segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Meu Ponto de Vista - 1 - O CNJ

Como todo mundo, tenho opiniões acerca de várias questões da nossa realidade brasileira em geral.
Vou aproveitar este espaço que estou conquistando junto a mim mesmo e a alguns poucos abnegados, para externá-las.
Sempre que eu for fazer uma dessas reflexões, vou intitular a postagem como “Meu Ponto de Vista”, de modo que quem não estiver interessado na minha opinião sobre coisa alguma já sabe que deve pular este pedaço.
Vamos lá.
Hoje, claro, o assunto não poderia deixar de ser o Conselho Nacional de Justiça. É o tema do momento.
Como todos devem saber, nesta semana o Supremo Tribunal Federal vai decidir quais são as atribuições desse órgão no que diz respeito à fiscalização sobre os juízes brasileiros.
De um lado, órgãos da magistratura defendem que o CNJ só pode intervir após as Corregedorias dos Tribunais regionais atuarem.
De outro, amplos setores representativos da sociedade entendem que essa intervenção pode – e deve – se dar de forma direta.
O pano de fundo é a manutenção ou não de privilégios que historicamente beneficiaram os juízes de nosso País, e a chegada da luz e da transparência ao último bastião público a elas ainda imune, nos dias de hoje, o Poder Judiciário.
Lembro quando me formei advogado, nos idos de 1975. Era o período mais duro da ditadura militar. Vigoravam leis de exceção, poucos tinham noção do que eram exatamente esses tais Estado Democrático de Direito e Império da Lei.
Juízes eram semideuses. Desembargadores, então, os próprios senhores do Olimpo.Todo-poderosos, inalcançáveis, senhores do bem e do mal, da vida e da morte.
           Personalidades inquestionáveis. E inquestionadas. Deus-o-livre falar mal de algum.
No entanto, no meio jurídico da planície (nós, os humildes advogados), era senso comum que existia corrupção. Todos lidavam com isso como fato notório – aquele que independe de comprovação. Claro, sei que essa circunstância não faz disso verdade, mas eram tempos em que denunciar não se podia, quanto mais apurar!
De qualquer modo, o mais provável é que de fato houvesse. Afinal, isso tende a ocorrer em todas as áreas do setor público, em todos os países do mundo. E obviamente piora de forma exponencial quando o agente se sabe totalmente a salvo de olhares indiscretos, trabalhando nos desvãos escuros do poder isento de qualquer controle social.
Naquele tempo, Legislativo e Executivo desfrutavam também desse salvo-conduto. Nos dois a corrupção era igualmente endêmica. E, quanto a eles, da mesma forma, Deus-nos-livre abrir a boca para criticar.
Pois é.
O que mudou, de lá para cá?
Isso mesmo. Acertou quem disse que acabou a ditadura.
Hoje estamos sob o império da lei, vivemos o pleno estado democrático de direito. Os privilegiados esperneiam, mas está cada vez mais difícil escapar do controle social (isso, aliás, é tema para um outro “Meu Ponto de Vista”, que virá mais adiante)
Hoje vemos o cidadão exercendo de forma plena o direito de examinar com lente de aumento tudo o que se faz em seu nome, e com seu dinheiro. O nome disso? Transparência.
Em corolário, hoje o cidadão exerce de forma plena o direito de berrar contra o que discorda, em ambos os aspectos.
Executivo e Legislativo, coitados, já sofrem o diabo.
Sei, sei, a corrupção continua grassando em ambos, dirão os céticos.
É verdade. Sou obrigado a concordar.
Mas pense o seguinte. Se a corrupção fosse um furúnculo, a primeira medida para curá-lo não seria abrir a ferida e expor o carnegão? (Gostaram da palavra? Carnegão é o núcleo do furúnculo; aprendi isso com minha avó, lá nos primórdios da infância).
Com ele exposto, aí então aplica-se o remédio.
Pois é a mesma coisa.
Hoje, o carnegão do Executivo e do Legislativo já está aí, exposto aos quatro ventos. O remédio, ainda que seu efeito seja bem mais lento do que gostaríamos, já está sendo aplicado. É a democracia, que traz em seu ventre a politização do povo, a elevação do nível do seu esclarecimento, de modo a que se mobilize cada vez mais em favor da punição dos corruptos e da eleição de gestores melhores e mais íntegros.
Na ditadura fica tudo na sombra e a população nem mesmo fica sabendo das falcatruas que proliferam, para poder se revoltar contra elas.
E o Judiciário?
Por que foi que ninguém ainda buliu com o Judiciário?
Ele ficou quietinho no canto dele, até agora, se fingindo de morto.
E a verdade é que sua estrutura permanece exatamente a mesma dos tempos ditatoriais.
Salvo notáveis exceções, os juízes permanecem enxergando a si próprios como seres distintos do cidadão comum, pessoas acima do bem e do mal.
Será que é porque não são eleitos? Não precisam agradar ao povo, para pedir voto de quando em quando? Talvez.
Só que ela, a sociedade, já não os vê assim. Nesses vinte e tantos anos de democracia, ela evoluiu de forma surpreendente, para tão pouco tempo. E para ela, o magistrado nada mais é do que um outro servidor público. E, portanto, sujeito exatamente aos mesmos deveres de todos os demais. Dentre esses, o de submeter-se permanentemente ao controle dela, sociedade, neste que é o mais eficaz antídoto à corrupção até hoje descoberto pelo homem.
Não se confunda, porém, tais deveres com a responsabilidade ou a missão de cada servidor. A do magistrado, evidentemente, é das mais nobres, fundamental mesmo até para a existência e subsistência do próprio Estado de Direito, alicerce maior da democracia, e por ela eles merecem o maior reconhecimento e toda a valorização profissional.
Ao meu ver, é exatamente essa confusão que permeia, de forma artificial, o debate sobre o CNJ.
Grande parte dos juízes, acostumados a escrutinar mas não a serem escrutinados, não vêem com bons olhos a recente investida do CNJ sobre suas trajetórias.
Lembremos um pouquinho do que vem a ser este organismo.
Ele foi criado em 2005, como resultado de um grande movimento de pressão popular e política destinado justamente a fornecer à sociedade algum controle sobre o Poder Judiciário. Esse movimento já enfrentara, na época, tenaz resistência corporativa da magistratura, que já antevia ali uma ingerência “indevida” em suas entranhas.
Nesses quase sete anos de atividade, entretanto, o órgão já contribuiu de forma significativa para sanar ou minimizar algumas das inúmeras mazelas da Justiça brasileira, mostrando, ainda uma vez, o bem que faz democratizar, arejar e levar transparência a qualquer instituição.
Muito bem.
O CNJ possui uma Corregedoria, cuja função é fiscalizar a magistratura.
Ocorre que os Tribunais, nos Estados, também possuem Corregedorias próprias, com função teoricamente idêntica.
Nos últimos tempos, a do CNJ resolveu “fuçar” de forma mais aprofundada alguns indícios muito fortes de irregularidades cometidas em alguns tribunais do País.
A reação corporativa não se fez esperar.
Dizendo (e aí a confusão artificial) que se pretende atingir as prerrogativas dos juízes, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) impetrou uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal, argumentando que a corregedoria do CNJ não poderia fazer isso antes que as Corregedorias dos Tribunais o fizessem.
E obteve uma liminar dando-lhe provisória razão.
Nesta semana o STF se reúne para confirmar ou revogar a liminar.
Meu Ponto de Vista é que deveria revogar.
Historicamente, as Corregedorias dos Tribunais estaduais não funcionam, ou funcionam muito mal, no quesito apuração e punição de irregularidades praticadas por juízes. Os números existem, e são decididamente alarmantes.
Se ficar por conta delas – ou seja, interna corporis – lá se vai mais uma conquista da democracia, sacrificada no altar do corporativismo, esse câncer que corrói tantos setores no Brasil (e que renderá – aguardem – outro “Meu Ponto de Vista” futuro).
A liminar foi concedida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, jurista a quem muito admiro não só pelo seu grande saber, mas também por sua integridade. No entanto, considero-a equivocada por excesso de legalismo. Ateve-se à letra de lei de forma a meu ver bitolada, sem levar em conta a influência do contexto histórico e real sobre o caso concreto.
Ora, qualquer pessoa que lide com as leis (o que nós, os “iniciados” chamamos pomposamente de “operadores do Direito”) sabe que a interpretação menos indicada delas é aquela que se limita à sua literalidade. O próprio STF tem nos dado um rio de exemplos de julgamentos em que a lei é interpretada de forma flexível, mais sintonizada com a realidade vivida no momento do que com sua letra estrita. Querem um exemplo significativo? A união homoafetiva. Outro? A fidelidade partidária (os mandatos pertencem aos partidos e não aos candidatos eleitos).
Cabe ao juiz – e aí está ele agora, senhores, julgando sobre tema que atingirá a si próprio, e, portanto, usufruindo de uma oportunidade ímpar de mostrar ao País sua própria grandeza – adequar o Direito e a Lei ao momento real, porque se não o fizer será atropelado por ele.
O STF já deu inúmeras provas de que sabe fazê-lo. Vive, agora, seu momento supremo (sem trocadilho bobo). Se ratificar sua postura, entrará para a história deste País. Se negá-la, atirará ao lixo a credibilidade do próprio Judiciário (porque mostrará, de forma segura e detestável, que pimenta nos olhos dos outros é refresco), com conseqüências danosas para todos nós.
             Mesmo que o faça, porém, ainda assim há avanços a comemorar. Esta é a primeira vez, na história do Brasil, que o Judiciário é colocado na berlinda. Já é um enorme progresso. Se não for ainda desta vez que conquistaremos seu bastião, será uma pena. Mas com certeza, haverá uma próxima. E, então, nos aguardem.

Um comentário:

  1. Secretário Marcelo,
    Acredito que este é, o passo mais importante para que possamos ter maior transparência e menos impunidade no Executivo e Legislativo.
    É sabido, que infelizmente o enriquecimento ilícito, em todas as esferas do Governo, perpassa pelo judiciário.
    Que de maneira frouxa em seus julgamentos, era beneficiado pelos lucros fartos dos processos de bandidos do colarinho branco. nunca

    ResponderExcluir