quinta-feira, 14 de junho de 2012

Crime Midiático

O Brasil se hipnotiza, mais uma vez, diante da mídia, para não perder nenhum detalhe sobre o macabro episódio envolvendo a mais nova viúva negra do país, que matou e esquartejou seu marido.
Que, a propósito, era executivo de uma grande empresa. Um homem rico.
Não se fala em outra coisa.
Nas mesas de bar, nas rodinhas de rua, nas conversas domésticas, o assunto domina todas as especulações. Ninguém deixa de ter uma opinião palpitante, ou mesmo um palpite opinativo.
Se a assassina agiu sozinha ou não, se tinha motivos justificados ou não, se o marido mereceu porque era infiel, se o passado nebuloso dela a condena... Alguns ousam assegurar que “até o tiro, tudo bem, afinal foi um momento de insanidade, uma briga enorme, depois de muita humilhação. Mas o que fez a seguir, que coisa horrível! Esquartejar friamente! Isso sim, não se justifica!”
Como se o marido, depois de morto, se importasse.
(Não que seja indiferente o vilipêndio de cadáver, em absoluto, não é isso o que estou dizendo – alô, alô, navegantes! –, mas considerá-lo mais grave que o homicídio em si é nada menos do que um despautério).
Todas as redes nacionais de televisão dedicam longos minutos de seus noticiários dos horários mais nobres a esmiuçar os detalhes mais escondidos e escabrosos do caso. Os jornais impressos cavocam onde podem, e estampam manchetes e mais manchetes.
Vídeos do elevador com a criminosa tirando do apartamento as malas com os restos do marido, imagens dele nas baladas com a amante prostituta, depoimento desta última à polícia com os detalhes picantes do relacionamento, testemunhos anônimos da empregada da casa contando detalhes íntimos da vida do casal, testes de DNA da filha, entrevistas chorosas com a mãe da assassina oriunda de família pobre, indignação com sua reclamação sobre o tamanho da cela onde está presa, nada é suficientemente macabro, nada é muito “mundo cão”, na busca da audiência.
Espaços enormes para o advogado de defesa e sua estratégia; opiniões de juristas a respeito dela, das suas possibilidades de sucesso e de outros desdobramentos; e, claro, nas mesas de bar e nas rodinhas de rua, a indignação e a opinião de todo mundo repentinamente virado em expert no assunto.
Enquanto isso, somente na Região Metropolitana de Curitiba, somente no último fim de semana, 18 (dezoito) pessoas morreram de maneira violenta.
Sabe-se lá quantos homicídios já aconteceram em todo o País desde o dia em que aquela moça matou o marido. Com certeza foram muitos.
Nosso genocidiozinho particular, insensível ao espetáculo, continua.
Não preciso aprofundar a pesquisa para saber que a imensa maioria dos autores e das vítimas era jovem e pobre.
Mas quem fala sobre isso? Em verdade, verdade mesmo, quem é que realmente se importa  com isso?
Não dá Ibope!
São vidas de segunda classe, em um país ainda mergulhado em profundo apartheid social.
Uma vergonha.
               Apesar da qual, continua o baile.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Belo artigo

               Excelente artigo sobre as Guardas Municipais, de co-autoria do meu amigo Eduardo Pazinato, Secretário Municipal de Segurança de Canoas, RS, publicado na Revista Carta Capital. Vale a leitura.
               Eis o link. Não deixem de conferir.
               É pegar ou largar

sábado, 9 de junho de 2012

Ah!... Esse nosso Brasil! (Final)


E então, quando a coisa parece começar a esfriar, surge o notório ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.
Nunca antes na história deste País (frase familiar, não?) um ministro do STF esteve tantas vezes nas manchetes dos jornais.
Agora, de novo.
Deste vez, para acusar o ex-presidente Lula de chantageá-lo em conversa privada, no escritório do advogado e ex-ministro Nelson Jobim, oferecendo-lhe blindagem na CPI do Cachoeira em troca de um “alívio” no julgamento do mensalão.
Estavam só os três. Ninguém gravou. Só eles sabem o que foi dito. Jobim e Lula desmentiram Gilmar categoricamente.
Então, alguém está mentindo. Nenhum dos três é flor que se cheire. Por isso, pode ser qualquer um.
Vai daí que acreditar nesta ou naquela versão, a priori, é uma temeridade, para dizer o mínimo. Na verdade, configura uma posição tendenciosa.
Pois foi justamente o que fez a jornalista Dora Kramer. Conhecida e contumaz crítica de Lula, saiu correndo a público, na sua coluna diária publicada em vários jornais do país, para endossar a versão do ministro.
Seu argumento foi terrivelmente frágil. Quase patético mesmo. Disse que admitir que Gilmar Mendes mentia era aceitar a existência de um mentiroso com assento no STF. O que configuraria um absurdo.
Isso, a seu ver, é suficiente para dar crédito a ele.
Bom.
Se é assim, digo eu que admitir que ele fala a verdade é chamar de mentiroso um ex-Presidente da República e um ex-Ministro também do STF, além de outros importantes cargos ocupados por Nelson Jobim.
Basta?
Claro que não!
(Alô, alô, navegantes: que fique claro: não estou do lado de Lula. Sei que ele é capaz de muita coisa. Inclusive, que ele pode perfeitamente bem ter feito aquilo de que o acusa o Gilmar. Mas não posso afirmar que o fez. E nem que não fez. Ninguém pode! Só o que acho estranho é que sempre tenha alguém da grande imprensa para dizer que fez, e ninguém para dizer que não fez.)
Então já sabemos, por pressuposto assumido pelos jornalistas, que o Lula não presta. Isso faz com que o Gilmar Mendes automaticamente se torne um santo?
Quem, afinal, é esse cidadão?
Com qual imaculada biografia ele se habilita a receber um crédito tão grande quanto sumário e imediato, sem fundamentação, de uma jornalista tão importante?
Ser Ministro do STF basta?
Recordemos.
Antes de chegar lá, o Dr. Gilmar era Advogado Geral da União. Como tal, sua atuação foi das mais polêmicas. Nos meios jurídicos, não eram poucos – antes pelo contrário – os operadores (advogados, juízes e promotores) dispostos a questionar suas posturas.
Independentemente de seu saber jurídico, o que se discutia, e muito, eram seus métodos, e a lisura de seus procedimentos.
Convido meus parcos leitores a conhecerem a opinião de Dalmo de Abreu Dallari, um dos nomes mais limpos e notáveis da história do Direito brasileiro, quando da indicação de Gilmar para o STF. Do alto da unanimidade e da reputação irretocável que alcançou, o mestre já profetizava, em artigo publicado na Folha de São Paulo de 08 de maio de 2002, os problemas que viriam.
Eis o link, para quem quiser detalhes; o artigo está na pág. 3 do primeiro caderno do jornal:
De lá para cá, o Ministro só confirmou o que de pior se esperava.
Foi ele que (em conjunto com a revista Veja, olhem só) inviabilizou a punição do banqueiro Daniel Dantas, autor notório de inúmeros crimes de colarinho branco flagrados e provados pela Operação Satiagraha da Polícia Federal, comandada pelo então Delegado Protógenes Queirós. O Ministro libertou o banqueiro mais de uma vez e ainda fez o que pode para desmoralizar o delegado, que se viu forçado a sair da PF e hoje é deputado federal.
Foi ele, Ministro Gilmar, quem apareceu na imprensa várias vezes protestando contra outras ações da Polícia Federal, todas elas – que coincidência! – desferidas contra figuras poderosas da vida nacional.
Foi ele, Ministro Gilmar Mendes que, quando presidente do STF, foi, em outras palavras, chamado de algo como “quadrilheiro” por um colega de Corte, o Ministro Joaquim Barbosa, em sessão pública do Tribunal.
O Ministro Gilmar protagonizou, vejam só, com o Senador Demóstenes Torres – ninguém menos! – um dos episódios mais sombrios e bizarros da vida nacional recente.
Fez um escândalo na imprensa (grande novidade!) denunciando que a Abin – Agência Brasileira de Inteligência estava “grampeando” as conversas entre os dois (ele e o senador...).
Que isso era um absurdo, e tal e coisa, onde já se viu, a dignidade de duas figuras tão importantes, etc.
Foi ao próprio Presidente exigir providências! Não deixaria barato!
Conseguiu nada menos do que arruinar a carreira daquele que com certeza é um dos melhores – provavelmente o melhor – policiais brasileiros das últimas gerações, o Delegado Paulo Lacerda, da Polícia Federal, que naquele momento chefiava a Abin.
Destituído praticamente sem direito à defesa, diante do poder de um Ministro do STF, o Delegado hoje enfrenta o ostracismo em algum cargo de terceiro ou quarto escalão, escondido por completo, privando o Brasil do seu brilho, da sua competência, e, sobretudo, da sua integridade. Um enorme prejuízo para todos nós.
E a troco de que? De uma acusação falsa! Sem fundamento!
O Ministro Gilmar falou, falou, mas nunca provou absolutamente nada!
Até hoje não apareceu nenhum áudio de qualquer conversa entre as duas ínclitas figuras, que agora estão novamente na mesma trincheira, dentro de uma briga cada vez mais suja.
Para qualquer um, acusar sem provas é errado. Para um jurista, mortal. E para um Ministro do mais alto tribunal do País, o que deveria ser?
Quem pediu contas disso a Gilmar Mendes?
Quem pediu desculpas a Paulo Lacerda?
Ninguém. E ninguém de novo.
Há tantos outros episódios nebulosos envolvendo a figura, que gastaríamos aqui um tempo e um espaço desnecessário.
Acho que para o que quero mostrar, os fatos acima – todos públicos e notórios – já bastam.
E o que quero mostrar, minha gente, é o seguinte:
Não estou dizendo que o Lula presta. Não estou dizendo que o Jobim presta. Portanto, não estou afirmando, de modo algum, que eles estão dizendo a verdade.
Mas também não estou afirmando que estão mentindo.
Não tenho, assim como ninguém tem, elementos para aceitar qualquer uma das duas hipóteses.
O que estou dizendo, com todas as letras, é que o tampouco o Ministro Gilmar Mendes presta, e que o fato de ser Ministro do STF não é suficiente para provar o contrário.
Portanto, acho leviano, irresponsável ou, talvez, premeditadamente de má-fé, afirmar que ele é que está dizendo a verdade, sem qualquer indício ou prova que não seja simplesmente a palavra dele e o posto que ocupa.
É isso o que fez a jornalista Dora Kramer.
E é isto o que acho profundamente lamentável.
Quando afirmo que a CPÌ do Cachoeira tem a oportunidade histórica de colocar a imprensa na berlinda, para discutir, entre outras coisas, seu papel, é a isso que me refiro.
Parece óbvio que a principal tarefa da mídia é informar. Ela mesma não cansa de repetir isso. Ora, informar é apenas e tão somente transmitir informação. É evidente que deve existir também a mídia opinativa, que transmita uma visão de mundo. Mas a ética jornalística obriga a que os veículos transmitam as opiniões de forma equilibrada, mostrando os prós e os contras de cada situação analisada.
Em meio a isso, claro, há o espaço para a opinião dos proprietários do veículo. Para esta são destinados os editoriais. Quando íntegro, é ali que o veículo expressa a sua própria visão de mundo. O leitor sabe disso e toma o fato na devida consideração.
A distorção que está ocorrendo no Brasil é óbvia, e sua expressão máxima é a revista Veja. Qualquer um que examine suas edições de uns anos para cá com um mínimo de senso crítico vai perceber que informar é a última de suas preocupações.
Em verdade a revista tornou-se um verdadeiro militante político, lutando em prol de uma causa!
Não há como negar isso. Os donos da Editora Abril possuem uma determinada concepção acerca de como deve ser o País, social e economicamente, e se utilizam de suas publicações, escancaradamente, para influenciar a população brasileira a pensar como eles!
Será que isso é correto?
Não sei. Eu acho que não. Mas quem sou eu? Quase ninguém.
Não cabe a mim decidir.
Nem a você.
Nem, com certeza, aos donos da Veja.
Ou à Dora Kramer.
É uma decisão que cabe a toda a sociedade brasileira.
O que faz a Veja é um exercício correto da liberdade de imprensa? Está dentro dos limites éticos? Quais são esses limites? Liberdade de imprensa é o mesmo que liberdade de expressão? A quem interessa confundir dois conceitos tão distintos?
Se todos devem responder por seus atos, por que é que quando se trata de chamar a isso um jornalista parece que o mundo vai cair? Está o jornalista acima dos demais cidadãos? Está a mídia liberada para fazer o que bem entender, com quem bem quiser, em nome da liberdade de imprensa? Ou para proteger a quem bem lhe interessar, em nome dessa mesma liberdade?
Quais, afinal, são os direitos do cidadão diante desse imenso poder?
É isso, minha gente, o que está em discussão. Nada menos.
Com a palavra, a CPI do Cachoeira.
Com a palavra, também, cada um de nós.
Eu estou aqui, fazendo a minha parte.
E você?

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P.S. - Por que diabos será que o Ministro Gilmar Mendes demorou mais de um mês para vir a público dizer que o Lula tentou aliciá-lo? Não deveria ter botado a boca no trombone ne mesma hora? Não é isso o que faria qualquer pessoa indignada com uma abordagem desse tipo?

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Ah!... Esse nosso Brasil! (Parte III)

Muito bem.
Nos dois primeiros capítulos dessa pequena reflexão em voz muito baixa, tentei fazer uma análise acerca da briga que tomou conta de alguns setores do país, de forma polarizada.
Conforme vimos, além de ser uma disputa entre militantes contra e a favor do governo (representados, conforme o lado, por “contra o ‘mensalão’” e “a favor da CPI do Cachoeira” ou vice-versa), ela envolve uma questão de alta relevância histórica, que é o papel e os limites (se existem) da imprensa em uma sociedade verdadeiramente democrática.
Esta última faceta não ganha repercussão maior porque se trava apenas através de blogs de menor alcance.
A grande imprensa, aquela que possui o poder de moldar amplos setores da opinião pública, no geral criou uma espécie de círculo de silêncio dentro do qual busca manter a intocabilidade da qual até aqui tem desfrutado.
Repito: toda a grande imprensa criou uma cortina de aço para blindar a revista Veja e poupá-la de responder pelas barbaridades escandalosas e escancaradas que fez em conluio – isso mesmo, conluio! – com o bandido Cachoeira.
(Alô, alô, navegantes, antes que me rotulem: como em tudo nessa vida, neste caso também tenho lado: sou a favor de a CPI ir a fundo, porque a maracutaia envolvendo amplos setores da elite brasileira está absolutamente na cara! Isto não quer dizer que não sou um ornitorrinco! Não acho o mensalão, a priori, uma “farsa”! E nem o contrário. Sou a favor de que o STF decida. E logo, com autonomia e isenção. E que fique claro: mesmo reconhecendo enormes avanços para o Brasil durante o Governo Lula, estou convicto de que no quesito moralidade ele foi péssimo, com a permissividade alcançando níveis inéditos; e isso não pode e não deve ser deixado pra lá).
Pois bem.
Ocorre que, aqui e ali, ela (a grande imprensa) quebra sua estratégia. Então, o círculo (de silêncio) se rompe, e o leviatã desfere agudas e momentâneas ofensivas para, em seguida, calar-se novamente.
Para conferir maior força ao ataque, escolhe cuidadosamente seus porta-vozes entre aqueles jornalistas e intelectuais de maior nomeada.
Quer com isso passar a impressão de que é a opinião pública quem fala. Uma distorção, claro, como outras tantas.
O espantoso é o nome dos que se prestam ao papel. Claro que o engodo prospera em relação às pessoas que não atentam para esse contexto todo, no qual os comentários se inserem. Entretanto, para quem analisa com um pouquinho mais de profundidade, ele é de um óbvio ululante.
Quero falar sobre dois casos especialmente lamentáveis: Demétrio Magnoli e Dora Kramer.
O primeiro figura entre os grandes intelectuais do País.
Sociólogo, geógrafo humano, comentarista consagrado da imprensa escrita e televisiva, autor de inúmeros livros e artigos, conquistou respeito em alguns círculos do pensamento brasileiro.
Atrevo-me, porém, daqui da minha humilde insignificância, a vislumbrar nos pés desse gigante alarmantes indícios de barro.
Tempos atrás li artigo de sua lavra no qual já dava sinais de pensamento bastante retrógrado. Para meu espanto, é contrário ao desarmamento. Fiquei chocado porque, como todos sabem, considero essa uma posição obscurantista, indigna de alguém com tantas luzes.
Na época, em artigo que publiquei sobre o tema, fiz velada referência crítica à postura do mencionado intelectual. E rebati fundamentadamente sua posição.
Pois não é que agora me vem ele a público para defender, com alucinante parcialidade, a revista Veja e seu editor chefe Policarpo Junior, no episódio de promiscuidade explícita com o bicheiro??!!
E o faz da forma mais rastaquera! Recorre ao velho e manjado estratagema de tentar desfazer a acusação através da desqualificação do acusador!
Saiu também na Gazeta do Povo. Eis o link, para quem quiser ler:
Demétrio Magnoli - Os Bons Companheiros
             Não vou aqui defender este ou aquele, pessoalmente atacado pelo articulista, até porque não recebi procuração de nenhum deles para isso. O que se discute não é se são - ou foram outrora - bons ou ruins, mas se o que dizem sobre o tema em discussão tem ou não tem fundamento.
              Atenho-me, portanto, exclusivamente a isso.
Minha gente: até as pedras que rolam pelas ruas da Praça dos Três Poderes, em Brasília, sabem o quanto é indefensável a posição do Sr. Policarpo Jr. e da revista Veja. Dizer que a relação deles com o bandido Cachoeira era meramente a de jornalista-fonte e obedecia a um mínimo da ética jornalística significa uma distorção bárbara. São dois pesos e duas medidas, da forma mais obscena! Por menos, muito menos, a própria Veja reduziria a mil pedacinhos um político qualquer que lhe fosse desafeto.
No entanto é exatamente isso o que faz o Sr. Magnoli! O mesmo que acha que proibir o cidadão comum de andar armado é restringir-lhe as liberdades individuais!
Na verdade, minha gente, a máscara do grande intelectual cai quando, no corpo do seu próprio texto, a alturas tantas, lê-se a expressão “lulo-petismo” (epíteto pejorativo, ele mesmo muitíssimo rastaquera, criado pela própria Veja para desqualificar a prática política de seus adversários). Eis o gigante revelando seus pés de barro. Mostra-se alinhado acriticamente a um dos lados da peleja.
Para um intelectual, nada pode ser mais letal do que a postura acrítica.
A luta, como já disse, é cruenta, baixa, hipócrita e suja. Quem está colocado incondicionalmente em um dos lados acaba por incorporar tais qualificativos.
Uma pena.
No próximo capítulo, analisaremos a ação parcial e manipuladora da consagrada jornalista Dora Kramer no recente episódio envolvendo o ex-presidente Lula e o Ministro do STF Gilmar Mendes.
               Aguardem.


(continua...)

sábado, 2 de junho de 2012

Ah!...Esse nosso Brasil! (Parte II)


A propósito dessa brigarada toda, não posso deixar de registrar uma nova indignação.
A maior parte da celeuma se trava na blogosfera. Nela se degladiam vários jornalistas e outros intelectuais, todos de menor expressão. Quase nenhum deles é isento. Pelo contrário, acusam-se mutuamente – em geral com razão – de estarem comprometidos com um ou outro lado da refrega.
Estes daqui “recebem dinheiro de empresas governamentais”, e, então, “são sabujos do PT”. Por isso, estão na canoa 1 (aquela que diz que o "mensalão" não passa de uma farsa, que a CPI do Cachoeira só deve investigar os políticos tucanos, e outras “cositas” do gênero).
Aqueles de lá são “reconhecidamente neo-liberais e entreguistas”, razão pela qual não poderiam navegar senão na canoa 2, e denunciar espalhafatosamente o que chamam de “lulo-petismo”, além de advogar intransigentemente a apuração rigorosa e imediata do “mensalão”, e menosprezar as ligações “Cachoeira-Demóstenes Torres”.
Então, sabidos os compromissos de cada um, os descontos a serem dados são de tal magnitude que a briga se restringe a uma baixaria insuportável.
Ocorre, entretanto, que os interesse em jogo são maiores, muito maiores, do que isso.
Está na berlinda nada menos do que a maior revista semanal do País. E, com ela, toda a nossa grande imprensa, seu papel na democracia, sua ética e, por incrível que pareça, seus limites (será que existem?)
Ou seja: a CPI do Cachoeira, querendo ou não, vai ser obrigada a tomar decisões que representarão um marco histórico do Brasil.
Vai precisar dar respostas a perguntas que não querem calar, e que são mais ou menos as seguintes: deve ou não deve a grande imprensa responder pelos seus atos perante a sociedade? Estão ou não estão os jornalistas (principalmente aqueles da mídia de grande alcance) acima dos cidadãos comuns? Ou da lei? Quais os limites éticos do exercício profissional, nessa área, se é que existem?
Digo que tais decisões são obrigatórias porque chegamos a um ponto em que a CPI não pode mais fugir delas. Trata-se de questão posta.
O Brasil inteiro sabe que o bandido utilizou-se abertamente da revista Veja, através principalmente de seu editor-chefe brasiliense, o jornalista Policarpo Junior, para atacar e destruir seus inimigos e, com isso, evidentemente, beneficiar-se e, por extensão, à sua organização criminosa.
O Brasil inteiro sabe que a Veja prestou-se a esse jogo, e sabe que o fez por dois motivos: um, que os inimigos do bandido eram também seus inimigos, e que, portanto, destruí-los era também seu interesse; e dois que as informações que o bandido lhe fornecia (e que obtinha por meios nem sempre legais – o que, aliás, a Veja sabia mas fingia ignorar) garantiam “furos” de reportagem que proporcionavam aumento de venda e lucro (ah, o “dindim”...!).
Por isso, descarregou seu imenso poder sobre os inimigos de Cachoeira e os destruiu, um a um. Sabia, claro, que com isso também beneficiava a organização criminosa desse bandido, o Cachoeira, seu parceiro.
O Brasil inteiro sabe que, mesmo ciente disso, a revista Veja não denunciou a organização criminosa que beneficiava, justamente porque se o fizesse estaria matando a “galinha dos ovos de ouro”, para ela duplamente valiosa.
O Brasil inteiro percebeu que quando explodiu o escândalo das fitas gravadas pela Polícia Federal, expondo as entranhas podres da amizade entre o bandido Cachoeira e o Senador Demóstenes Torres, até então o mais notório “guardião” da ética política no Brasil (alguém o chamou jocosamente, dia desses, na internet, de “o último Varão de Plutarco”...) a revista Veja adotou uma postura discreta, quase ignorando o tema.
Tratou a questão de forma totalmente distinta das anteriores, quando crucificou de maneira implacável os políticos flagrados em falsete.
Só faltou silenciar. Não o fez, mas quase. Enquanto pode, relegou o tema a pequenas matérias, escondidas nas páginas internas. Pior: lavradas com palavras de uma suavidade pueril, quase virginal.
Capa? Nem pensar.
Mesmo sendo um escândalo muito maior e mais grave do que muitos daqueles outros aos quais a revista dedicou edições quase apoplécticas.
Os exemplares dela, da época, estão por aí, para quem quiser olhar com olhos de ver.
Sua atitude “dois pesos e duas medidas”, escancarada, vergonhosa, embora, claro, não se justifique, se explica facilmente.
É que os dois principais envolvidos no escândalo não figuram propriamente no rol de seus inimigos.
Pelo contrário.
Cahoeira, como já vimos, foi por longo tempo, seu parceiro. Pode-se dizer até, pelo teor de algumas conversas já dadas a público pela Polícia Federal, que foi seu mentor. Chegava a determinar em qual setor da revista deveria ser publicado este ou aquele assunto que fornecia a ela .
E Demóstenes, este, além de representar o pensamento ideológico retrógrado dos donos da revista no Congresso, ainda por cima o fazia com postura irretocável, incorruptível!
Basta ler a Veja retroativamente, a partir de quando o escândalo eclodiu, para conhecer a admiração que dedicava ao Senador. Tinha-o realmente como um Varão de Plutarco, o supremo guardião da moralidade.
Promovia-o de modo a fazer com que o Brasil soubesse que quando alguém desejasse aprender a fazer política séria, era a ele que deveria se voltar.
E então... a casa caiu.
Temos, portanto, a seguinte equação: o objetivo expresso da CPI é apurar as relações espúrias do bandido Carlinhos Cachoeira em todos os setores da vida nacional, principalmente com políticos e empresários.
Natural – pois não? – que se debruce sobre os vínculos mais que duvidosos dele com a revista Veja. Que, por óbvio pertence a uma empresa, a Editora Abril. Não é mesmo? Pois é.
                   Há um grande e surdo clamor para que faça isso.
Só que, se o fizer, vai colocar na ordem do dia, através da Veja, toda a imprensa. Qual o seu papel? Quais os seus limites? Há limites?
Ora, obviamente ela, a imprensa, não tem o menor interesse nisso. Quer continuar na boa, mandando e desmandando, como tem feito até agora.
E é por isso, meu caro leitor (sei que há pelo menos um, por aí), que o tal clamor do qual eu falei é surdo.
                  Você talvez nem mesmo saiba dele, é ou não é? Mas, acredite, ele existe.
Você tem visto, entretanto, algum grande veículo noticioso falar neste assunto? Não? Nem eu.
Como você, a maior parte das pessoas sequer sabe que isso está na baila.
Será que é porque não é importante? Ou porque é pouco importante?
Eu, pelo menos, não acho isso. Pelo contrário, penso que é muito, muitíssimo importante. Essencial mesmo. E você, o que acha?
Mas não aparece. Pelo contrário. Dá a impressão de que nem existe.
Com exceção da revista Carta Capital, que sempre tenta uma linha diferente, e da TV Record, que dias atrás fez uma bela matéria mostrando tudo (que ironia, hein?!, termos que depender do Bispo Macedo para vermos um pouco de verdade vir à tona neste País...) e aliás já sofre represálias por isso de suas co-irmãs, o silêncio é absolutamente sepulcral!
Criou-se um escudo de chumbo, de auto-proteção. Uma coisa de verdadeira omertá (a lei de “honra” e segredo que os mafiosos usam para protegerem uns aos outros).
Mesmo assim, a CPI não tem saída a não ser posicionar-se sobre a questão. Expressa ou tacitamente, ela o fará, queira ou não.
A questão está posta e a demanda existe. Não tem como fugir.
Mesmo se resolver não se pronunciar, terá decidido. A própria omissão será, com certeza, uma tomada de posição.
Significará que o Congresso Nacional, ele próprio uma das mais martirizadas vítimas da nossa imprensa inescrupulosa (às vezes com justiça, mas com certeza nem sempre!), terá se vergado a ela de forma humilhante, abrindo mão de seu papel mais importante, que é o de dar voz à sociedade. Terá renunciado à oportunidade histórica de servir de farol orientador da democracia brasileira na noite até então vivida por um de seus  vetores mais delicados.
Se  a revista Veja estiver correta, nem ela nem seus pares devem temer a exposição na CPI. Por que, então, o lobby do silêncio? Por qual razão já nem mesmo na própria CPI se fala mais no assunto?
Caso contrário, o Brasil merece ser esclarecido, o erro - que seria gravíssimo - precisaria ser corrigido, e os culpados rigorosamente punidos, doesse a quem doesse. Além disso, seria preciso aprender com esse erro, e criar sistemas que evitassem sua repetição.
Assim é que se aperfeiçoa a democracia.
E não, absolutamente, criando feudos de poder, quaisquer que eles sejam, nos quais se encastelam pessoas que se julgam acima das outras e da própria lei.
              E, o que é ainda muito pior, que lamentavelmente são desta forma  reconhecidos e tratados por alguns.

(continua...)