futebol em dia de Atletiba, perto da hora do
final do jogo? Então multiplique mais ou menos por mil.
Quando a
polícia diz que recebeu queixas de moradores, fala a verdade. Minha filha
mesmo, falando em meu nome, foi uma que reclamou de som insuportavelmente alto
e mijação na frente da casa onde há 60 anos mora minha mãe, de 85, ali dentro
do “teatro de operações”.
Não é só a
pequena-burguesia que fede. A urina que fica como resultado do pouco-se-me-dá
dela também fede, e muito. Mas em outra dimensão. Esta física, sensorial. Mas
igualmente insuportável.
VI – Os Sacis não têm
nada com isso?
Têm. Como eu
já disse, têm sim senhor. Eles fingem que não, mas é um erro.
Nossa
socialite foliona já mencionada acima encerra seu artigo (e sua participação no
meu) com uma citação puxada a ioruba (oba, olha eu aí entrando no clima, quem
sabe eu vire um folião em breve – pra quem não sabe, ioruba é um idioma de
origem africana que permeia toda aquela gíria baiana ligada ao carnaval de rua
de Salvador), como convém a pessoas “in” na cultura baiana, outra que fornece
um carnaval “pórreta” para a pequena-burguesia tupiniquim.
Como nem todos
nós somos iniciados, elas nos faz o favor de informar que a citação equivale a
dizer que “quem não tem competência não se estabelece”, em uma referência à
incompetência da PM para lidar com a situação.
Engraçado.
Em uma
manifestação anterior, no Facebook, no dia seguinte dos acontecimentos, ainda
indignado com a arruaça e o comportamento alienado dos organizadores da festa,
eu havia usado exatamente essa mesma expressão, mas dirigida a eles.
Penso que se
vão juntar milhares de pessoas em uma praça pública, os Garibaldis e Sacis
devem fornecer a elas, pelo menos, estrutura para que desfrutem da festa sem
problemas.
No mínimo,
devem oferecer uma quantidade suficiente de banheiros químicos para que as
pessoas possam “se aliviar” civilizadamente.
Dizem eles que
lhes faltam recursos.
Então, com
todo o respeito, não façam a festa até amealhá-los.
Quem não tem
competência não se estabelece.
Porque os
outros, que não têm nada com isso, não têm nada com isso.
Até as pedras
mais antigas do Largo da Ordem sabem que em qualquer sociedade civilizada o
direito de um termina onde começa o do outro.
E que a cada direito corresponde um dever. O direito dos foliões é
foliarem. Ok. E qual é o seu dever?
Existem
pessoas que moram, que vivem, e que trabalham ali onde os Garibaldis e sua
multidão vão uma vez por semana festejar.
Depois, eles
todos vão embora para suas casas, felizes, curtidos na folia, purgados de seus
pecados.
Deixam para
trás o caos, a sujeira, a fedentina, a imundície.
Os moradores,
esses ficam.
E são
obrigados a conviver com o rastro imundo e insuportável deixado pela festa
promovida pelos Garibaldis, que, como não canso de repetir, não estão nem aí.
Fingem que não é com eles.
A própria
Igreja da Ordem fechou suas portas a semana inteira, minha gente! Sabem lá
vocês o que é isso?
Muitos desses
moradores não são foliões. Aliás, a grande maioria não é.
Não participam
da festa, sequer gostariam que ela estivesse lá.
Sentem-se,
inclusive, incomodados por ela, enquanto ela dura.
É um direito
deles, assim como é direito dos foliões, foliarem.
Onde fica o
direito deles?
Onde fica o
dever dos organizadores da festa?
O dever dos
moradores é suportarem a festa.
E o dos
festeiros?
O direito dos
festeiros deveria terminar onde começa o dos moradores.
Por que
ninguém fala nisso?
Cadê a
imprensa?
VII – Chega de
hipocrisia
Chega de
hipocrisia! Abaixo a pequena-burguesia!
Em 2013, para
haver pré-carnaval no Largo da Ordem, que se exija da PM um planejamento
rigoroso, um policiamento preventivo eficaz, e também um controle efetivo da
higiene e da educação. Lembro a todos que no Rio de Janeiro, no carnaval, urinar
em espaço público dá cadeia! E é a PM que vigia para que isso não aconteça, e
prende quem não cumprir.
Por que não
pode ser assim aqui também?
Em 2013, para
haver pré-carnaval no Largo da Ordem, que se exija dos dirigentes do Bloco Garibaldis e Sacis
que definam e assumam, por escrito,
as suas responsabilidades. Eles não são apenas foliões descompromissados,
simples festeiros, como querem parecer. São empreendedores. Organizam um evento
com grande potencial explosivo, porque, mesmo sendo uma celebração de alegria e
brincadeira, reúne milhares de pessoas durante horas, e no qual a bebida e a
droga circulam livremente.
Devem garantir
toda a estrutura da festa e se responsabilizar por ela, como, aliás, qualquer
empreendedor de eventos o faz. Inclusive no que diz respeito a direitos e
interesses de terceiros não participantes mas afetados por ela.
Caso contrário,
tanto no que diz respeito à PM, que é responsável pela segurança, mesmo de
eventos particulares, quando realizados em espaços públicos com permissão oficial,
quanto no que diz respeito aos organizadores, minha opinião é a de que a
Prefeitura de Curitiba deveria vetá-lo.