Sabem porque é
que o cidadão cubano tem tão pouco, economicamente falando?
A mim me
parece simples, até óbvio, embora ninguém nunca fale disso.
É porque seu país é
extremamente pobre, e divide o pouco que tem de forma igualitária entre todos
os seus cidadãos.
Igualdade para
o bem ou para o mal, lembram-se? Era esse o propósito, desde sempre, conforme
já mencionei.
É mais ou menos assim (em números redondos, claro, só pra facilitar):
É mais ou menos assim (em números redondos, claro, só pra facilitar):
Você tem mil
bocas para alimentar, e consegue produzir mil quilos de feijão por semana.
Você tem três
únicas alternativas:
1) Você dá um
quilo de feijão por semana para cada pessoa;
2) Você dá
quatro quilos de feijão para 250 pessoas e deixa as outras 750 sem nada;
3) Você
aumenta a produção de feijão.
Em Cuba,
age-se por eliminação. Não é possível implementar a terceira alternativa, e
opta-se por não adotar a segunda, que é terrivelmente cruel e injusta.
Sobra apenas a primeira. Um quilo de feijão por semana
é pouco para uma pessoa, mas ainda assim é o mais justo (ou menos injusto, como
queira) a fazer.
É tudo
verdade, o que aparece nas reportagens da Band. Comida racionada, carros
velhos, aparelhos de televisão ultrapassados, e tudo o mais.
Só não se faz
referência ao outro lado.
Qual? Aquele, dos países que adotam alegremente
a alternativa número dois descrita aí acima. Países tão pobres quanto Cuba, e nos
quais poucos milionários desfilam fortunas obscenas ao lado de multidões de miseráveis absolutos,
que passam fome, e aos quais são negadas as mais elementares condições de uma
vida digna. Pessoas para quem uma dose diária de comida racionada pareceria
vida de marajá...
Quer uma lista
desses países? Sei que você não precisa. Até mesmo porque alguns deles nem são tão
pobres assim (ops...).
Em Cuba não
tem. Todas as pessoas são sócias. Infelizmente, sócias na pobreza. Mas sócias.
As
dificuldades são de todos, e são enormes. Mas miséria absoluta não há. Fome,
não há.
Verdade que é
muito ruim não poder assistir televisão de plasma, ou falar no celular. Mas com
certeza é muito pior ver seu filho chorar por não ter o que comer, ou morrer de
uma simples desinteria.
Os únicos
recursos naturais de Cuba são o açúcar e o tabaco (hoje, ambos estão
estigmatizados pela cultura de vida saudável que tomou conta do mundo). Ela não
possui nenhum tipo de recurso para se industrializar. Como disse, pouco sei de
economia, mas tenho certeza de que não é difícil explicar como isso se reflete
nas dificuldades do país.
Sobra-lhe o
turismo, hoje sua principal, mas de longe ainda insuficiente, fonte de renda.
Você viu em
algum lugar algum jornalista abordar a questão sob este ângulo? Alguma vez
alguém analisou o problema econômico do cidadão cubano sob o ponto de vista da
situação econômica do País?
No entanto,
meus amigos, o fato de ele ser pobre, e ainda por cima, impedido pela maior
potência do mundo de crescer e se desenvolver, está de alguma maneira na raiz
de todos, rigorosamente todos, os problemas que os cidadãos enfrentam no seu
dia-a-dia, e que são maliciosamente atribuídos à sua falta de liberdade
política.
Veja o seguinte
exemplo.
Lá atrás eu
disse que o propósito da Revolução era entregar Cuba aos cubanos. Bem. Até
mesmo as reportagens da Band, que você pode assistir nos links que eu
disponibilizei no capítulo anterior, reconhecem (não sem desmerecer, mesmo
assim) que o país erradicou o analfabetismo e reduziu a mortalidade infantil a
níveis de primeiro mundo.
Faltou foi
analisar isso mais profundamente.
Quando diz que
Cuba “erradicou o analfabetismo”, a emissora em outras palavras está informando
a você que naquele país todas as crianças têm direito (liberdade?) à educação
pública, gratuita e de qualidade.
Esse direito é
totalmente garantido pelo Estado que, para dar conta disso, emprega muito dos
parcos recursos que tem. Mais que direito, porém, é um dever. A família não
pode deixar de enviar seu filho à escola.
O resultado é
curioso, porque acaba com um pérfido equilíbrio "natural", para criar, em vista
das circunstâncias, outra situação, talvez tão pérfida quanto.
Em geral, os
países subdesenvolvidos não são muito avançados no quesito "educação". Com isso,
poucas pessoas alcançam nível superior, o que contribui para manter o
subdesenvolvimento.
Cuba rompeu
esse círculo. Educação boa, plena e obrigatória, inundou o país de
profissionais de alto nível. Contudo, a economia raquítica não consegue
absorvê-los. E eles, por sua vez, não possuem condições de transformar essa
economia, pela absoluta falta de insumos à qual ela está condenada.
Por isso a
socióloga vira garçonete e o engenheiro, motorista de táxi. Contingências infelizes
de todo um conjunto de circunstâncias.
Essa
correlação os nossos prezados formadores de opinião cuidadosamente omitem.
Mas pelo menos
a liberdade de acesso ao conhecimento é disponível a todos, e não apenas a quem
tem dinheiro para comprá-la.
E, como se
sabe, conhecimento, por sua vez, é também uma forma de liberdade.
Muito ruim ter
comida racionada. Mas pior é ser analfabeto.
A outra
conquista essencial do povo cubano, meio escondida por trás da informação
“redução da mortalidade infantil”, é a melhor saúde pública dentre os países do
terceiro mundo, e uma das mais avançadas de todo o planeta.
E que é
totalmente gratuita a todos os cidadãos.
Vamos falar
dela no próximo capítulo (não sei bem, mas acho que – ufa!!!... – será o
último).
(continua...)
Parabéns Dr. Marcelo, que saga! Também sou um apaixonado por Cuba e me encantou tamanho relato. Seu ponto de vista está afiadíssimo.
ResponderExcluirHoje mesmo quando fui buscar leite no vizinho, comentávamos doutro vizinho que tanto "tem" e tanto corre, e lá pelas tantas o caboclo disse: "Dinhero anssim nem presta, é só compricação!". No seu jeito "simpres" só quer do mundo aquilo que lhe pertence. E o outro arrematou: "Que te adianta ter as coisa sem podê usa elas direito? A verdadera riqueza é a saúde, perque sem ela nóis não semo nada!" Vou falar o quê depois dessa?!
Um amigo está cursando Medicina em Cuba e quando perguntei pra ele em sua primeira visita ao Brasil: "E aí, e Cuba?". ele de pronto respondeu: "O povo cubano é maravilhoso, muito hospitaleiro, e a maioria dos livros custa US$ 1,00!" Estou desconfiado que ele não fará lobby pra indústria farmacêutica depois de formado.
Lembrei do caso curioso do Butão, país número 134 no ranking mundial do IDH, em que foi instituido o FIB, Felicidade Interna Bruta, que determina que o "bem estar social" vem antes do dinheiro. No Butão os cigarros são proibidos, então o governo butanês está restringindo a liberdade do cidadão em escolher se intoxicar até a morte? Te garanto que o governo de lá, com essa atitude, tem seu cofre bem mais magro, pois no Brasil cerca de 80% do preço do tabaco é imposto. Melhor então vender cigarros nas panificadoras e nas bancas de doces e revistinhas por lucro? Ai ai, bem que podia haver um FIB por aqui.
Problemas todos os países têm, mas realmente a mídia dominante aponta, na maioria das vezes, exclusivamente por sua ótima corporativista. Cuba sobrevive pela força do povo cubano, sem ajuda de quase ninguém. Fidel está muito longe de ser perfeito, porém para quem quiser conhecer mais sobre o tema Cuba, suas reflexões estão publicadas no jornal www.granma.cu (deixo uma sugestão: "A fruta que não caiu" de 25/01/12).
Creio que o único motivo do embargo comercial ainda estar operacional é porque de outra maneira o modelo de Cuba poderia inspirar o desenvolvimento de novas políticas sociais nas mais diversas culturas. Bem, ela inspira a Venezuela, mas aí a conversa fica pra mais depois.
Sigo curioso para o fim da saga.
Jatobá.
Ele tá chegando, Jatobá. Obrigado.
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