O noticiário
brasileiro foi tomado de assalto, nas últimas semanas, pela avalanche de
informações acerca dos tentáculos da organização criminosa do bicheiro
Carlinhos Cachoeira nos mundos político e empresarial.
São denúncias
absolutamente estarrecedoras.
Talvez a mais
impactante delas seja a que demonstra a profunda ligação do bandido com a
revista Veja, o mais influente veículo semanal da grande imprensa brasileira.
Você não
sabia? É provável que não. A razão é simples. Pega no contrapé, e da maneira
mais vergonhosa possível, esta última tem feito o que é possível para não
repercutir (e portanto abafar) o escândalo. Mas o fato é que ele é tão
escabroso – ou até mais, muito mais – do que aquele envolvendo o senador
Demóstenes Torres.
Apesar de
parecer o contrário, o tamanho não depende da repercussão.
Aconteceu o
seguinte.
Como todo
mundo sabe, nos últimos anos a Veja conseguiu vários “furos” de reportagem que
mostravam situações embaraçosas para inúmeros personagens da vida pública
brasileira. Todos, claro, antipáticos às posições conservadoras – direitistas
mesmo, em português claro – da publicação.
Com o poder da
“liberdade de imprensa”, ela destruiu reputações, derrubou ministros, arruinou
carreiras. Seletivamente, claro, como se verá. Atacou apenas quem lhe convinha.
Agora, a
Polícia Federal revelou que todos os “furos” se originaram de informações
privilegiadas que o Cachoeira passava a um editor da Veja, Policarpo Junior,
por meio de mais de 300 telefonemas que trocaram.
Algumas
peculiaridades merecem nota.
Primeira:
todos os atingidos eram desafetos comuns do bandido e da revista. Ou seja,
aquele se utilizava desta para remover obstáculos que encontrava no caminho de
suas falcatruas; e esta gostosamente se prestava ao papel; segunda: com
enorme frequência, as informações repassadas pelo bicheiro à Veja eram obtidas
de forma clandestina, ilegal (há algum bandido que se preocupe com esse tipo de
formalidade?); terceira: o editor Policarpo sabia perfeitamente bem
disso, e jamais se importou; típica atitude de “faça o que eu digo mas não faça
o que eu faço”: a revista, posando de guardiã da moralidade, metralhou dezenas
de pessoas por cometerem ilegalidades, ao mesmo tempo em que, para se
beneficiar duplamente (aumentando a circulação e alvejando inimigos) chafurdava
ela própria na mais abjeta delas.
A quarta
e mais relevante é a que mostra os dois pesos e duas medidas.
Algum de vocês
prestou atenção na cobertura que a Veja está dando ao escândalo
Demóstenes/Cachoeira? Ou à posição dela em relação à CPI que vai esmiuçar tudo
isso, e que simplesmente, como eu disse, tomou conta do País?
Pois é.
Pois
ééééé´.......
A cobertura é
praticamente zero. (Musiquinha: "o escândalo passou na janela e só a Veja não viu, laialaiá...")
Não deu
nenhuma capa. As últimas, aliás, falavam de internet, de artes marciais, do
santo sudário, e por aí afora.
As matérias a
respeito, relegadas às páginas do mais secundário dos miolos, foram
curtíssimas, e tiveram a contundência de um sabiá cantando no pomar. O
Demóstenes, coitado, parecia um pobre menino travesso apanhado numa estripulia
inocente. Merecia, talvez, no máximo um cascudo. Ou ficar de joelho no
milho por uma meia hora. E olhe lá. Afinal, companheiros de Cachoeira devem se
apoiar mutuamente, não é mesmo?
E quando
finalmente a revista resolveu tomar uma posição, aí é que o caldo entornou de
vez. Decidiu ficar contra a CPI. Na minha opinião, isso colocou um cheiro de
“omertá” no ar.
(Sabe o que é
“omertá”? É a lei de honra dos mafiosos, pela qual um protege o outro...).
Aí, então, o
escândalo mereceu a capa do semanário.
E foi para
dizer que a CPI nada mais era do que uma cortina de fumaça armada pelo PT para
desviar a atenção do País do escândalo do mensalão.
Pode isso?
Pelo jeito
pode, porque a barbaridade passou batida. Pouca gente protestou.
Alguns míseros
blogs, todos de pouco alcance – como este humilíssimo que só pensa em voz
baixa, a seu dispor – estão tentando mostrá-la (destaque especial para o do
Luiz Nassif –
www.advivo.com.br), mas a
verdade é que a sociedade brasileira como um todo nem se deu conta, graças ao
poder de fogo (ou, no caso, de apagar o fogo) da nossa imprensa, no uso viciado
e seletivo que faz da sua “liberdade de expressão”.
Minha gente,
tem uma coisa engasgada na minha garganta, que eu preciso dizer aqui.
Este episódio
todo gerou uma discussão falsa.
De um lado, a
Veja e todos os seus asseclas querem o julgamento do chamado mensalão (o
escândalo, no Governo Lula, em que se acusa um grupo comandado pelo ex-ministro
José Dirceu de utilizar dinheiro público para comprar votos no Congresso
Nacional). Seu objetivo é ganhar politicamente para a direita, fulminando
aqueles que julgam serem seus inimigos.
Ao mesmo
tempo, buscam se proteger, utilizando artilharia pesadíssima contra a CPI do
Cachoeira que, se não se cuidarem, pode expor seus podres mais profundos à luz
do sol.
Atentem para a
fragilidade do argumento acima. O mensalão está no STF, Poder Judiciário. A
CPI, no Congresso, Legislativo. A Constituição garante a separação dos Poderes.
Como é que pensa a Veja que um pode atrapalhar o outro?
Do outro lado,
o PT, insistindo que o mensalão nunca existiu, e que não passa de uma farsa
armada pela direita para sabotar seu governo.
Fala tanto, e
de tal jeito, que quase parece que quer dar razão aos seus inimigos.
Em suma: a
esquerda quer a CPI do Cachoeira para atacar a direita, e não quer o julgamento
do mensalão, porque pode ser atingida com ele.
E a direita
quer exatamente o contrário.
Pois eu digo
que esta é que é a discussão falsa.
Primeiro
porque corrupção não tem lado. Corrupção é corrupção e pronto. À esquerda ou à
direita, deve ser igualmente repudiada, condenada e severamente punida. Não
pode haver panos quentes.
Ninguém é
ligeiramente corrupto. Ninguém é mais ou menos corrupto conforme esteja ou não
do meu lado na luta política.
O nome disso é
hipocrisia. Falta de honestidade intelectual. E o Brasil está farto disso, minha gente.
Chega!
E segundo,
porque – ninguém se iluda – uma CPI como essa que está aí todos sabem como
começa, mas ninguém, absolutamente ninguém, pode prever como termina.
Do jeito que
vai, pode não sobrar pedra sobre pedra tanto à direita como à esquerda.
Todos os meus
leitores – sei que são poucos, mas sei que estão por aí – já sabem que eu me
filio a esta última. Nunca tive medo ou vergonha de dizer. Milito na esquerda
desde a juventude, porque entendo a igualdade, a justiça e a fraternidade como
absolutamente necessárias à felicidade de todos os seres humanos. Não consigo
conceber uma pessoa feliz enquanto consciente da miséria de seus irmãos.
É justamente
por isso, inclusive, que tenho para mim como dever indeclinável, para comigo
mesmo, a honestidade intelectual. A direita pode se dar ao luxo de ser
hipócrita. Afinal, conviver com o errado sem conflitos pessoais é da essência
de sua filosofia de vida.
Mas a esquerda
não.
Então, já está
mais do que na hora, já passou da hora, aliás, de que ela pare de iludir a si
própria e aos outros com a mentira de que a corrupção só campeia em solo
alheio.
Quanto mais
não seja para que, quando algum de nós for acusado, termos que ficar ao lado da apuração
mais rigorosa e imparcial, até mesmo para demonstrar a respectiva inocência.
E quando isso
não ocorrer, cabe-nos o exemplo. E cortar na própria carne, porque honestidade não existe pela metade.
Tudo isso,
minha gente, para extravasar o que está entalado na minha garganta:
O caso
Cachoeira não interfere no mensalão, e o mensalão não interfere no caso
Cachoeira, salvo na circunstância de que são, ambos, galhos de uma mesma
árvore, qual seja a podridão que grassa nos subterrâneos da política
brasileira.
É preciso,
sim, julgar o mensalão, com todo o rigor, e na forma da lei. Isto quer dizer, um julgamento justo, com
amplo direito à defesa e ao contraditório. O nosso Supremo Tribunal Federal tem
dado inúmeras provas, cabais e irrefutáveis, de que está à altura plena do
momento histórico que estamos vivendo. Se não tiver ocorrido o escândalo, como
esbravejam os petistas, a Corte Maior o declarará sem embargo; mas se for o
contrário, ela também o fará, e, neste caso, que os culpados sejam apontados e
exemplarmente punidos.
E é preciso,
por outro lado, que a CPI do Cachoeira traga ao conhecimento da sociedade todo
o esquema criminoso armado pelo empresário-bandido, doa a quem doer, sejam políticos,
empresários, criminosos, e, também, evidentemente, a mídia.
Vai ser
preciso, enfim, criar a coragem para enfrentar aqueles que se julgam acima da lei.
De uma vez por todas, é preciso que a parte peçonhenta da grande imprensa brasileira,
personificada de forma exemplar por essa vergonha que é a revista Veja, seja
colocada no banco dos réus, e julgada como deve ser. Também com todo o rigor e
na forma da lei, com defesa e contraditório.
Basta, porém,
de sermos todos, neste Brasil, reféns de um pequeno grupo de empresários
inescrupulosos, que nos manipulam como bem entendem, sempre em benefício dos
seus próprios interesses e dos de uma pequena minoria.
Ambos os
procedimentos, Cachoeira e mensalão, que de modo algum são mutuamente
excludentes, (antes pelo contrário), se corretamente levados a cabo, só vão
contribuir para o aperfeiçoamento da democracia brasileira.
Quanto mais, e
quanto mais vezes, a corrupção for trazida à luz, mais se abalará a crônica
impunidade que grassa em nossa vida política, e mais se saneará todo o ambiente
em que ela se desenvolve.
Como sempre
digo, este é o único e o melhor remédio. Nada de panos quentes.
Vamos expor
todos os carnegões (lembram do carnegão, o núcleo do furúnculo? Já falei dele,
aqui no blog, aprendi com minha avó). É sofrido, mas é o caminho da cura da
infecção.
E a cada
furúnculo eliminado estaremos mais próximos da saúde do corpo como um todo.
Jogar a
sujeira para debaixo do tapete, seja de que lado for, pode interessar a alguns,
mas de modo algum interessa à sociedade brasileira.
Portanto, mãos
à obra. Força ao julgamento do mensalão e à CPI do Cachoeira!