quinta-feira, 14 de junho de 2012

Crime Midiático

O Brasil se hipnotiza, mais uma vez, diante da mídia, para não perder nenhum detalhe sobre o macabro episódio envolvendo a mais nova viúva negra do país, que matou e esquartejou seu marido.
Que, a propósito, era executivo de uma grande empresa. Um homem rico.
Não se fala em outra coisa.
Nas mesas de bar, nas rodinhas de rua, nas conversas domésticas, o assunto domina todas as especulações. Ninguém deixa de ter uma opinião palpitante, ou mesmo um palpite opinativo.
Se a assassina agiu sozinha ou não, se tinha motivos justificados ou não, se o marido mereceu porque era infiel, se o passado nebuloso dela a condena... Alguns ousam assegurar que “até o tiro, tudo bem, afinal foi um momento de insanidade, uma briga enorme, depois de muita humilhação. Mas o que fez a seguir, que coisa horrível! Esquartejar friamente! Isso sim, não se justifica!”
Como se o marido, depois de morto, se importasse.
(Não que seja indiferente o vilipêndio de cadáver, em absoluto, não é isso o que estou dizendo – alô, alô, navegantes! –, mas considerá-lo mais grave que o homicídio em si é nada menos do que um despautério).
Todas as redes nacionais de televisão dedicam longos minutos de seus noticiários dos horários mais nobres a esmiuçar os detalhes mais escondidos e escabrosos do caso. Os jornais impressos cavocam onde podem, e estampam manchetes e mais manchetes.
Vídeos do elevador com a criminosa tirando do apartamento as malas com os restos do marido, imagens dele nas baladas com a amante prostituta, depoimento desta última à polícia com os detalhes picantes do relacionamento, testemunhos anônimos da empregada da casa contando detalhes íntimos da vida do casal, testes de DNA da filha, entrevistas chorosas com a mãe da assassina oriunda de família pobre, indignação com sua reclamação sobre o tamanho da cela onde está presa, nada é suficientemente macabro, nada é muito “mundo cão”, na busca da audiência.
Espaços enormes para o advogado de defesa e sua estratégia; opiniões de juristas a respeito dela, das suas possibilidades de sucesso e de outros desdobramentos; e, claro, nas mesas de bar e nas rodinhas de rua, a indignação e a opinião de todo mundo repentinamente virado em expert no assunto.
Enquanto isso, somente na Região Metropolitana de Curitiba, somente no último fim de semana, 18 (dezoito) pessoas morreram de maneira violenta.
Sabe-se lá quantos homicídios já aconteceram em todo o País desde o dia em que aquela moça matou o marido. Com certeza foram muitos.
Nosso genocidiozinho particular, insensível ao espetáculo, continua.
Não preciso aprofundar a pesquisa para saber que a imensa maioria dos autores e das vítimas era jovem e pobre.
Mas quem fala sobre isso? Em verdade, verdade mesmo, quem é que realmente se importa  com isso?
Não dá Ibope!
São vidas de segunda classe, em um país ainda mergulhado em profundo apartheid social.
Uma vergonha.
               Apesar da qual, continua o baile.

4 comentários:

  1. Infelizmente a própria questão da violência só ganha espaço nas arenas de debate quando sai da "periferia" e atinge as classes média e alta. De fato, enquanto os pobres estiverem se matando em suas "favelas", o mundo parece não se importar, ou melhor, a mídia parece não se importar. Porque, no fim das contas, existem algumas olhares para os excluidos e que se importam.

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  2. Excelente avaliação.
    Também acredito que estamos perdendo valores morais importantes e tenho muita pena dessas pessoas doentes que traem, matam e esquartejam pois são todas muito infelizes.
    Adorei Marcelo

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  3. Da ibope, vende jornal! Dinheiro na verdade e o dinheiro que entra. Afinal e uma ENORME distracaotanto como as novelas da rede bobo de tv ( que de bobo nao tem nada convenhamos.) Comentei numa discussao em uma rede social, e a banalizacao do crime, da vida e da morte. Pao e circo!!!
    Sobre a sua pergunta final, existe sim uma minoria que se importa com isto. A maioria ainda quer levar vantagem e da- lhe mais circo do que pao!
    Compartilho.

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  4. Fico feliz de saber que tem quem se importe. É preciso que saiamos de nossos casulos e façamos com que esse desequilíbrio repercuta e as mídias passem a tratar o tema com mais responsabilidade. Assim, a opinião pública estará mais "ligada" na questão, e as sementes jogadas pelos que lutam pelo fim do apartheid cairão em solo mais fértil e frutificarão mais depressa. Cada dia representa mais vidas.
    Um grande beijo a todas, e obrigado pela contribuição. Apareçam sempre por aqui.

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