domingo, 29 de abril de 2012

Meu Ponto de Vista - 6 - Diplomas (Parte I)


Dia 26 de abril foi um dia universitário.
O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, decretou a constitucionalidade do sistema de cotas raciais para acesso ao ensino superior.
E o Governador do Paraná, Beto Richa, declarou-se contrário à exigência de diploma de terceiro grau para policiais.
Aparentemente desconexos, a meu ver os dois temas tem tudo a ver um com o outro.
Ambos são polêmicos. E despertam posições opostas e apaixonadas.
Como a maioria, tenho as minhas.
Nestes dias tenho visto que alguns utilizam situações particulares para justificar seus pontos de vista a respeito desses temas. Acho inapropriado. A meu ver, eles só podem ser analisados a partir de uma abordagem coletiva.
Li na internet um comentário contrário à decisão do STF. Foi postado por um cidadão que diz ter nascido negro e pobre, e que hoje, pós-graduado, está bem situado na vida. Venceu por seus próprios méritos, bem como de seus pais, que de tudo fizeram para mantê-lo disciplinado e na escola.
Baseado em sua experiência própria, sente-se autorizado a afirmar que é tudo uma questão de força de vontade.
Por outro lado, alguns defensores da posição do nosso governador asseveram que são vários os exemplos de bons profissionais, em diversas áreas, que não são formados em curso superior.
Discordo, com todo o respeito, em ambos os casos.
Os dois temas em discussão configuram políticas públicas. E, como tal, devem ter em mente a situação global, expressada em diagnóstico geral, estatísticas, indicadores.
Nosso amigo pós-graduado personifica uma exceção. E a verdade é que as exceções, ainda que louváveis, não podem pautar a concepção das políticas públicas.
Do ponto de vista destas, o que vale é uma verdade intransponível, contida, aliás, em um dos votos dos ministros da Suprema Corte.
Basta olharmos o número de brancos nos cargos de mando, tanto na administração pública quanto na iniciativa privada, e, no outro lado, o número de negros e pardos nas penitenciárias, para conhecermos a realidade.
Eis, em uma frase o diagnóstico.
Terrível, indesmentível, escancarado, não exige nenhum acréscimo.
Nos termos colocados pelo nosso argumentador, seríamos forçados a concluir que os brancos possuem muito mais força de vontade do que os negros, e ponto final. Smples assim.
À parte sua natureza primariamente racista, que já bastaria para atirá-la ao lixo, essa conclusão simplesmente ignoraria de forma completa a história do Brasil. Qualquer pessoa bem intencionada que examinar a realidade atual, sob essa luz, bem como da sociologia, da antropologia, e de outras ciências sociais e humanas, constatará a impropriedade da afirmativa.
É impossível separar o ser do seu meio. E este meio é o que ele herdou de uma sociedade branca, discriminadora, elitista, preconceituosa e excludente.
A escravidão, que durou três séculos, terminou há menos de um e meio. Imaginar que seus rastros já estejam totalmente apagados do arquétipo cultural nacional é no mínimo um atestado de ingenuidade.
Ela gerou uma enorme dívida social. E sua abolição, longe de pagar esse débito, apenas o empurrou para debaixo do tapete, deixando os escravos libertos inteiramente à deriva, sem qualquer assistência.
Ignorando por completo que eram analfabetos, miseráveis e, mais que tudo, completamente inaptos para o enfrentamento das realidades competitivas da vida em liberdade, até porque jamais a tinham conhecido, a sociedade da época apenas atirou-os às ruas para se virarem como pudessem.
Cento e vinte e três anos depois, o resultado, ainda que já minorado, ainda está aí, visível a todos quantos possuem olhos de ver.
Mesmo porque em todo esse tempo o Brasil elitista jamais fez um único gesto destinado a acelerar o processo de correção do erro.
Isto até o surgimento das cotas em universidades.
Meros dez anos delas (um piscar de olhos, sob a perspectiva histórica) já mostraram resultados positivos. Desmentiram, inclusive, os principais argumentos dos seus opositores iniciais. Os alunos cotistas apresentam desempenho à altura dos demais – quando não melhor –, o que joga por terra a alegação de fim do princípio do mérito.
Qual mérito? O de quem sempre desfrutou das melhores oportunidades que o dinheiro pode comprar?
Ou alguém terá coragem de negar que apenas alunos de classe média para cima conseguiam estudar nas universidades mais qualificadas, as públicas, perpetuando um círculo de exclusão?
(Exceções, que certamente sempre existiram, mas são estatisticamente desprezíveis, como já disse, não contam).
Em contrapartida, os índices de desigualdade social e racial, ainda que de forma tímida, já começam a mostrar abalos. Inúmeras famílias excluídas comemoram, em todo o País, a formatura universitária do primeiro de seus membros em todos os tempos.
Teve sorte nosso amigo pós-graduado de contar com uma família estruturada, pais conscientes, e, talvez, mais de uma geração de valores morais consolidados.

                  Quantos, de sua cor e camada social, desfrutam disso? E quando não, qual sua culpa? Ou, mesmo, de sua família, desestruturada por tantas mazelas sociais de que sofremos, e que atingem quase sempre justamente essas camadas?



(continua...)

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