quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Uma decisão. Um destino.

No último mês de outubro, coroando um processo de longa e profunda reflexão, eu me filiei ao PT. Cheguei à conclusão de que este era o caminho para dar sequência à militância política que tem pautado toda minha vida. Sei que foi uma decisão polêmica. Desagradou bastante a muitos que me querem bem - e são correspondidos. Outros tantos não a compreenderam.
Na ocasião em que assinei a ficha de filiação, pronunciei um pequeno discurso, que reproduzo abaixo. Acho que, de algum modo, ele explica minha opção. E, também, reflete o fato de que ela foi pensada, pesada e amadurecida. Pode ter sido equivocada, espero que não. Só a história vai dizer. Mas foi consciente. Já passei da idade da porra-louquice.
Aí vai:

"Uma decisão. Um destino.

                Tenho aqui, hoje, a oportunidade de dar consequência a uma difícil decisão.
                Sou um homem de esquerda.  Fui, e serei sempre, um homem de esquerda. Muitos aqui o sabem.
                Ingrata, árida, mas gratificante opção. Imposta pelo dever de uma consciência que não consegue ignorar as clamorosas injustiças que o mundo nos escancara todos os dias.
                No que tange a filiação partidária, essa minha opção se traduziu em um único caminho. Desde os tempos da ditadura, quando a oposição só era possível no antigo MDB, minha militância dentro dele se canalizava, clandestinamente, para o Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, o bom e velho PCB, pai de todas as esquerdas brasileiras.
                Tão logo legalizado, no início da transição democrática, a ele filiei-me oficialmente.
                Nessa época eu divergia do PT.
Por sobre estar recém saído de um regime proto-fascista que deixara marcas e heranças ponderáveis, o Brasil também ostentava (como ainda ostenta) uma elite das mais selvagens e intransigentes do mundo. Ela tinha sua escala de valores solidamente consolidada no imaginário social e cultural das pessoas, e de tudo isso não abriria mão sem forte luta.
Nesse quadro, a correlação de forças não nos permitia ter segurança de vitória em um confronto aberto e direto. Aliás, o mais provável era o insucesso, com outro atraso enorme para o processo democrático brasileiro.
A meu ver, portanto, o PT se equivocava ao partir, já então, para tal tipo de confronto. Nossa pequena flor democrática era extremamente frágil, mal nascia. Pouco se fincava sua raiz, ainda, no solo social, de modo que as tormentas provocadas pelas oligarquias, inconformadas com o recente fim de seus maiores privilégios, constituía uma ameaça real.
Era possível avançar, sim, e o Brasil o fez; mas não à velocidade ideal.
                Que fique claro, porém: divergências sérias, sim, mas democráticas. Jamais julguei haver má-fé, de parte a parte. E nunca duvidei de que, ideologicamente, estivéssemos do mesmo lado. Na esquerda.
Com o fracasso das experiências do assim dito “socialismo real”, acompanhei o aggiornamento auto-crítico que, em 1992, reconheceu a necessidade de melhor sintonizar a ideologia e as práticas do PCB com a democracia e as aspirações populares, e o rebatizou como Popular Socialista, o PPS.
                Não me permito, entretanto, sob pena de adentrar em um conflito íntimo de proporções desastrosas, fugir da minha opção ideológica. Ela é atávica, inexorável.
                Fiel a isso, fui ao longo do tempo me distanciando da linha política do Partido, inexplicavelmente cada vez mais perfilada com um conservadorismo totalmente divorciado de nossas origens.
                Por fim, e contra minha luta vã, éramos uma caricatura de nossas ideias originais.
                Então, em 2012, rendi-me à evidência e, com luto no coração, desfiliei-me do PPS.
                Não posso entender, contudo, militância política consciente longe de uma estrutura cuja finalidade seja, em última análise, implantar na sociedade a respectiva visão de mundo.
                Era necessária uma nova filiação partidária. E, se a posição à esquerda havia imposto deixar a antiga, deveria ela, por certo, balizar a nova.
                Entre as alternativas, impôs-se naturalmente o PT. A história se encarregou de colocar nossas trajetórias em linhas convergentes. Amadureceu ele. Amadureci eu.
                Aqui, com certeza, malgrado as contradições, se faz e se pode fazer autêntica militância de esquerda.
                Ao contrário de outras paragens, aqui é possível fazê-lo de forma qualificada, como agora exige minha experiência. calejada por tantos embates. Sem fantasias. Sem irresponsabilidade ou inconseqüência. Mas também sem transigência.
                Aqui se encontra o alicerce inquestionável que permitiu ao país ter o seu primeiro governo orientado pelo ponto de vista do oprimido. E assim, em um curto período, avançar mais na diminuição das injustiças do que em toda a sua história anterior.
                Aqui se compreendeu quão perigosa ilusão é pensar que nossas oligarquias estão de joelhos, ou indefesas. Aliás, todas as regras do jogo que ainda é jogado foram concebidas e definidas de acordo com os melhores interesses delas.
                Não houve, até o presente momento, condições objetivas de alterar essas regras. O que só comprova o quanto ainda é frágil nossa acumulação de forças.
                A inflexão que implicava em reconhecer a necessidade de jogar esse jogo e, assim, alcançar conquistas antes inimagináveis – ainda que longe das ideais – mesmo que à custa de alianças e concessões também antes inimagináveis para os setores mais radicais do partido e, mesmo da esquerda em geral, foi o grande momento de amadurecimento do PT.
                É aqui, portanto, que penso poder continuar cumprindo meu destino.
                Até porque fazer isso neste exato momento implica compreender que os tempos impõem uma nova dinâmica, decorrente daquilo que hoje inquieta e domina todo militante político sério deste País: a intensa mobilização social de junho passado.
                No meu ver, jogar aquele jogo produziu, como esperado, inegáveis avanços. Mas também implicou em contradições. Afinal, as suas regras são antidemocráticas e, como tal, inteiramente opostas aos interesses, à prática e aos objetivos das forças progressistas.
                Por isso, não é nenhuma coincidência de que seja aqui, no PT, que se encontra o vértice da grande luta política que toma conta do País neste momento histórico.
                A correlação de forças já não é a mesma dos idos de 1983. Não há dúvida de que os setores progressistas avançaram, e muito. Conquistaram cidadelas e baluartes valiosíssimos no contexto sócio-político-cultural da nação. A democracia brasileira é hoje sólida, ampla, profunda e duradoura, como nunca se viu. A florzinha se vê árvore frondosa.
                Mas é preciso reconhecer que a vitória, esta ainda está distante.
Consolidar posições, redobrar o cuidado e a atenção, estar ainda mais alerta. Manter a acuidade da análise da realidade, com auto-crítica honesta, sem qualquer concessão à auto-indulgência. Eis alguns dos deveres da esquerda popular, a fim de continuar com o processo de acumulação necessário ao desequilíbrio da balança a nosso favor.
                Assistimos, todos os dias, a demonstrações de força da reação. Nossas elites, como já disse, não cairão sem luta. E, verdade se diga, nada indica que sua derrota seja iminente.
                Nesse contexto, há que se perceber que o governo, e com ele o PT, são também alvos da recente e ampla demonstração de insatisfação popular.
No meu modesto ver, e por paradoxal que pareça, isso se deve muito mais aos seus acertos do que a seus erros.
Explico: impossibilitado de alterar as regras, em um momento dado, o Partido utilizou-se delas para chegar ao Poder e, nele, implementar uma agenda progressista, embora, graças a elas mesmas, insuficiente.
Ocorre que tais regras favorecem – até geram - as dinâmicas cujos efeitos nefastos agora fizeram transbordar o copo da paciência popular.
Caudatário delas, o Governo, e com ele a esquerda, corre o risco de ser com elas misturado. Uma análise rasa (e, admita-se, por vezes correta em alguns casos pontuais) nos transforma, como mágica, em sócios e beneficiários de uma ordem corrupta e degradada.
Não podemos – e não devemos – deixar que tal entendimento se consolide.
É necessário compreender que, mesmo perigosa, a oportunidade política que se apresenta é preciosa. Como sempre, vem das ruas, das massas, do povo, a orientação para o melhor caminho.
E o que diz essa mensagem é que aquele momento dado, em que a correlação de forças não nos permitia alterar as regras, passou. Tudo agora é diferente
A maturidade, que antes recomendava cautela, agora exige ousadia.
É chegado o tempo, portanto, de, agora sim, abrir o confronto. Já há, no horizonte, a viabilidade de diminuir as concessões à burguesia. E com respaldo na militância popular.
Para alcançar isso, é preciso separar o joio do trigo, dizendo à população que contingência não é convencimento. Que tática serve à estratégia, mas com ela não se confunde.
É hora de mostrar tudo o que nos distingue dessa ordem putrefata.
E de provar que embora, por contingência, tenhamos jogado esse jogo, não é assim que o desejamos.
As massas na rua exigiram a mudança das regras. Vamos, portanto, à luta para fazê-las entender que também queremos essa mudança. Que sempre a quisemos. Mas que, justamente em virtude da ausência das massas nas ruas, não tínhamos poder para implementá-la.
O primeiro e importantíssimo passo para isso já foi dado pela Presidente Dilma, quando compreendeu o recado e propôs uma reviravolta, ancorada na pressão popular.
Agora, é preciso mostrar claramente o elo de conexão entre essa proposta e os anseios expressos nas ruas. Mostrar, com força e didática, as mecânicas através das quais as medidas anunciadas vão atender a esses anseios.
É preciso dizer às massas que essa é a mudança que todos queremos, elas e nós. E que, para alcançá-las, agora estamos com elas.
Nas ruas. Nas praças. Na Constituinte específica. No Plebiscito.
Quero dar as boas-vindas ao PT na minha vida.
E declarar a ele, através de todos os que aqui estão presentes, que chego com humildade, mas com convicções bem definidas. Que venho para dar o melhor de mim. Que, mesmo aos 61 anos, com mais de quatro décadas de militância política ativa e ininterrupta, trago a energia dos jovens, o idealismo dos sonhadores e a pretensão generosa da mudança. Tudo acalentado pelo anseio de um futuro melhor para todos os brasileiros.

Para isso, hoje e sempre, contem comigo!"

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Amarildo e o Futuro

                E então tudo indica que o Amarildo foi torturado e morto por policiais da UPP.
                A rigor, não é o primeiro episódio do tipo. E provavelmente não será o último.
                Mas a UPP não tem exatamente a finalidade de pacificar o território? E isso não quer dizer que a principal atribuição dela é fazer policiamento comunitário? E policiamento comunitário não é exatamente criar laços de confiança, cordialidade e interação com a comunidade?
                E o Amarildo não era exatamente um membro dessa mesma comunidade?
                Então, como podem policiais comunitários torturar e assassinar justamente aquele com quem deveriam estar estabelecendo vínculos positivos?
                De todas as perguntas que não querem calar, esta é exatamente a que mais me intriga.
                Isto porque a resposta, a meu ver, não é nada animadora.
                Já é óbvio para qualquer observador minimamente honesto que a tortura à qual submeteram o pobre Amarildo visava a obter dele informações que conduzissem os policiais a algum bandido.
                A boa e velha tortura. A bestialidade como único método de investigação. Viram “Tropa de Elite”? Pois é. Está tudo lá.
                Mas se acreditava que deste mal, típico da nossa polícia tradicional, não sofreriam os novos policiais, contratados e treinados sob o signo dos novos tempos, da polícia comunitária, pacificadora.
                Só que não.
A nossa velha e carcomida cultura policial está entranhada demais no inconsciente de quase todos aqueles seres humanos que adotam essa profissão. Novatos ou veteranos, creem nesse modelo. E, pior que tudo, valem-se dele para descarregar em todo e qualquer infeliz que tenha o azar de cair em suas garras, uma variada gama de distorções de personalidade e frustrações emocionais que carregam.
Desde que, claro, o infeliz seja pobre, e de preferência preto ou pardo. Sempre uma vítima frágil, cujo poder de reação jamais os ameaçará.
Trata-se de um câncer que corrói as entranhas das polícias tradicionais. Como seus irmãos biológicos, sua possibilidade de cura diminui à medida em que ele se desenvolve sem tratamento que o combata. Quanto mais antigo, mais difícil de erradicar.
 Que este espécime canceroso já é velho, e que sua cura já se afigura praticamente impossível, já se sabia.
A notícia ruim é que agora começaram as metástases.
Já se manifesta naquele projeto que deveria mostrar uma polícia diferente.
Se estou pessimista? Claro!
A UPP surgiu como uma pálida alternativa de reversão daquelas práticas, cuja única utilidade é realimentar interminavelmente um ciclo de violência que, por si só, já não parece ter mais fim.
No entanto este, como outros episódios, abalam de maneira significativa a crença de que elas possam efetivamente atingir tais objetivos.  O veneno inoculado na corporação, ao longo de décadas, não possui antídoto à vista. E o próprio espírito corporativo se encarrega de disseminá-lo, qual vírus contagioso, por entre seus membros.
Se vejo saída? Sim. Ela existe.
A cada dia, surgem mais vozes dentro da sociedade brasileira, a mostrar o caminho para ela.
Tenho feito disso uma espécie de mantra, tanto aqui neste blog quanto em todas as minhas intervenções, públicas ou privadas.
A verdadeira saída está em priorizar a prevenção. Retirar dos jovens fragilizados a tentação da carreira criminosa. Oferecer a eles outro caminho, do qual hoje são total e cruelmente privados.
Quanto ao trabalho policial, a direção da saída é exatamente aquela apontada pelas UPPs. Policiamento comunitário, proativo, preventivo. Em uma palavra, polícia cidadã.
A dúvida é apenas se as polícias existentes, com um câncer tão consolidado, cultora de  valores tão distorcidos quanto solidificados pela prática e pelo tempo, possuem condições para uma mudança tão profunda.
A morte do Amarildo sinaliza negativamente.
Esperemos.
A história dirá. Quem viver, verá.

A conferir.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Super-Homens?

Dia desses, na Rádio Band News, o âncora nacional Ricardo Boechat informou que uma viatura tática da Polícia Militar do Rio de Janeiro, sem ligar giroflex ou sirene, furou um sinal e atropelou uma motocicleta na qual trafegava um casal. O rapaz morreu na hora e a mulher sobreviveu. Segundo a notícia, o cadáver foi entregue pela PM no IML sem roupas e sem a carteira de habilitação. Disseram que ele vinha “na contramão”. A viúva conta a outra versão. Ainda segundo a rádio, o incidente foi em maio e até o dia em que o noticiavam, não havia qualquer procedimento instalado pela PM carioca para averiguar o ocorrido.
Hoje, 05/07/2013, vejo na internet (clique aqui) que em janeiro ocorreu mais uma chacina em São Paulo. Nela, junto com outras cinco pessoas, foi assassinado sem motivo aparente um cidadão que, em novembro passado, filmara a Polícia Militar praticando um crime. Claro que, se for coincidência, é uma das mais inacreditáveis. Até porque, como você pode ler na notícia, testemunhas afirmam que os assassinos desceram dos seus veículos gritando “polícia!”
Outra cena que tem parentesco com aquelas acima narradas. Muito menos grave, por certo, mas ainda assim reveladora e sintomática da mesma síndrome. Moro perto do Jardim Botânico de Curitiba, e lá habitualmente faço caminhadas. No trajeto, passo em frente à Delegacia de Furtos e Roubos, localizada na Avenida Afonso Camargo. Neste local, usualmente, inúmeros veículos, provavelmente pertencentes aos policiais ali lotados, permanecem estacionados em local proibido. Jamais vi algum ostentando uma notificação de multa. Bem. Hoje pela manhã esse abuso atingiu sua proporção mais absurda. Sobre a calçada  havia carros estacionados, não apenas colados um ao lado do outro de forma a não permitir a passagem de uma pessoa entre eles, como ainda ocupando transversalmente toda a extensão da calçada. O pedestre, desta forma expulso do território a ele destinado, se quisesse prosseguir seu caminho era obrigado a circular pelo leito da rua. Nem falo do perigo (trata-se de avenida bastante movimentada), mas do desrespeito. Do descaso. Da indiferença para com os mais elementares princípios de cidadania e convivência em sociedade.
Com a certeza de impunidade e a segurança de estar acima da lei. De não ser sujeito aos mesmos deveres que os simples mortais.
Episódios assim ocorrem diariamente. E há muitos anos. Eu mesmo os tenho referido, neste blog, vez por outra, no contexto de alguma análise.  Pode ser coisa simples e corriqueira, como uma viatura desrespeitando as leis de trânsito mesmo que não esteja em situação de atendimento de emergência, ou algo mais sério, como os abusos de todo tipo que são costumeiramente cometidos contra a população (usualmente a mais pobre) durante as abordagens ou outros procedimentos. Pode tornar-se ainda mais grave, como nos casos de tortura dentro dos calabouços, ou mesmo de causar perplexidade, como a espantosa frequência com que “suspeitos” são sumariamente executados, ou mortos nos famigerados “autos de resistência”, fazendo da polícia brasileira uma das que mais mata no mundo.
Quem já não presenciou, ou tomou conhecimento, de algum, ou vários, desses acontecimentos? Arrisco dizer que muito poucos. Talvez ninguém.
Por efeito de algum maligno e misterioso sortilégio, verifica-se que um grande número de policiais brasileiros entende que as leis não se aplicam a eles. Nenhuma delas. Em virtude disso, consideram desnecessário submeter-se a qualquer dos freios morais mais comuns. Vai daí que julgam desfrutar de uma situação “privilegiada”, em virtude da qual passam a agir como se dispusessem de super-poderes.

Até quando?

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Sorria, Você Está Sendo Enganado!

Está quente o debate, no Brasil, sobre a questão da redução da maioridade penal.
Como sempre, ele se dá de uma forma maniqueísta, polarizada. Não há meios-termos. Só paixões.
Eu, como sempre, tenho uma posição definida a respeito, e, também como sempre, morro de vontade de expor essa posição aqui, publicamente.
E isso faz tempo. Vem desde que a discussão começou. Mas tem tanta gente, falando tanta coisa, em tantos meios, que parece que já está tudo dito. Então eu achei melhor me conter. E tenho resistido, bravamente. Mas agora começou a acontecer algo que muda tudo. Então, não tem mais jeito. Preciso dizer de uma vez:
Sou contra a redução da maioridade penal. Total e absolutamente contra.
Pronto. Disse.
Agora, naturalmente, devo explicar por que penso assim.
Mas não vou fazê-lo.
Isto porque, como já expliquei, fala-se tanto disso, por aí, que tudo o que eu penso está exposto na internet, em vários locais, por várias pessoas. Ora, não vejo a necessidade de repetir o que já está dito. Só publico meus argumentos quando acredito que eles tenham alguma originalidade e que possam, de alguma forma, acrescentar algo novo ao debate. Aqui não é o caso.
Portanto, se você é um dos meus oito ou nove leitores, e quiser conhecer em detalhes os fundamentos da minha posição, é só buscar na web. Procure matérias e artigos que mostram que a ideia não é boa. Está tudo lá.  Abundante. Abrangente. Variado. E, a meu ver, irrespondível.
Então, perguntará você, por que diabos estou tomando o seu tempo com esta publicação?
Respondo: porque o tema dela, embora relacionado à questão da redução da maioridade penal, não é exatamente ela.
Pra variar, o que eu quero mostrar é a canalhice, o mau-caráter, a parcialidade da nossa grande imprensa. E, desta vez, mais do que em outras, as gravíssimas consequências que esses “predicados” podem acarretar à nossa sociedade e, por derivação, os prejuízos que causarão ao próprio País.
A bola da vez é a Rede Bandeirantes. Televisão, rádio, tudo.
Não se engane com a força dela, só porque não é a primeira colocada do “ranking”! Trata-se de um poderosíssimo conjunto de meios de comunicação, capaz de agir fortemente sobre a maneira de pensar de uma parcela considerável da sociedade brasileira.
Em outras palavras, ela tem condições de criar opinião pública, e influenciá-la de forma decisiva.
O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo onde pessoas dotadas de um poder de tal magnitude não estão sujeitos a algum tipo de controle capaz de obrigá-las a utilizá-lo com um mínimo de honestidade.
Ou, pelo menos, de decência. Afinal, esse poder, quando usado para distorcer realidades, pode levar a consequências tão graves quanto imprevisíveis.
Pois é exatamente o que está acontecendo neste caso.
O dono da Rede Bandeirantes é evidentemente a favor da redução da maioridade penal. E mais ainda, ele resolveu se transformar em um cruzado dessa luta. Em virtude disso,  e lixando-se solenemente para qualquer escrúpulo, lança mão de todas as armas de que dispõe.
Ocorre que a mais forte destas é exatamente o seu poder de comunicação, e conseqüente influência na mente das pessoas.
Então, minha gente, prestem atenção no que vem acontecendo de uns tempos para cá nos programas jornalísticos dos veículos filiados àquela rede.
Todos os dias, várias vezes por dia, todos eles levam ao ar matérias sobre o tema. Elas, invariavelmente, iniciam falando dos crimes bárbaros praticados por menores de 18 anos. Em seguida, como se fosse um mantra, entra em cena um pronunciamento de alguém esbravejando contra a legislação atual. Pode ser um promotor de justiça, um juiz, um delegado de polícia, etc. Ou mesmo um cidadão comum, catado na rua.
Os argumentos são sempre os mesmos. As posições, também. Todos condenam o sistema com inabalável furor.
Bom.
O que tem de errado nisso (perguntará você, caro e raro leitor)?
Tudo (responderei eu). Absolutamente tudo.
Jornalismo, por definição, é a apuração e transmissão de informações. Qualquer principiante nesse tema sabe que o primeiro dever do jornalista é este. Informar. Pura e simplesmente fornecer a seu cliente (leitor, ouvinte, telespectador, etc.) a verdade factual, de forma imparcial e isenta.
O nome disso é notícia. Um fato e seus desdobramentos, cujo conhecimento o jornalista julga ser do interesse geral da comunidade.
Paralelo ao dever de informar, existe o direito de opinar. 
Quer dizer, o jornalista pode, sempre que quiser, transmitir ao seu cliente aquilo que ele, jornalista, pensa sobre determinada notícia.
                         Se o fizer de forma honesta, o cliente será cientificado, e saberá que lhe cabe decidir soberanamente se concorda ou não com essa opinião.
E como se faz isso de forma honesta?
Simples. Todos os cursos de jornalismo, sejam acadêmicos ou vividos na prática, ensinam que, quando vai opinar, o jornalista deve deixar isso expresso e claro. Na imprensa escrita, isto se faz em forma de editoriais, cujos textos todos sabem que manifestam a posição do jornal, ou em colunas de opinião, que são sempre assinadas por seu autor.
Nos demais tipos de veículos isso se repete, com as devidas e necessárias adaptações.
O resto é notícia. Informação pura e simples. Descrição isenta e impessoal do fato. Em outras palavras, a verdade, que por sua vez é filha indeclinável e intransferível da imparcialidade.
Por outro lado a sociedade, em sua dinâmica natural, tende a refletir sobre as questões que a afetam no dia-a-dia. É absolutamente normal que essas reflexões suscitem debates, já que a pluralidade faz parte da essência do ser humano, e a multiplicidade de pontos-de-vista constitui uma de suas mais fascinantes riquezas.
São os chamados “temas polêmicos”.
Claro que, justamente por interessarem a toda a coletividade, se constituem em pauta jornalística. São notícia por excelência.
Mas um tipo específico de notícia. Aqui não se trata de simplesmente narrar um acontecimento, apenas descrever um fato que se esgota em si próprio. A polêmica faz parte integrante e nuclear dessa notícia.
Então, tornou-se uma prática ilustrá-la com comentários de terceiros, não jornalistas, normalmente especialistas ou estudiosos da matéria. O objetivo – quando honesto – é fornecer subsídios ao cliente (leitor, ouvinte, telespectador, etc.), de modo que ele tenha melhores condições de, com autonomia e liberdade, formar sua própria opinião.
Quando desonesto, constitui-se em um meio de tentar manipular a consciência desse cliente, castrando-lhe a autonomia e a liberdade, e buscando conduzir a formação de sua opinião na direção que interessa ao proprietário do veículo de comunicação.
É muito simples e fácil passar de um modus operandi a outro. Basta deixar de lado a imparcialidade.
Esta é, segundo o mais elementar dos princípios regentes do bom jornalismo, sua coluna mestra, seu alicerce maior e mais sólido. Como já disse, ela é nada menos do que a mãe da verdade.
Tratar o tema polêmico com imparcialidade significa tão somente outorgar exposição isonômica a todas as opiniões em conflito. Simples assim.
Descrito o fato, com isenção, coloca-se o tema que ele suscita; e, dada a polêmica envolvida, que conta com bons argumentos contra e a favor, ouvem-se pessoas de um e outro lado, cada uma delas enumerando os seus.
Este equilíbrio permite que o cliente passe a dispor de todas as informações de que precisa para, outra vez, formar sua opinião de maneira soberana.
Como já se disse, o jornalista tem o direito de, a qualquer momento, reforçar com sua própria opinião, o lado da polêmica que acredita estar correto. Deve, porém, fazê-lo de forma explícita, a fim de que o destinatário tenha consciência de que é a isto que ele está sendo exposto.
  Já tratar o tema polêmico deixando de lado a imparcialidade é fácil. Basta romper o equilíbrio. Sub-repticiamente, você repassa a tua opinião ao destinatário sem que ele se aperceba disso. Como? Ouça um lado só.
A receita é bem simples. Dê a notícia. Se possível, exagere nos tons, enfatize o aspecto dela que mais sensibiliza para o teu próprio ponto de vista. Depois, adorne-a com quantos comentários achar conveniente, todos eles pronunciados por pessoas dotadas de algum tipo de autoridade para fazê-lo. E, claro, todos eles defendendo o teu ponto de vista que, afinal, é aquele que você quer que o cliente adote.
Pronto.  Sua tentativa de manipulação está completa. Você passou ao cliente a noção – totalmente falsa – de que aquele entendimento é unânime, pelo menos entre quem entende do assunto e tem responsabilidade. Simplesmente não há ninguém, em seu juízo perfeito, que pense o contrário.
Com isso você o induziu a acreditar que a sua própria opinião é a única que merece ser levada em consideração. E, o que é pior, a fazê-lo inadvertidamente.
De cambulhada, como que colocando a cereja no bolo, você terá sepultado definitivamente qualquer fiapo de bom jornalismo.
Repita o procedimento à vontade. Quanto mais vezes você o fizer, maior será o número de pessoas atingidas, e mais consolidada ficará a distorção na consciência daqueles que já o foram anteriormente.
Pois então muito bem.
Agora, minha gente, chegou a hora de eu dar a vocês, uma informação que, para aqueles que se limitam a observar a Rede Bandeirantes será, além de inédita, totalmente surpreendente.
Acreditem: existe uma enorme, imensa, infinita quantidade de pessoas, neste Brasil, que é CONTRA a redução da maioridade penal!
E, o que é ainda mais surpreendente: eles são capazes de expor razões bastante fortes que os levam a pensar assim.
Há, dentre tantos outros mais, juízes, promotores, delegados, sociólogos, psicólogos, cientistas, intelectuais de todos os tipos e até – pasmem! – jornalistas, muitos jornalistas, que andam por aí demonstrando de maneira muito convincente, que a medida não resolveria nada!
Seus argumentos são sólidos, lógicos, fortes e bem estruturados. Apóiam-se em fatos, indicadores e números.
Então, meu caro e raro leitor, o mínimo que os meios de comunicação devem a você (e a todo o povo brasileiro, aliás) é um acesso a esses argumentos que seja idêntico ao que eles lhe dão aos outros, que defendem a posição contrária.
Você terá sabido, então de forma leal e imparcial (portanto verdadeira), que há boas razões embasando os dois lados, e que há especialistas, técnicos e mesmo pessoas do povo capazes de defender, com igual vigor e força de convencimento, ambas as posições.
Quais, dentre essas razões, são as corretas, a seu ver, cabe a você decidir.
Você poderá fazê-lo com base em elementos, informações e subsídios suficientes, honestos e corretos.
No caso da redução da maioridade penal, a Rede Bandeirantes não está fazendo isso.
Todos os dias, várias vezes por dia, todos os seus veículos de comunicação (rádios e TV, principalmente) seguem religiosamente a receita fraudulenta que eu dei acima. Veiculam notícias de crimes cometidos por pessoas entre 16 e 18 anos. O espaço que dão a isso é amplamente desproporcional, em relação ao número total de crimes, criando em você outra impressão falsa. Fazem parecer que esse tipo de delito, que na realidade é estatisticamente insignificante, é muito mais freqüente do que de fato é.
Em seguida mostram, com requintes de cínico sadismo, a barbárie de tais crimes, de forma a, nada sutilmente, despertar a tua repulsa. Pronto. Eis o terreno preparado para o fecho triunfal. A transmissão será inundada, literalmente inundada, de pronunciamentos de terceiros, todos eles unânimes em defender furiosamente a redução da maioridade penal como a grande panacéia que vai resolver o drama da segurança pública no Brasil.
O outro lado? Bom, este que se lixe. Afinal, não lhes interessa que você o conheça.
O que querem é ganhá-lo para a posição deles. Com isso, podem engendrar e fortalecer seu próximo passo. E qual é? Já está aí, para quem quiser ver. Esbravejam que a “opinião pública” (a mesma que eles construíram e manipularam com requintada má-fé) está do lado deles. Com isso, ganham força para implementá-la, sob o argumento de que, sendo majoritária, é mais democrática.
Mas não é. Qualquer medida adotada por uma sociedade após um debate viciado carregará esse vício em seu ventre. Os danos são grandes, duradouros e dificílimos de reverter.
                         Você? Você foi enganado e nem percebeu.

sábado, 13 de abril de 2013

O Foco da Discussão


            O Brasil se mobiliza contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 37, amplamente apelidada de “PEC da Impunidade”.
            Trata-se de projeto do Deputado Federal Lourival Mendes (PTdoB) que pretende retirar do Ministério Público o poder de investigar crimes. O texto determina que esse poder será exclusivo da Polícia Federal e das Polícias Civis dos Estados.
Fora das próprias polícias, apenas meia dúzia de gatos pingados a defende.
            A meu ver, toda essa discussão está completamente fora de foco, e a consagração disso é a própria mobilização nacional pela rejeição da emenda.
            E é mesmo geral. No dia 09 de abril escutei um conceituado colunista do rádio paranaense (que, aliás, foi deputado constituinte e é, portanto, um dos autores da nossa Carta Magna) dizer-se favorável à manutenção dos poderes de investigação do MP.
            Até aí, nada demais. Ele não está propriamente mal acompanhado nessa posição. Muito pelo contrário.
            O que me incomodou foram as razões invocadas para sustentá-la.
            Disse o comentarista que pensa assim porque, sendo as polícias, como são, subordinadas aos governantes, estão “indubitavelmente” (a palavra é dele) sujeitas a pressões políticas capazes de torná-las tendenciosas. Podem, segundo ele, agir seletivamente e com parcialidade nas investigações, ao juízo dos seus superiores.
            Em outras palavras, endossou o apelido “PEC da Impunidade”.
            Mas o que diabo há de errado?
            Simples: todos nos conformamos com o fato de que a polícia é ruim, desistimos de melhorá-la e partimos para um esquema alternativo. O qual é, também, infelizmente, apenas paliativo.
            Atenção patrulheiros: antes que me acusem de compactuar com a corrupção e a impunidade, vou avisando: não sou contra o Ministério Público poder investigar. Pelo menos não na atual conjuntura.
            O que estou afirmando é que a sociedade brasileira parece estar renunciando a olhar de frente para o problema real, encará-lo como de fato é, e, com coragem e determinação, agir para solucioná-lo.
            E parte para um remendo mal-enjambrado. Desculpem, mas o sistema como está é pura improvisação.
            Vejam: segundo a voz corrente, deixar o poder de investigar exclusivamente com as polícias equivale a consagrar a impunidade. Em outras palavras, como a finalidade da polícia é justamente apontar os criminosos e encaminhá-los à justiça para que sejam ... punidos, significa que ela não a cumpre.
            Qual a saída encontrada? Coloca-se o Ministério Público, consensualmente tido como uma instituição mais séria (e independente...), para fazer o trabalho.
            Mas, espantosamente, não se bule – Deus nos livre! – com a polícia. Sim, aquela mesma que, segundo os arautos, é totalmente falha.
            Escutei de um promotor, na televisão, o seguinte: “Respeitamos a polícia. Queremos que ela continue fazendo o seu trabalho. Apenas queremos investigar também!”
            Isso reflete com perfeição o clima geral: panos quentes. Estão todos com panos quentes. “É, veja bem, a polícia continua; ela lá, o MP aqui, sem problema...”
            É? Então por que é que o Ministério Público está sempre no comando das investigações dos crimes que causam danos mais graves? Aqueles que mais repercutem?
            Então por que é que se diz que impedi-lo de fazer isso é ampliar ainda mais a impunidade?
            Hein? Alguém aí poderia me responder?
            Mas não vale a resposta que para mim, é a única possível: é porque a polícia não dá conta!
            Tem alguém que sabe de outra? Se tiver, por favor, sou todo ouvidos.
            Quer dizer, das duas, uma. Obrigatoriamente, só uma: ou é verdade que a polícia não dá conta, e então é preciso que se faça alguma coisa real a respeito disso, ou então ela dá conta, e daí todo esse debate não passa de mera perda de tempo.
            Qual alternativa você escolhe?
            Pois é. Este, minha gente, é o foco verdadeiro da discussão. A pergunta que deve ser feita é: com Ministério Público ou sem Ministério Público, a polícia cumpre a contento a tarefa que dela se espera?
            A maior parte da sociedade brasileira parece entender que não. Pelo menos, entre tantas outras coisas, é isso o que demonstra a atual mobilização contra a PEC 37.
            Ora, então encaremos os fatos. Sem tergiversações.
            Só que não é isso o que acontece. Parece que estamos conformados. Resignados.
            Entretanto, não precisa ser assim. As deficiências das polícias não são, como se parece acreditar, um desígnio divino imutável.
            E não me venham, por favor, com a justificativa do comentarista acima. As polícias de todo o mundo são subordinadas ao Poder Executivo, e nem por isso podem ser genericamente acusadas de tendenciosas ou parciais. Ou de falta de isenção.
            Do modo como está, dizia eu, é paliativo e improvisado.
            Paliativo porque, mesmo com o Ministério Público atuando, a situação não apresenta melhorias realmente estruturais. Os problemas de fundo permanecem.
E improvisado porque carente de um embasamento legal sólido. Há interpretações constitucionais e legais altamente controvertidas, envolvendo juristas de igual envergadura em ambos os lados da trincheira. Ora, a clareza normativa é essencial para fazer com que as instituições funcionem de maneira sistêmica. O que, obviamente, é fundamental. O arranjo atual, ao contrário, estimula rivalidades, alimenta infinitas fogueiras de vaidades, e promove conflitos incessantes e permanentes.
É tudo, menos um sistema organizado.
Entretanto, mesmo assim, esse arranjo, por enquanto, é necessário.
            O modelo policial brasileiro é anacrônico e profundamente equivocado. A cultura policial brasileira é superada, e inadequada.
            Enquanto esses males não forem reconhecidos e arrancados pela raiz, pouco se pode aspirar além do que aí está.
            Então, pensando em voz muito baixa, o que eu acho é que, pelo menos enquanto não se cria essa coragem, para bulir a fundo com as sólidas, cristalizadas e ultrapassadas estruturas que impedem nossas polícias de dar conta efetiva de sua tarefa, o melhor (menos mau, na verdade)  é deixar como está.
            Em uma palavra: aprovar ou rejeitar a PEC 37 não é o mais relevante. É a discussão fora de foco. O que importa é fazer um diagnóstico realista da situação estrutural, e tomar medidas para corrigir de fato os erros que ele apontar. Este é o foco verdadeiro do problema.
            Enquanto isso, o menos ruim é manter o remendo. Pelo menos há uma maior quantidade de pessoas e instituições na lida.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Verdades


Com autorização de seu autor, publico abaixo comentário de Luciano Faucz de Lacerda, meu colega de trabalho de 2009 a 20012, quando foi coordenador executivo do Gabinete de Gestão Integrada de São José dos Pinhais, a respeito de artigo do Fábio Campana. É extremamente bem escrito e objetivo. E um soco no estômago dos que tentam simplificar um tema que é extremamente complexo. Quando fazem isso, manipulam as mentes e consciências de seus leitores, desviando o foco da discussão.

Merece a leitura.

           

"artigo publicado no fabio campana...

http://www.fabiocampana.com.br/2013/03/pesquisa-aponta-que-pobreza-e-criminalidade-estao-dissociados/#more-191095

meus comentarios...

Curioso como os estudos que tentam dissociar os índices de homicídio (ou violência) de causas sociais enfatizam a relação com o tráfico de drogas e a impunidade. Causa social não é a mesma coisa que miséria ou pobreza em si. Causas sociais são estruturas muito mais complexas impostas às pessoas,  estruturas estas que podem impedir, dificultar ou facilitar seu desenvolvimento humano, condicionar suas escolhas e moldar seu comportamento. A associação com o tráfico não é uma escolha no sentido liberal da palavra, em que autonomanente o indivídiuo, livre de pressões, escolhe ir para a direita ou a esquerda, ou ainda permanecer parado, se for o caso. Muito pelo contrário, a associação com o tráfico é uma imposição das circunstâncias, uma alternativa (?) diante do fracasso de um enquadramento "normal", do sucesso escolar e profissional, da família bem estabelecida, dos valores bem assimilados de uma sociedade hedonista que estimula o consumo exarcebado e a busca incessante por prazer e felicidade.

Diz o texto:

"Os fatores que contribuem para o aumento da violência e, consequentemente, para a elevação da taxa de homicídios, mencionados na pesquisa de Sapori, são a consolidação do tráfico de drogas, principalmente o consumo de drogas, os elevados níveis de impunidade e a necessidade de adoção de medidas mais eficientes para combater os dois aspectos anteriores."


Ao correlacionar a consolidação do tráfico de drogas, principalmente o consumo (sic), com medidas mais eficientes para combater estes dois aspectos, o autor do texto (não sei se os autores da pesquisa corroboram esta tese) parece pensar que punir traficantes e usuários é a melhor medida diante dos horrores estatísticos que vivemos na segurança pública. Nada mais equivocado do que esta conclusão. Cem anos desta política puramente repressiva e punitiva nos trouxeram exatamente a esta realidade.

Quando teremos jornalistas comprometidos efetivamente com a mudança deste quadro? Quando estes "mordomos de luxo" da classe dominante conseguirão enxergar além da ideologia de seus patrões e propor efetivamente uma nova abordagem do assunto, que trate a questão da violência com a complexidade que é necessária?

Não podemos ingenuamente associar a miséria e a pobreza ao ato criminoso em si, mas também não podemos desconsiderar os 500 anos de história excludente e de injustiças deste país na avaliação do nosso presente.

A pergunta ainda fica: por que majoritariamente os personagens principais deste drama (cerca de 40 mil homicidios por ano neste país) continuam sendo jovens, negros ou pardos, moradores de áreas periféricas e  dasassistidas?

O garoto branco, piá pansudo de prédio, que fuma inocentemente seu baseadinho, parece estar fora destas estatísticas...que coincidência, não?"

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Nem Aqui Nem na China



Por princípio, não leio a Revista Veja.
Quem acompanha minimamente este humilde blog sabe por que.
Apenas agora, e graças a uma mensagem que recebi de um grande amigo, tomei conhecimento de que na sua última edição de janeiro ela publicou uma coluna assinada pelo jornalista J.R. Guzzo, sob o nome “Namorando com o Suicídio”.
Versa, em geral, sobre a violência que se vê no Brasil, e, em particular, sobre aquela que se volta contra os policiais.
Em nome de tudo em que acredito, e pelo que tenho lutado ao longo dos anos, não posso me furtar a tecer alguns comentários sobre ele.
Se você se interessar pelos mesmos, sugiro que antes dê uma lida no referido artigo. Você o encontra neste link: http://arquivoetc.blogspot.com.br/2013/01/artigo-jr-guzzo-veja.html
Leu?
Então, vamos examiná-lo juntos.
Em primeiro lugar, não enxergo em qualquer jornalista que publique na Revista Veja autoridade moral para criticar criminosos.
É que todos tendemos a sucumbir à ideia de que crime é apenas aquele violento, aquele de sangue. Mas não é. Existe uma categoria de delitos, tão hediondos quanto, e que não envolvem violência ou sangue. Quais? Os crimes do colarinho branco. Talvez sejam até mais graves, porque em grande medida contribuem para a disseminação incontrolada da violência em si. Pode-se afirmar sem grandes medos de errar que uma diminuição significativa na corrupção, nos ladrões de gravata, geraria desdobramentos positivos nos índices de violência.
Entretanto, esse não é o tema agora, de modo que talvez em outro momento possamos examinar com mais cuidado os mecanismos através dos quais isso se dá.
O que tem a Veja com isso? Simples. Até as colunas do templo de Atenas sabem que ela é cúmplice, no mais sórdido sentido da palavra, de inúmeros crimes de colarinho branco praticados pelo notório bandido Carlinhos Cachoeira. Em prol de objetivos próprios e inconfessáveis colaborou com ele, incentivou suas práticas, acobertou-o, favoreceu-o. É, portanto, criminosa também. Seus chefes só não vão a julgamento porque o Brasil ainda não juntou força – ou coragem – para enfrentar e moralizar a grande e inescrupulosa mídia que o desgraça.
Então, de qualquer forma, pode-se afirmar que essa revista colabora para a ocorrência, no Brasil, da violência da qual o articulista põe a culpa exclusiva no Governo.
Alto lá, portanto. Devagar com o andor.
É no mínimo temerário dar crédito aos rotos, quando se referem criticamente aos esfarrapados.
Assim, toda a lenga-lenga do Sr. Guzzo padece de nada menos do que um vício de origem. É malnascida.
O que, a meu ver, já é suficiente para abastardar-lhe irremediavelmente o conteúdo.
Este último, no entanto, por suas próprias e disparatadas mazelas, merece ser analisado e rebatido, ponto a ponto.
Até porque não passa de um amontoado mal enjambrado de clichês, que não apenas não se sustenta ao menor sopro de uma análise mais séria, como mal consegue esconder interesses e objetivos escusos a serviço, como não poderia deixar de ser, dos ideais dos donos da revista, hoje os mais ativos e visíveis atores políticos da extrema direita brasileira.
Para poupar você, meu sacrificado leitor, de um texto demasiado longo, vou tentar pinçar do artigo em questão, para analisá-las, apenas as asneiras mais gritantes.
A isso, portanto.
Começa sua investida o nosso intrépido articulista fazendo uma comparação, em números absolutos, entre o Brasil e a França.
Isso é de um absurdo atroz.
Equivale mais ou menos a analisar bananas utilizando laranjas como parâmetro.
A França é imensamente menor do que o Brasil. Sua população é três vezes inferior à nossa. E, principalmente, seu estágio de desenvolvimento social, econômico e político é incomensuravelmente mais avançado.
Pura má-fé do cara, portanto.
Na sequência, ele afirma que o Brasil, por omissão, está dando aos bandidos uma espécie de salvo-conduto para matar policiais. Que por acharmos que o problema é apenas dos dois “contendores”, todos lavamos as mãos.
Revela-se, aqui, de maneira particularmente marcante, o principal defeito de toda a invectiva. Feroz, raivosa mesmo, mostra o que considera seriíssimas distorções, e aponta o dedo acusador em várias direções, ora para achar culpados, ora para denunciar inércia diante da barbárie. Só não se importa, em momento algum, de formular o mais frágil fiapo de sugestão para um caminho que os “inertes responsáveis” deveriam seguir! Fácil, simples, acusar os outros. Típico.
Essa atitude, porém, tem uma forte razão. É o simplismo, essencial e obrigatório, do argumento. Se abandonar esses predicados, ele morre de inanição. Furta-se, nosso indômito analista – e o faz por descarada má-fé –, de mencionar o fato de que há, no ambiente invocado por ele, pelo menos dois tipos totalmente distintos de mortes de policiais praticadas por bandidos.
E que, em decorrência, duas são as realidades a conhecer e duas as metodologias a utilizar para combatê-las.
O primeiro tipo é o que se verifica na chamada “linha do dever”. Decorre da periculosidade inerente à própria função, e ocorre nos confrontos com marginais, aos quais todo e qualquer policial do mundo, por definição, está sujeito na sua atividade diária.
É da essência do trabalho.
Estes são heróis. Todos. Merecem as maiores homenagens. Corporificam a mais nobre das atribuições policiais, que é a de escudo da sociedade.
O segundo tipo de morte é bastante mais complexo do que isso.
São os assassinatos puros e simples. Não atingem policiais exercendo seu mister. Alcançam, traiçoeiramente, pessoas comuns, escolhidas para morrer em virtude de sua profissão.
(O fato de que estes homicídios com certeza respondem pela esmagadora maioria das mortes de policiais ocorridas em 2012, em São Paulo, escancara ainda uma vez o despautério da comparação com a França, cujas vítimas certamente se enquadram todas apenas no primeiro tipo.)
A compreensão desse fenômeno, de suas causas e desdobramentos, exige uma análise séria, profunda e detalhada, que precisa inevitavelmente, entre outras coisas, debruçar-se sobre o próprio modelo policial brasileiro. Por princípio, deve ser isenta de maniqueísmo, tentação de qualquer exame superficial.
Acontece que a omissão dessa análise faz parte da estrutura interna do argumento utilizado por Guzzo, que é, além disso, e por natureza, maniqueísta. Se escapasse de tais armadilhas, veria ruírem por terra todas as premissas que embasam seus pontos de vista.  E, pior que isso, correria o risco abominável de desagradar os interesses de seus patrões.
Para fugir de tão ingrata obrigação, o audaz articulista recorre à mais velha, desmoralizada e desgastada das estratégias: desqualificar, mediante pura desonestidade intelectual, os que pensam de maneira diversa da dele.
Verdade!
Nosso amigo, sem sequer corar de vergonha, afirma textualmente que a cultura brasileira consagrou a ideia de que reprimir o crime seria atentar contra a democracia! E que, nesse seara, a principal função do Estado seria a de, em lugar disso, combater a violência da polícia!
Será que meu cérebro não me enganou? Será que alguém em plena propriedade de suas faculdades mentais é capaz de uma afirmação tão estúpida?
Infelizmente, sim. Está lá. O cara escreveu isso mesmo.
Eu, de minha parte, vejo aí um ovo de serpente. Fascismo, mesmo. Puro e simples fascismo. Extrema direita. Furibunda. Perigosa.
Explico.
A visão combatida pelo articulista é aquela que a direita acostumou-se a designar pejorativamente como de “militância pelos direitos humanos”.
Escrevi certa vez que a elite brasileira, além de extremamente hábil, é uma das mais cruéis e implacáveis do mundo.
Utilizando-se dessas duvidosas qualidades, submete o conjunto restante dos brasileiros, desde sempre, a um severíssimo regime de opressão.
Chega a torná-lo seu aliado, convencendo-o de que essa ordem injusta é a melhor que pode existir.
Ocorre que na faixa mais baixa dos oprimidos a revolta muitas vezes estoura sob a forma do crime.
Duvida? Então explique pra mim por que diabos os autores de crimes violentos são sempre originários das camadas humildes? Por que é que na cadeia só tem preto e pobre? O número de criminosos violentos oriundos de outros extratos sociais é estatisticamente insignificante! Resume-se a crimes passionais, uma ou outra disputa patrimonial, ou distorções de personalidade.
À elite, cujo método de opressão é por natureza violento, só ocorre responder com violência. Ao invés de contemplar a hipótese de permitir a criação de vias de acesso dos oprimidos a mais cidadania, circunstância que certamente diminuiria de forma altamente significativa as opções pela criminalidade, ela só sabe responder com aumento da repressão.
Mais violência. Penas mais duras! Redução da maioridade penal! Mantenha-se a ralé no seu devido lugar, a qualquer custo! Vendetta!
O resultado é e sempre será pífio. A história está recheada de exemplos. Ou alguém acha que a lei dos crimes hediondos, que endureceu fortemente as penas para crimes mais graves há mais de 20 anos, contribuiu minimamente para diminuí-los?
Ou alguém sério discorda de que violência só é capaz de produzir mais violência, num círculo sem fim?
Embora expressamente não proponha nada, o fato é que o artigo do Sr. Guzzo está de forma evidente, mesmo que sub-reptícia, advogando o puro e simples endurecimento. Mais do mesmo. Baixar o pau. Como convém, aliás, a alguém que trabalha para a direita fascista.
Isso satisfaz, claro, a mais baixa sanha de vingança. Mas, do ponto de vista de redução dos índices de criminalidade, não resolve absolutamente nada.
Há um momento no artigo em questão onde o ódio se revela pelo teor das expressões utilizadas. Guzzo entende que os governos estão apavorados por “defensores de minorias, viciados em crack, mendigos, vadios e por aí afora”. Ai, que horror! A escória! Mendigos? Oh ! Vadios? Oh! Viciados? Meu Deus, segreguem-nos, prendam-nos, matem-nos se for preciso, mas por favor tirem-nos debaixo de minha preciosa e cultivada vista!
               Os excluídos, para Guzzo, devem ser mencionados entre aspas. A ironia asquerosa contida nessa atitude é por demais reveladora.
Para nossa elite cheirosa – e, claro, seus perdigueiros travestidos de porta-vozes – a simples ideia de melhorar a situação melhorando a condição social e a qualidade de vida dos destituídos é por demais odiosa.
No fundo, sabe que este é o caminho correto para atacar a criminalidade na sua estrutura, nas suas causas.
Mas não suporta sequer pensar nisso. Porque talvez – e apenas “talvez” – signifique ter que abrir mão de um fiapinho que seja dos privilégios aos quais foi acostumada pelos séculos afora. Deus nos livre!
Então, a saída é apenas o sarrafo. Aquele, bom e velho, que ela sempre manipulou tão bem.
Do outro lado estamos nós, os odiados “militantes dos direitos humanos”. Aqueles que, além de tudo, lutam pela solução verdadeira, que implica em mais justiça social.
 Aqueles, que “só se preocupam com os direitos dos criminosos, e não dão a mínima para os das vítimas”. Já ouviu esse clichê? Pois é. Arma dos ingênuos, ou apenas dos de má-fé, ele se repete como mantra por aí afora. Mesmo sendo simplista e, sobretudo, falso.
A má-fé reside exatamente no maniqueísmo.
Para melhor me explicar, vou transcrever literalmente a frase do nosso indômito analista: “... se espalhou pelo Brasil, a ideia de que reprimir delitos é uma postura antidemocrática — e que a principal função do estado é combater a violência da polícia, não o crime.”
É evidente que o articulista atribui essa “ideia” à cultura dos direitos humanos. Em outras palavras, aos “militantes”.
Outra vez, porém, ele é primário. Se por ignorância ou má-fé, deixo para vocês decidirem. Segundo ele, as atitudes só podem ser excludentes entre si. Assim: preocupar-se com o direito de criminosos é incompatível com a possibilidade de fazê-lo com o das vítimas; se o Estado combate a violência policial não pode combater o crime. É invariavelmente “ou um ou outro”.
Falso. Outra vez, falso. É esta a desqualificação à qual me referi. As atitudes NÃO são excludentes. É perfeitamente possível fazer com que convivam simultaneamente.
Ao afirmar o contrário, o indômito articulista deturpa, de forma desonesta, as posições dos “militantes” que tanto precisa combater.
Porque o que fazemos é exatamente o oposto. As posições convivem, e não se excluem.
Defendemos os direitos humanos de todos, algozes e vítimas (até porque aqueles, mesmo criminosos, não perdem sua condição de seres humanos; além do mais, sua punição está prevista em lei, e deve ser outorgada NO RIGOR, mas também nos limites, da lei). E entendemos que é possível – e necessário! – combater o crime e também a violência policial.
Então, Senhor Guzzo, preste atenção, por favor. Vou repetir: é função do Estado combater a violência.
Ponto.
Toda violência! Qualquer violência!
(Aviso aos navegantes: claro que a violência policial a que me refiro aqui é aquela ilegal. Sim, porque existe a violência legal, que a polícia tem autorização para praticar, quando necessário para garantir a ordem pública. Chama-se “uso legal e progressivo da força” e pode chegar a ser até letal. Quando praticada corretamente, nada tem de criminoso. Pelo contrário.)
Não se distingue sua origem.
Violência é violência, seja quem for que a pratique. A violência policial é tão crime quanto qualquer outro!
Todos sabemos que um policial fardado, no exercício de seu dever, é a face mais visível do Estado. Então, se pratica uma ilegalidade, é o Estado que a está praticando.
Ora, para quem não sabe, há uma forte razão para que a palavra “Direito” se coloque como qualificativo da expressão “Estado Democrático”, que tivemos tanta dificuldade para conquistar, e no qual nos orgulhamos de viver. Forte, mas bem simples. No Estado Democrático de Direito, todos devem estar submetidos ao império da lei.
Todos, mas principalmente o Estado. Quando avaliza uma ilegalidade, ele, o Estado, se torna ilegal. Vai daí, arruína o próprio conceito de Estado Democrático de Direito.
É simples assim.
Se não combater a violência policial ilegal, o Estado a estará praticando, e, com isso, nada mais nada menos do que solapando a Democracia. A mesma Democracia da qual ele, Estado, deve ser o mais forte e zeloso guardião.
É pouco?
Não significa isso, em hipótese alguma, como quer fazer crer o Sr. Guzzo, “amolecer” no combate ao crime.
Absolutamente. Como disse, ambas as coisas podem e devem ser conduzidas com igual vigor, e simultaneamente. Até porque, a rigor, são uma só. Ambas são crime.
Se o Sr. Guzzo pensa que as instituições que menciona (ONGs, corregedorias e ouvidorias, etc.) fazem com que a fiscalização sobre as polícias seja exagerada, talvez deva usar de seu próprio método, e dar uma olhadinha em outros países. Ficaria espantado com o nível de controle, interno e externo, existente mesmo naqueles que para os de sua ideologia são tidos como paraísos.
Para terminar, há mais uma mentira do cara, a desmascarar.
Escreveu ele: Sua última invenção (dos “militantes”, decerto), em São Paulo, foi proibir a polícia de socorrer vítimas em cenas de crime, por desconfiar que faça alguma coisa errada se o ferido for um criminoso; com isso, os policiais paulistas tornam-se os únicos cidadãos brasileiros proibidos de ajudar pessoas que estejam sangrando no meio da rua.
                             "Desconfiar", sr. Guzzo? DESCONFIAR??
                             "Alguma coisa errada", sr. Guzzo? ALGUMA COISA ERRADA????
                           Isso é realmente o que eu chamaria de esperta (espertíssima!) utilização de eufemismos.
                     Ninguém "desconfia" de nada. Sabe-se! E o que se sabe? Sabe-se que "alguma coisa errada" são assassinatos puros e simples, sumárias execuções de suspeitos feridos em tiroteios com a polícia, que rotineiramente ocorrem no interior das viaturas policiais, no trajeto entre o local do tiroteio e o hospital.
Mentira, portanto. Deslavada mentira.
Primeiro porque os policiais paulistas não estão sozinhos. Os do Paraná os precedem, porque a proibição nasceu aqui. Lá só foi copiada.
E seu fundamento, acima informado, mas eufemisticamente manipulado pelo Sr. Guzzo (Deus o livre se fizesse diferente, arruinaria seu argumento!...), é simples, embora terrível.
Constatou-se que um suspeito de crime, baleado por policiais, que fique sangrando na rua até a chegada do SAMU ou SIATE, tem chances muito, MUITO maiores, de chegar vivo ao hospital, do que se for para lá conduzido pelos próprios policiais, mesmo que isso demore mais.
É, como disse, uma verdade terrível, mas nem por isso menos real. Constatada por fatos, Sr. Guzzo. Provado pela enorme quantidade de suspeitos que embarcam nas viaturas feridos, mas vivos, e que chegam ao hospital mortos.
Atestado pela sanha de justiçamento que grassa em nossas polícias. Justiçamento esse que pode parecer muito saboroso quando se pensa em crime primariamente, como um simples jogo de “vendettas”. Mas não quando se preza pela legalidade.
Até porque, Sr. Guzzo, mesmo para o desgosto dos raivosos, não existe pena de morte no Brasil. E, ainda que existisse, acusar alguém de crime punível com ela, decidir pela procedência dessa acusação, sem direito de defesa, e, então aplicá-la sumariamente, não são atribuições da polícia.
Nem aqui nem na China.