Dia 26 de
abril foi um dia universitário.
O Supremo
Tribunal Federal, por unanimidade, decretou a constitucionalidade do sistema de
cotas raciais para acesso ao ensino superior.
E o Governador
do Paraná, Beto Richa, declarou-se contrário à exigência de diploma de terceiro
grau para policiais.
Aparentemente
desconexos, a meu ver os dois temas tem tudo a ver um com o outro.
Ambos são
polêmicos. E despertam posições opostas e apaixonadas.
Como a
maioria, tenho as minhas.
Nestes dias
tenho visto que alguns utilizam situações particulares para justificar seus
pontos de vista a respeito desses temas. Acho inapropriado. A meu ver, eles só
podem ser analisados a partir de uma abordagem coletiva.
Li na internet
um comentário contrário à decisão do STF. Foi postado por um cidadão que diz
ter nascido negro e pobre, e que hoje, pós-graduado, está bem situado na vida.
Venceu por seus próprios méritos, bem como de seus pais, que de tudo fizeram
para mantê-lo disciplinado e na escola.
Baseado em sua
experiência própria, sente-se autorizado a afirmar que é tudo uma questão de
força de vontade.
Por outro
lado, alguns defensores da posição do nosso governador asseveram que são vários
os exemplos de bons profissionais, em diversas áreas, que não são formados em
curso superior.
Discordo, com
todo o respeito, em ambos os casos.
Os dois temas
em discussão configuram políticas públicas. E, como tal, devem ter em mente a
situação global, expressada em diagnóstico geral, estatísticas, indicadores.
Nosso amigo
pós-graduado personifica uma exceção. E a verdade é que as exceções, ainda que
louváveis, não podem pautar a concepção das políticas públicas.
Do ponto de
vista destas, o que vale é uma verdade intransponível, contida, aliás, em um
dos votos dos ministros da Suprema Corte.
Basta olharmos
o número de brancos nos cargos de mando, tanto na administração pública quanto
na iniciativa privada, e, no outro lado, o número de negros e pardos nas
penitenciárias, para conhecermos a realidade.
Eis, em uma
frase o diagnóstico.
Terrível,
indesmentível, escancarado, não exige nenhum acréscimo.
Nos termos
colocados pelo nosso argumentador, seríamos forçados a concluir que os brancos
possuem muito mais força de vontade do que os negros, e ponto final. Smples
assim.
À parte sua natureza primariamente racista, que já bastaria para atirá-la ao lixo, essa conclusão simplesmente ignoraria de forma completa a história do Brasil. Qualquer pessoa bem intencionada que examinar
a realidade atual, sob essa luz, bem como da sociologia, da antropologia, e de
outras ciências sociais e humanas, constatará a impropriedade da afirmativa.
É impossível
separar o ser do seu meio. E este meio é o que ele herdou de uma sociedade
branca, discriminadora, elitista, preconceituosa e excludente.
A escravidão,
que durou três séculos, terminou há menos de um e meio. Imaginar que seus
rastros já estejam totalmente apagados do arquétipo cultural nacional é no
mínimo um atestado de ingenuidade.
Ela gerou uma
enorme dívida social. E sua abolição, longe de pagar esse débito, apenas o
empurrou para debaixo do tapete, deixando os escravos libertos inteiramente à
deriva, sem qualquer assistência.
Ignorando por
completo que eram analfabetos, miseráveis e, mais que tudo, completamente
inaptos para o enfrentamento das realidades competitivas da vida em liberdade,
até porque jamais a tinham conhecido, a sociedade da época apenas atirou-os às
ruas para se virarem como pudessem.
Cento e vinte
e três anos depois, o resultado, ainda que já minorado, ainda está aí, visível
a todos quantos possuem olhos de ver.
Mesmo porque
em todo esse tempo o Brasil elitista jamais fez um único gesto destinado a
acelerar o processo de correção do erro.
Isto até o
surgimento das cotas em universidades.
Meros dez anos
delas (um piscar de olhos, sob a perspectiva histórica) já mostraram resultados
positivos. Desmentiram, inclusive, os principais argumentos dos seus opositores
iniciais. Os alunos cotistas apresentam desempenho à altura dos demais – quando
não melhor –, o que joga por terra a alegação de fim do princípio do mérito.
Qual mérito? O
de quem sempre desfrutou das melhores oportunidades que o dinheiro pode
comprar?
Ou alguém terá
coragem de negar que apenas alunos de classe média para cima conseguiam estudar
nas universidades mais qualificadas, as públicas, perpetuando um círculo de
exclusão?
(Exceções, que
certamente sempre existiram, mas são estatisticamente desprezíveis, como já
disse, não contam).
Em
contrapartida, os índices de desigualdade social e racial, ainda que de forma
tímida, já começam a mostrar abalos. Inúmeras famílias excluídas comemoram, em
todo o País, a formatura universitária do primeiro de seus membros em todos os
tempos.
Teve sorte
nosso amigo pós-graduado de contar com uma família estruturada, pais
conscientes, e, talvez, mais de uma geração de valores morais consolidados.
Quantos, de sua cor e camada social, desfrutam disso?
E quando não, qual sua culpa? Ou, mesmo, de sua família, desestruturada por
tantas mazelas sociais de que sofremos, e que atingem quase sempre justamente
essas camadas?
(continua...)
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