domingo, 25 de março de 2012

Meu Ponto de Vista - 5 - Dilma e o Congresso (Parte I)


É notável como vez por outra ocorre um episódio que sacode aquele antigo preconceito que diz que existe pouca vida inteligente no jornalismo paranaense.
Um desses aconteceu na sexta-feira, 23/03. Matéria da Gazeta do Povo, assinada por André Gonçalves, me fez pensar.
E cheguei à conclusão de que talvez esteja acontecendo algo totalmente novo em nosso País, e que pode ser muito bom.
Trata-se dos desdobramentos da crise que está ocorrendo entre o Executivo Federal e o Congresso Nacional.
A minha sensação – e acho que de todos os que prestam atenção – quanto à crise, propriamente dita, é a de uma reprise da reprise. Já vimos esse filme inúmeras vezes.
Seguinte:
A Constituição vigente, de 1988, é essencialmente parlamentarista. Mas o regime que ela consagrou é presidencialista.
O Parlamento (Legislativo) está cheio de poderes, e sem maioria dentro dele o(a) Presidente (Executivo) não consegue governar.
No entanto, a tradição brasileira, bem como a enorme representatividade adquirida por este(a) último(a) através da imensa quantidade de votos que o(a) elege, conferem-lhe imenso poder.
Temos, então, uma contradição difícil de superar. Um presidencialismo forte, mas um parlamento que, bem articulado, pode paralisá-lo.
Ora, nossa jovem democracia ainda carece de muita maturidade.
Tanto a população, na hora de escolher seus representantes, quanto estes, no exercício dessa representação, orientam-se muito mais por questões individuais e imediatas do que propriamente pelos grandes e coletivos interesses da Nação.
O resultado é esse fisiologismo deslavado e desenfreado que grassa na política pátria. O famoso “toma-lá-dá-cá”. A filosofia foi certa vez sintetizada por um dos seus mais cínicos praticantes: “é dando que se recebe”.
Uma vergonha.
O executivo traça as políticas para as quais foi eleito. Colocá-las em prática exige medidas legais. E estas carecem de aprovação no Congresso. É daí que vem a chantagem.
Os parlamentares, para votar a favor do Governo, exigem benesses em troca.
Refém dessa lógica, ele é obrigado a ceder, sob pena de não conseguir executar seus projetos. Vamos combinar que nenhum governante deseja entrar assim para a História, né?
E concede as benesses. Vende sua alma ao diabo em troca da famosa “governabilidade”.
Temos visto isso desde a redemocratização.
sarney (com minúscula mesmo) fez isso; collor (idem) também; Itamar e Fernando Henrique, de cuja honorabilidade pessoal nenhuma pessoa séria até hoje duvidou, não escaparam; Lula, então, não só praticou o jogo, como o elevou a um patamar de sofisticação jamais imaginado antes.
Claro que, em contrapartida, houve ganhos. A “governabilidade”, conquistada com a venda da sua alma, permitiu aos governantes levar à frente políticas (sobretudo nos últimos anos) que sem qualquer dúvida conduziram o País a um grande salto de qualidade, em vários sentidos.
O preço, entretanto, foi enorme. E está visível nos jornais, todos os dias, em forma de corrupção, falta de vergonha-na-cara, escândalos, cinismo deslavado e descarado, a boa e velha chantagem.
Dia desses teve um senador que disse à imprensa, quase com todas as letras, coisa assim: “Meu partido cansou de pedir à Presidente um Ministério. Como ela não deu, vamos pra oposição.”
Não se preocupou nem em disfarçar. Não ficou nem vermelho.
Alguém poderia perguntar (e não de forma irônica, vejam bem): e por que deveria?
A coisa é tão institucionalizada que talvez muita gente nem atine com o absurdo. Tem sido assim por tanto tempo, e de forma tão natural, que as pessoas mais desavisadas podem pensar que é assim mesmo, que a política se faz desse jeito, que esse é o papel dos partidos.
Não, meus netinhos. Nada disso.
Política se faz (ou se deveria fazer...) para o bem do País, para melhorar a vida de todos. Um partido político tem um programa, que é o conjunto de ideias que os seus integrantes defendem (ou deveriam defender...), porque acham que elas são as melhores para o País e para seus habitantes.
Por isso, um partido deveria estar na oposição quando as ideias que o governo aplica são diferentes daquelas que ele defende. E deveria estar ao lado do governo sempre que as ideias se assemelharem. Entenderam?
Um partido não deve (ou não deveria...), jamais, estar deste ou daquele lado do muro por interesse pessoal de seus integrantes, porque ganhou ou deixou de ganhar um carguinho.
O tal senador sabe disso. Ele não aplica, mas sabe. Por isso é que deveria pelo menos disfarçar. Ou ficar vermelho por não fazê-lo.
Mas a coisa está tão escrachada que eles nem acham que precisa.
            Quando o regime é de fato parlamentarista, o Legislativo tem o mesmo poder que o nosso. Só que daí o governo é formado por um Gabinete que tem o apoio da maioria dos parlamentares. Essa maioria é construída com programas, políticas e ideias. Enquanto a maioria está de acordo com eles e a forma como o Gabinete os implementa, ela está comprometida com isso, e garante a governabilidade no voto.
            No momento em que as concepções da maioria e do Gabinete entram em rota de colisão e este perde o apoio daquela, ele simplesmente cai. O Governo sai, e se forma outro, em cima de outra maioria.
            Aqui, não. A contradição que apontei no começo dessa conversa faz com que a perda da maioria não acarrete a queda do governo, mas o estilhaçamento da "governabilidade". Combinada com a imaturidade da nossa democracia, na qual todos nós só pensamos em nós mesmos, ela cria um campo fértil para o cultivo da chantagem descarada, como aquela que vimos praticada pelo senador acima citado.
Pois bem.
Estamos diante de tudo de novo. A reprise da crise (ou a crise da reprise?).
O governo meio que fazendo birra, o Congresso batendo o pé, se não me der isso, se não fizer aquilo, vou votar contra, vou mostrar quem manda, e tal-e-coisa.
E, de fato, emparedando a Presidente com seguidas derrotas, nos últimos dias.
Daí aparece o André Gonçalves, da Gazeta, e nos diz que a Dilma tem três caminhos para reagir. Ou cede à chantagem, como sempre se fez, ou endurece o jogo, não negocia com ninguém e paga pra ver, ou repactua seu relacionamento com a base aliada, abrindo mão dos partidos abertamente fisiológicos, e ficando apenas com aqueles que se norteiam por um mínimo de ideologia política e partidária (ou seja, que pelo menos às vezes votam segundo suas convicções, e não – ou nem sempre... – por interesses pessoais).
Alguém já tinha visto a questão por esse ângulo antes?
Eu, pelo menos, acho que não.
E penso que é uma análise extremamente inteligente e lúcida. Ela me leva a algumas reflexões bem interessantes.
As quais vou compartilhar com vocês na sequência.

(continua...)

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