segunda-feira, 17 de junho de 2013

Sorria, Você Está Sendo Enganado!

Está quente o debate, no Brasil, sobre a questão da redução da maioridade penal.
Como sempre, ele se dá de uma forma maniqueísta, polarizada. Não há meios-termos. Só paixões.
Eu, como sempre, tenho uma posição definida a respeito, e, também como sempre, morro de vontade de expor essa posição aqui, publicamente.
E isso faz tempo. Vem desde que a discussão começou. Mas tem tanta gente, falando tanta coisa, em tantos meios, que parece que já está tudo dito. Então eu achei melhor me conter. E tenho resistido, bravamente. Mas agora começou a acontecer algo que muda tudo. Então, não tem mais jeito. Preciso dizer de uma vez:
Sou contra a redução da maioridade penal. Total e absolutamente contra.
Pronto. Disse.
Agora, naturalmente, devo explicar por que penso assim.
Mas não vou fazê-lo.
Isto porque, como já expliquei, fala-se tanto disso, por aí, que tudo o que eu penso está exposto na internet, em vários locais, por várias pessoas. Ora, não vejo a necessidade de repetir o que já está dito. Só publico meus argumentos quando acredito que eles tenham alguma originalidade e que possam, de alguma forma, acrescentar algo novo ao debate. Aqui não é o caso.
Portanto, se você é um dos meus oito ou nove leitores, e quiser conhecer em detalhes os fundamentos da minha posição, é só buscar na web. Procure matérias e artigos que mostram que a ideia não é boa. Está tudo lá.  Abundante. Abrangente. Variado. E, a meu ver, irrespondível.
Então, perguntará você, por que diabos estou tomando o seu tempo com esta publicação?
Respondo: porque o tema dela, embora relacionado à questão da redução da maioridade penal, não é exatamente ela.
Pra variar, o que eu quero mostrar é a canalhice, o mau-caráter, a parcialidade da nossa grande imprensa. E, desta vez, mais do que em outras, as gravíssimas consequências que esses “predicados” podem acarretar à nossa sociedade e, por derivação, os prejuízos que causarão ao próprio País.
A bola da vez é a Rede Bandeirantes. Televisão, rádio, tudo.
Não se engane com a força dela, só porque não é a primeira colocada do “ranking”! Trata-se de um poderosíssimo conjunto de meios de comunicação, capaz de agir fortemente sobre a maneira de pensar de uma parcela considerável da sociedade brasileira.
Em outras palavras, ela tem condições de criar opinião pública, e influenciá-la de forma decisiva.
O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo onde pessoas dotadas de um poder de tal magnitude não estão sujeitos a algum tipo de controle capaz de obrigá-las a utilizá-lo com um mínimo de honestidade.
Ou, pelo menos, de decência. Afinal, esse poder, quando usado para distorcer realidades, pode levar a consequências tão graves quanto imprevisíveis.
Pois é exatamente o que está acontecendo neste caso.
O dono da Rede Bandeirantes é evidentemente a favor da redução da maioridade penal. E mais ainda, ele resolveu se transformar em um cruzado dessa luta. Em virtude disso,  e lixando-se solenemente para qualquer escrúpulo, lança mão de todas as armas de que dispõe.
Ocorre que a mais forte destas é exatamente o seu poder de comunicação, e conseqüente influência na mente das pessoas.
Então, minha gente, prestem atenção no que vem acontecendo de uns tempos para cá nos programas jornalísticos dos veículos filiados àquela rede.
Todos os dias, várias vezes por dia, todos eles levam ao ar matérias sobre o tema. Elas, invariavelmente, iniciam falando dos crimes bárbaros praticados por menores de 18 anos. Em seguida, como se fosse um mantra, entra em cena um pronunciamento de alguém esbravejando contra a legislação atual. Pode ser um promotor de justiça, um juiz, um delegado de polícia, etc. Ou mesmo um cidadão comum, catado na rua.
Os argumentos são sempre os mesmos. As posições, também. Todos condenam o sistema com inabalável furor.
Bom.
O que tem de errado nisso (perguntará você, caro e raro leitor)?
Tudo (responderei eu). Absolutamente tudo.
Jornalismo, por definição, é a apuração e transmissão de informações. Qualquer principiante nesse tema sabe que o primeiro dever do jornalista é este. Informar. Pura e simplesmente fornecer a seu cliente (leitor, ouvinte, telespectador, etc.) a verdade factual, de forma imparcial e isenta.
O nome disso é notícia. Um fato e seus desdobramentos, cujo conhecimento o jornalista julga ser do interesse geral da comunidade.
Paralelo ao dever de informar, existe o direito de opinar. 
Quer dizer, o jornalista pode, sempre que quiser, transmitir ao seu cliente aquilo que ele, jornalista, pensa sobre determinada notícia.
                         Se o fizer de forma honesta, o cliente será cientificado, e saberá que lhe cabe decidir soberanamente se concorda ou não com essa opinião.
E como se faz isso de forma honesta?
Simples. Todos os cursos de jornalismo, sejam acadêmicos ou vividos na prática, ensinam que, quando vai opinar, o jornalista deve deixar isso expresso e claro. Na imprensa escrita, isto se faz em forma de editoriais, cujos textos todos sabem que manifestam a posição do jornal, ou em colunas de opinião, que são sempre assinadas por seu autor.
Nos demais tipos de veículos isso se repete, com as devidas e necessárias adaptações.
O resto é notícia. Informação pura e simples. Descrição isenta e impessoal do fato. Em outras palavras, a verdade, que por sua vez é filha indeclinável e intransferível da imparcialidade.
Por outro lado a sociedade, em sua dinâmica natural, tende a refletir sobre as questões que a afetam no dia-a-dia. É absolutamente normal que essas reflexões suscitem debates, já que a pluralidade faz parte da essência do ser humano, e a multiplicidade de pontos-de-vista constitui uma de suas mais fascinantes riquezas.
São os chamados “temas polêmicos”.
Claro que, justamente por interessarem a toda a coletividade, se constituem em pauta jornalística. São notícia por excelência.
Mas um tipo específico de notícia. Aqui não se trata de simplesmente narrar um acontecimento, apenas descrever um fato que se esgota em si próprio. A polêmica faz parte integrante e nuclear dessa notícia.
Então, tornou-se uma prática ilustrá-la com comentários de terceiros, não jornalistas, normalmente especialistas ou estudiosos da matéria. O objetivo – quando honesto – é fornecer subsídios ao cliente (leitor, ouvinte, telespectador, etc.), de modo que ele tenha melhores condições de, com autonomia e liberdade, formar sua própria opinião.
Quando desonesto, constitui-se em um meio de tentar manipular a consciência desse cliente, castrando-lhe a autonomia e a liberdade, e buscando conduzir a formação de sua opinião na direção que interessa ao proprietário do veículo de comunicação.
É muito simples e fácil passar de um modus operandi a outro. Basta deixar de lado a imparcialidade.
Esta é, segundo o mais elementar dos princípios regentes do bom jornalismo, sua coluna mestra, seu alicerce maior e mais sólido. Como já disse, ela é nada menos do que a mãe da verdade.
Tratar o tema polêmico com imparcialidade significa tão somente outorgar exposição isonômica a todas as opiniões em conflito. Simples assim.
Descrito o fato, com isenção, coloca-se o tema que ele suscita; e, dada a polêmica envolvida, que conta com bons argumentos contra e a favor, ouvem-se pessoas de um e outro lado, cada uma delas enumerando os seus.
Este equilíbrio permite que o cliente passe a dispor de todas as informações de que precisa para, outra vez, formar sua opinião de maneira soberana.
Como já se disse, o jornalista tem o direito de, a qualquer momento, reforçar com sua própria opinião, o lado da polêmica que acredita estar correto. Deve, porém, fazê-lo de forma explícita, a fim de que o destinatário tenha consciência de que é a isto que ele está sendo exposto.
  Já tratar o tema polêmico deixando de lado a imparcialidade é fácil. Basta romper o equilíbrio. Sub-repticiamente, você repassa a tua opinião ao destinatário sem que ele se aperceba disso. Como? Ouça um lado só.
A receita é bem simples. Dê a notícia. Se possível, exagere nos tons, enfatize o aspecto dela que mais sensibiliza para o teu próprio ponto de vista. Depois, adorne-a com quantos comentários achar conveniente, todos eles pronunciados por pessoas dotadas de algum tipo de autoridade para fazê-lo. E, claro, todos eles defendendo o teu ponto de vista que, afinal, é aquele que você quer que o cliente adote.
Pronto.  Sua tentativa de manipulação está completa. Você passou ao cliente a noção – totalmente falsa – de que aquele entendimento é unânime, pelo menos entre quem entende do assunto e tem responsabilidade. Simplesmente não há ninguém, em seu juízo perfeito, que pense o contrário.
Com isso você o induziu a acreditar que a sua própria opinião é a única que merece ser levada em consideração. E, o que é pior, a fazê-lo inadvertidamente.
De cambulhada, como que colocando a cereja no bolo, você terá sepultado definitivamente qualquer fiapo de bom jornalismo.
Repita o procedimento à vontade. Quanto mais vezes você o fizer, maior será o número de pessoas atingidas, e mais consolidada ficará a distorção na consciência daqueles que já o foram anteriormente.
Pois então muito bem.
Agora, minha gente, chegou a hora de eu dar a vocês, uma informação que, para aqueles que se limitam a observar a Rede Bandeirantes será, além de inédita, totalmente surpreendente.
Acreditem: existe uma enorme, imensa, infinita quantidade de pessoas, neste Brasil, que é CONTRA a redução da maioridade penal!
E, o que é ainda mais surpreendente: eles são capazes de expor razões bastante fortes que os levam a pensar assim.
Há, dentre tantos outros mais, juízes, promotores, delegados, sociólogos, psicólogos, cientistas, intelectuais de todos os tipos e até – pasmem! – jornalistas, muitos jornalistas, que andam por aí demonstrando de maneira muito convincente, que a medida não resolveria nada!
Seus argumentos são sólidos, lógicos, fortes e bem estruturados. Apóiam-se em fatos, indicadores e números.
Então, meu caro e raro leitor, o mínimo que os meios de comunicação devem a você (e a todo o povo brasileiro, aliás) é um acesso a esses argumentos que seja idêntico ao que eles lhe dão aos outros, que defendem a posição contrária.
Você terá sabido, então de forma leal e imparcial (portanto verdadeira), que há boas razões embasando os dois lados, e que há especialistas, técnicos e mesmo pessoas do povo capazes de defender, com igual vigor e força de convencimento, ambas as posições.
Quais, dentre essas razões, são as corretas, a seu ver, cabe a você decidir.
Você poderá fazê-lo com base em elementos, informações e subsídios suficientes, honestos e corretos.
No caso da redução da maioridade penal, a Rede Bandeirantes não está fazendo isso.
Todos os dias, várias vezes por dia, todos os seus veículos de comunicação (rádios e TV, principalmente) seguem religiosamente a receita fraudulenta que eu dei acima. Veiculam notícias de crimes cometidos por pessoas entre 16 e 18 anos. O espaço que dão a isso é amplamente desproporcional, em relação ao número total de crimes, criando em você outra impressão falsa. Fazem parecer que esse tipo de delito, que na realidade é estatisticamente insignificante, é muito mais freqüente do que de fato é.
Em seguida mostram, com requintes de cínico sadismo, a barbárie de tais crimes, de forma a, nada sutilmente, despertar a tua repulsa. Pronto. Eis o terreno preparado para o fecho triunfal. A transmissão será inundada, literalmente inundada, de pronunciamentos de terceiros, todos eles unânimes em defender furiosamente a redução da maioridade penal como a grande panacéia que vai resolver o drama da segurança pública no Brasil.
O outro lado? Bom, este que se lixe. Afinal, não lhes interessa que você o conheça.
O que querem é ganhá-lo para a posição deles. Com isso, podem engendrar e fortalecer seu próximo passo. E qual é? Já está aí, para quem quiser ver. Esbravejam que a “opinião pública” (a mesma que eles construíram e manipularam com requintada má-fé) está do lado deles. Com isso, ganham força para implementá-la, sob o argumento de que, sendo majoritária, é mais democrática.
Mas não é. Qualquer medida adotada por uma sociedade após um debate viciado carregará esse vício em seu ventre. Os danos são grandes, duradouros e dificílimos de reverter.
                         Você? Você foi enganado e nem percebeu.

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