domingo, 11 de março de 2012

Meu Ponto de Vista - 3 - Cuba e os Diversos Aspectos da Liberdade (Final)


Estive em Cuba uma vez, na primeira metade dos anos 90.
Fiquei muito na praia de Varadero, um paraíso turístico. Certo dia aluguei uma pequena motoneta, deixei a área dos turistas e fui passear pela pequena cidade, ver de perto os cidadãos cubanos comuns.
Conheci algumas pessoas. Entre elas, o exemplo clássico citado pela reportagem da Band. Um engenheiro, que ganhava a vida pescando conchas para turistas. Travamos conversa e eu acabei tomando um café na casa dele, onde morava com a esposa, dois filhos, a mãe e o pai.
Casa rústica, pobre para os nossos padrões, mas de certo modo acolhedora.
Na conversa, a velha matriarca contou-me que sofria de catarata. O diagnóstico foi feito em uma das visitas regulares do “médico de família”. Funciona assim: cada cidade é dividida em distritos, e cada distrito é dotado de um centro de saúde completo. O médico dessa unidade tem obrigação de fazer a “ronda” do distrito, visitando e consultando todos os seus moradores periodicamente, de casa em casa.
“Dias após”, disse-me ela, “parou aqui na porta de casa uma ambulância toda equipada. Puseram-me nela, levaram-me a Havana, internaram-me em um quarto maravilhoso, e operaram minhas duas vistas. No hospital, fui tratada como se fosse a rainha da Inglaterra, e não uma simples camponesa, que é o que sou. Finda a convalescença, devolveram-me à ambulância e me trouxeram de volta à minha casa. Ao se despedirem, eles é que ainda me agradeceram. Hoje enxergo perfeitamente.”
Feito o diagnóstico, o “médico de família” acionara o sistema de atendimento, que se encarregara do resto.
Custo, para a nossa velhinha? Nenhum. Rigorosamente zero.
Ouvi esse depoimento, queridos netinhos, com os meus próprios ouvidos que a terra há de comer (ou não, porque serei cremado...).
Arrependo-me até hoje de não tê-lo gravado. Não tinha, porém, a facilidade de hoje, né?
Essa pequena história, a meu ver, diz tudo. A medicina cubana é hoje reconhecida mundialmente como sendo de primeiro mundo. Pessoas de todas as partes (inclusive do Brasil) vão para lá a fim de receber os mais avançados tratamentos em diversos tipos de patologias.
Ao cidadão cubano, isso está disponível permanente, plena e gratuitamente.
A redução da mortalidade infantil é mera e inevitável conseqüência.
Vejamos, então.
Saúde e educação gratuitas, de qualidade, e acessíveis a toda a população.
Não são essas as primeiras reivindicações de qualquer movimento de caráter popular, em qualquer país do mundo?
E por qual razão? Simples. Porque saúde e educação constituem os direitos humanos mais elementares, e os deveres mais primários a serem providos pelo Estado.
A Revolução Cubana, desde o primeiro dia, assumiu esse caráter, e, portanto, esse compromisso. E o cumpre com rigor, até o dia de hoje.
Não é pouco.
É claro que mesmo não existindo custo direto para o cidadão, a manutenção desses dois sistemas representa um ônus nada insignificante para a Nação como um todo.
Faz parte intrínseca do sistema, aliás. Todos se beneficiam por igual, e todos arcam com o custo, também por igual.
Uma parcela enorme dos recursos disponíveis, que, como já sabemos, são escassos, é destinada a prover saúde e educação de qualidade a todo cidadão cubano, garantindo-lhe de forma segura dois direitos que, por fundamentais, constituem liberdades inalienáveis.
Com o que sobra é preciso gerenciar todo o resto. O que, convenhamos, não é nada fácil.
O quadro compreende um compromisso com a equidade, contraposto a essa gigantesca escassez de recursos, devida tanto a fatores naturais quanto artificiais.
É dessa combinação que nasce a baixa qualidade de vida de todos, no que tange aos demais direitos, sobretudo materiais.
O fato, indiscutível, é que o fundamental é dado a todos, e que isso gera problemas, os quais, potencializados pela pobreza do país, são também suportados por todos.
Dito tudo isso, vamos à questão das liberdades políticas.
Quanto a estas, a situação é de fato totalmente absurda.
Mesmo tendo liberdade de acesso ao conhecimento, liberdade de acesso à saúde e a uma vida digna; mesmo tendo acesso à liberdade de não conviver com privilégios e injustiças concedidos a seus concidadãos, mesmo assim, ao cubano é negada a informação, o direito de ir e vir, o direito de se expressar.
E isso é absolutamente inadmissível.
E, pior. É inexplicável. E mais ainda: desnecessário.
Que mal pode fazer uma blogueira dissidente viajar ao exterior?
De duas uma: ou ela tem razão, ou não tem.
Se ela tem razão, então é preciso repensar tudo. Isto porque ela afirma que o regime é ruim e o povo não o apóia. Ora, todo o compromisso da Revolução foi com o povo, e se ela dele se divorciar, perde sua própria razão de ser.
Se não tem, então o povo apóia o regime. Neste caso, o que há para temer?
O regime de partido único tem lá suas explicações marxistas-leninistas, que eu não vou discutir aqui. Primeiro porque sou um anão teórico para isso, segundo porque daí sim é que essa série nunca terminaria, e terceiro porque nem mesmo os maiores gigantes que tem feito isso ao longo da história conseguiram chegar a qualquer conclusão.
Só vou dizer que tenho lá minhas reservas.
Mas isso de não deixar circular livremente a informação? Francamente, não entendo. Um povo esclarecido, com nível educacional superior, certamente é capaz de, bem-informado, decidir o melhor caminho para si próprio. Não se pode ter receio disso. Claro que é preciso tomar cuidado com o poderio, as artimanhas, a má-fé, a falta de escrúpulos e tudo o mais que a indústria da comunicação desenvolveu no resto do mundo, e que, teoricamente, pode iludir e enganar ilimitadamente.
Mas é preciso confiar também na capacidade de combater tudo isso com o outro lado da informação. E é preciso, sobretudo, confiar no bom-senso, no discernimento e na capacidade das pessoas que foram formadas no seio da Revolução, ao longo do tempo. Sob pena de admitir o próprio fracasso dela.
E quanto à perpetuação das mesmas pessoas no poder?
Há também inúmeras justificativas, teóricas, doutrinárias e práticas.
Tampouco vou discuti-las. Há argumentos ponderáveis a favor e contra.
De minha parte, pelo menos quando lá estive, senti de parte dos cubanos com quem conversei uma admiração irrefreável por Fidel.
Defendiam seu sistema eleitoral, distrital, diziam-no livre, e se gabavam da não interferência, nele, de modo algum, do fator financeiro, ao contrário, afirmavam, do que ocorria fora dali, onde os poderosos sempre são os mais ricos.
Fidel, diziam, era reconduzido por ser esta a real e livre vontade do povo.
Será?
Sinceramente minha “pesquisa” foi superficial demais, para que eu possa confirmar isso com convicção. Entretanto, tampouco me faz a cabeça a ladainha midiática sobre “ditadura” castrista. Pelo menos no que concerne ao sistema eleitoral.
Faltam elementos tanto para ter certeza de uma coisa como de outra.
A conferir, portanto.
De qualquer modo, dentro de minhas modestíssimas limitações, espero ter auxiliado um pouco, a quem se interessou, na ampliação da compreensão do que ocorre em Cuba. Espero, também, ter suavizado essa coisa maniqueísta, preto e branco totais, sobre a ilha. Liberdade, minha gente, não é um conceito fixo, absoluto. Há cinzas, há nuances. Há liberdades em Cuba com as quais nem podem sonhar milhões de pessoas ao redor do resto do mundo.
E há outras, corriqueiras em todo canto, mas totalmente ausentes na ilha socialista do Caribe.
Em suma: ninguém é perfeito.
E continua o baile.


Fim (até que enfim, né?...)

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