sábado, 9 de junho de 2012

Ah!... Esse nosso Brasil! (Final)


E então, quando a coisa parece começar a esfriar, surge o notório ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.
Nunca antes na história deste País (frase familiar, não?) um ministro do STF esteve tantas vezes nas manchetes dos jornais.
Agora, de novo.
Deste vez, para acusar o ex-presidente Lula de chantageá-lo em conversa privada, no escritório do advogado e ex-ministro Nelson Jobim, oferecendo-lhe blindagem na CPI do Cachoeira em troca de um “alívio” no julgamento do mensalão.
Estavam só os três. Ninguém gravou. Só eles sabem o que foi dito. Jobim e Lula desmentiram Gilmar categoricamente.
Então, alguém está mentindo. Nenhum dos três é flor que se cheire. Por isso, pode ser qualquer um.
Vai daí que acreditar nesta ou naquela versão, a priori, é uma temeridade, para dizer o mínimo. Na verdade, configura uma posição tendenciosa.
Pois foi justamente o que fez a jornalista Dora Kramer. Conhecida e contumaz crítica de Lula, saiu correndo a público, na sua coluna diária publicada em vários jornais do país, para endossar a versão do ministro.
Seu argumento foi terrivelmente frágil. Quase patético mesmo. Disse que admitir que Gilmar Mendes mentia era aceitar a existência de um mentiroso com assento no STF. O que configuraria um absurdo.
Isso, a seu ver, é suficiente para dar crédito a ele.
Bom.
Se é assim, digo eu que admitir que ele fala a verdade é chamar de mentiroso um ex-Presidente da República e um ex-Ministro também do STF, além de outros importantes cargos ocupados por Nelson Jobim.
Basta?
Claro que não!
(Alô, alô, navegantes: que fique claro: não estou do lado de Lula. Sei que ele é capaz de muita coisa. Inclusive, que ele pode perfeitamente bem ter feito aquilo de que o acusa o Gilmar. Mas não posso afirmar que o fez. E nem que não fez. Ninguém pode! Só o que acho estranho é que sempre tenha alguém da grande imprensa para dizer que fez, e ninguém para dizer que não fez.)
Então já sabemos, por pressuposto assumido pelos jornalistas, que o Lula não presta. Isso faz com que o Gilmar Mendes automaticamente se torne um santo?
Quem, afinal, é esse cidadão?
Com qual imaculada biografia ele se habilita a receber um crédito tão grande quanto sumário e imediato, sem fundamentação, de uma jornalista tão importante?
Ser Ministro do STF basta?
Recordemos.
Antes de chegar lá, o Dr. Gilmar era Advogado Geral da União. Como tal, sua atuação foi das mais polêmicas. Nos meios jurídicos, não eram poucos – antes pelo contrário – os operadores (advogados, juízes e promotores) dispostos a questionar suas posturas.
Independentemente de seu saber jurídico, o que se discutia, e muito, eram seus métodos, e a lisura de seus procedimentos.
Convido meus parcos leitores a conhecerem a opinião de Dalmo de Abreu Dallari, um dos nomes mais limpos e notáveis da história do Direito brasileiro, quando da indicação de Gilmar para o STF. Do alto da unanimidade e da reputação irretocável que alcançou, o mestre já profetizava, em artigo publicado na Folha de São Paulo de 08 de maio de 2002, os problemas que viriam.
Eis o link, para quem quiser detalhes; o artigo está na pág. 3 do primeiro caderno do jornal:
De lá para cá, o Ministro só confirmou o que de pior se esperava.
Foi ele que (em conjunto com a revista Veja, olhem só) inviabilizou a punição do banqueiro Daniel Dantas, autor notório de inúmeros crimes de colarinho branco flagrados e provados pela Operação Satiagraha da Polícia Federal, comandada pelo então Delegado Protógenes Queirós. O Ministro libertou o banqueiro mais de uma vez e ainda fez o que pode para desmoralizar o delegado, que se viu forçado a sair da PF e hoje é deputado federal.
Foi ele, Ministro Gilmar, quem apareceu na imprensa várias vezes protestando contra outras ações da Polícia Federal, todas elas – que coincidência! – desferidas contra figuras poderosas da vida nacional.
Foi ele, Ministro Gilmar Mendes que, quando presidente do STF, foi, em outras palavras, chamado de algo como “quadrilheiro” por um colega de Corte, o Ministro Joaquim Barbosa, em sessão pública do Tribunal.
O Ministro Gilmar protagonizou, vejam só, com o Senador Demóstenes Torres – ninguém menos! – um dos episódios mais sombrios e bizarros da vida nacional recente.
Fez um escândalo na imprensa (grande novidade!) denunciando que a Abin – Agência Brasileira de Inteligência estava “grampeando” as conversas entre os dois (ele e o senador...).
Que isso era um absurdo, e tal e coisa, onde já se viu, a dignidade de duas figuras tão importantes, etc.
Foi ao próprio Presidente exigir providências! Não deixaria barato!
Conseguiu nada menos do que arruinar a carreira daquele que com certeza é um dos melhores – provavelmente o melhor – policiais brasileiros das últimas gerações, o Delegado Paulo Lacerda, da Polícia Federal, que naquele momento chefiava a Abin.
Destituído praticamente sem direito à defesa, diante do poder de um Ministro do STF, o Delegado hoje enfrenta o ostracismo em algum cargo de terceiro ou quarto escalão, escondido por completo, privando o Brasil do seu brilho, da sua competência, e, sobretudo, da sua integridade. Um enorme prejuízo para todos nós.
E a troco de que? De uma acusação falsa! Sem fundamento!
O Ministro Gilmar falou, falou, mas nunca provou absolutamente nada!
Até hoje não apareceu nenhum áudio de qualquer conversa entre as duas ínclitas figuras, que agora estão novamente na mesma trincheira, dentro de uma briga cada vez mais suja.
Para qualquer um, acusar sem provas é errado. Para um jurista, mortal. E para um Ministro do mais alto tribunal do País, o que deveria ser?
Quem pediu contas disso a Gilmar Mendes?
Quem pediu desculpas a Paulo Lacerda?
Ninguém. E ninguém de novo.
Há tantos outros episódios nebulosos envolvendo a figura, que gastaríamos aqui um tempo e um espaço desnecessário.
Acho que para o que quero mostrar, os fatos acima – todos públicos e notórios – já bastam.
E o que quero mostrar, minha gente, é o seguinte:
Não estou dizendo que o Lula presta. Não estou dizendo que o Jobim presta. Portanto, não estou afirmando, de modo algum, que eles estão dizendo a verdade.
Mas também não estou afirmando que estão mentindo.
Não tenho, assim como ninguém tem, elementos para aceitar qualquer uma das duas hipóteses.
O que estou dizendo, com todas as letras, é que o tampouco o Ministro Gilmar Mendes presta, e que o fato de ser Ministro do STF não é suficiente para provar o contrário.
Portanto, acho leviano, irresponsável ou, talvez, premeditadamente de má-fé, afirmar que ele é que está dizendo a verdade, sem qualquer indício ou prova que não seja simplesmente a palavra dele e o posto que ocupa.
É isso o que fez a jornalista Dora Kramer.
E é isto o que acho profundamente lamentável.
Quando afirmo que a CPÌ do Cachoeira tem a oportunidade histórica de colocar a imprensa na berlinda, para discutir, entre outras coisas, seu papel, é a isso que me refiro.
Parece óbvio que a principal tarefa da mídia é informar. Ela mesma não cansa de repetir isso. Ora, informar é apenas e tão somente transmitir informação. É evidente que deve existir também a mídia opinativa, que transmita uma visão de mundo. Mas a ética jornalística obriga a que os veículos transmitam as opiniões de forma equilibrada, mostrando os prós e os contras de cada situação analisada.
Em meio a isso, claro, há o espaço para a opinião dos proprietários do veículo. Para esta são destinados os editoriais. Quando íntegro, é ali que o veículo expressa a sua própria visão de mundo. O leitor sabe disso e toma o fato na devida consideração.
A distorção que está ocorrendo no Brasil é óbvia, e sua expressão máxima é a revista Veja. Qualquer um que examine suas edições de uns anos para cá com um mínimo de senso crítico vai perceber que informar é a última de suas preocupações.
Em verdade a revista tornou-se um verdadeiro militante político, lutando em prol de uma causa!
Não há como negar isso. Os donos da Editora Abril possuem uma determinada concepção acerca de como deve ser o País, social e economicamente, e se utilizam de suas publicações, escancaradamente, para influenciar a população brasileira a pensar como eles!
Será que isso é correto?
Não sei. Eu acho que não. Mas quem sou eu? Quase ninguém.
Não cabe a mim decidir.
Nem a você.
Nem, com certeza, aos donos da Veja.
Ou à Dora Kramer.
É uma decisão que cabe a toda a sociedade brasileira.
O que faz a Veja é um exercício correto da liberdade de imprensa? Está dentro dos limites éticos? Quais são esses limites? Liberdade de imprensa é o mesmo que liberdade de expressão? A quem interessa confundir dois conceitos tão distintos?
Se todos devem responder por seus atos, por que é que quando se trata de chamar a isso um jornalista parece que o mundo vai cair? Está o jornalista acima dos demais cidadãos? Está a mídia liberada para fazer o que bem entender, com quem bem quiser, em nome da liberdade de imprensa? Ou para proteger a quem bem lhe interessar, em nome dessa mesma liberdade?
Quais, afinal, são os direitos do cidadão diante desse imenso poder?
É isso, minha gente, o que está em discussão. Nada menos.
Com a palavra, a CPI do Cachoeira.
Com a palavra, também, cada um de nós.
Eu estou aqui, fazendo a minha parte.
E você?

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P.S. - Por que diabos será que o Ministro Gilmar Mendes demorou mais de um mês para vir a público dizer que o Lula tentou aliciá-lo? Não deveria ter botado a boca no trombone ne mesma hora? Não é isso o que faria qualquer pessoa indignada com uma abordagem desse tipo?

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