quarta-feira, 25 de abril de 2012

Cícero, Demóstenes e o dinheiro do povo


Os dois maiores oradores da antiguidade foram Demóstenes e Cícero. Aquele era grego, e viveu no século IV a.c. Este, romano, no século I a.c.
Cícero era senador, e sua mais famosa obra foi um conjunto de quatro discursos de acusação contra um criminoso da época, Lucius Sergius Catilina. Daí o seu nome: “As Catilinárias”.
Nelas, pronunciou aquela que talvez seja a mais célebre frase conhecida, de um discurso antigo: “Até quando, ó Catilina, abusarás de nossa paciência?” (para quem gosta no original em latim, igualmente famoso, Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra?).
Vivo fosse hoje, e Cícero poderia perfeitamente voltar sua verve poderosa contra um colega seu senador, e xará de seu também colega grego, esse orador.
Quosque tandem, Demóstenes, abutere patientia nostra?
Até quando, ó Demóstenes?
Como o leitor atento certamente já percebeu, refiro-me a Demóstenes Torres, Senador desta nossa República Federativa do Brasil, pelo Estado de Goiás.
Não que o esteja prejulgando, por favor. Sou o maior adepto do contraditório e do amplo direito de defesa. E ele ainda não o exerceu na plenitude.
Na realidade, fixo-me é no rumoroso episódio que o envolve, e que, por todas as circunstâncias que o compõem, nos fornece um retrato, resumido mas completo, de uma realidade já passou da hora de o Brasil enfrentar e superar.
Claro que todos sabem, mas não custa explicitar.
Até então um dos mais respeitados parlamentares do País, defensor intransigente da ética na prática política, o Senador Demóstenes foi pego “no flagra” em relações pra lá de espúrias com Carlinhos Cachoeira, o rei da jogatina ilegal no País.
As acusações, baseadas em provas fartas e fortes, dão conta de que ele utilizava a força e a influência de seu mandato para beneficiar o bandido, de várias maneiras.
A grande pergunta, que não quer calar, consiste em saber a razão pela qual Demóstenes se sujeitava a isso.
Alguns falam em propina.
Eu, cá pra mim, não acredito.
Dia desses, ouvi uma hipótese que julgo muito mais provável.
O bom e velho “rabo preso”.
Cachoeira (Charlie Waterfall, para o New York Times) também é goiano, e tem naquele estado sua principal base de operações.
Na sua campanha para o Senado, Demóstenes recebeu dele polpuda contribuição financeira.
Vem daí a dependência.
A famosa contrapartida. Ficou devendo o favor.
Até ser descoberto, pagava-o com o dinheiro público. O nosso.
Como?
Entre outras: empregava apaniguados do cara em governos; fazia lobby no Congresso para aprovação de leis que favorecessem a jogatina; etc. Fazia o que estava ao seu alcance para a grana pública correr solta pro bolso do padrinho.
Percebem como funciona?
O político, pra se eleger, precisa de dinheiro. Muito dinheiro. Ninguém chega lá sem ele. É bobagem até mesmo tentar.
Então, pra fazer a campanha, sai à cata. Daí, “quem pode mais chora menos”.
Quem tem grana financia a campanha do candidato. Por que faria isso? Porque é bonzinho, talvez? Hein? Caridade? Filantropia? Idealismo? Fé na democracia?
Talvez. No dia em que o Sargento Garcia prender o Zorro. Ou quando o Papai Noel e o coelhinho da páscoa derem uma festa no Pólo Norte e me convidarem.
Sou mais pelo interesse. Você dá dinheiro pro cara, e com isso viabiliza que ele se eleja. Assim, ele fica te devendo a eleição (o rabo preso...). Eleito, ele ganha poder e influência. Daí, você pode cobrar a fatura, fazendo ele utilizar essas duas coisas em favor dos teus negócios e interesses.
No final, você recupera o investimento, e ainda ganha bem mais. Inclusive com sobra para uma reserva destinada à próxima eleição, claro, que ninguém é de ferro.
Essa grana quase nunca é lícita, e invariavelmente sai de sangria dos cofres públicos.
Se a gente colocar isso na escala do número de políticos eleitos a cada dois anos, e que vai usar seu mandato para defender os interesses particulares de seus padrinhos, ao invés do interesse público, que é o de todo o povo, dá pra ter uma ideia do tamanho do prejuízo.
Esse, a meu ver, é o centro do debate. A questão do Demóstenes Torres é apenas mais uma entre tantas. Só que esta veio a público. E as que não vem?
O problema, minha gente, é o modelo do financiamento das campanhas eleitorais.
Enquanto os grandes empresários deste País estiverem patrocinando campanhas milionárias que, por isso mesmo são quase sempre vencedoras, seus apadrinhados estarão utilizando o poder que conquistaram para retribuir a eles, distorcendo os processos políticos, econômicos e administrativos de maneira a que os “investimentos” eleitorais tenham retorno, ou seja, desviando o dinheiro do contribuinte para o bolso de grupos, ao invés de fazer com que ele seja melhor utilizado em benefício de todos.
A saída evidente é o financiamento público das campanhas eleitorais.
Trata-se de uma proposta que já está em discussão na Comissão Parlamentar que estuda a reforma política no Brasil. Ela é boicotada sistematicamente, claro, pelos parlamentares que sempre fizeram parte do esquemão que ela tenta fulminar. Também setores da grande imprensa não tem interesse nisso, até porque, grandes empresários que também são, costumam beneficiar-se dele igualmente.  Vai daí que lhe metem o pau, usando seu poder de fazer a cabeça de muita gente.
No entanto, essas objeções, todas elas movidas por interesses menores, não resistem um minuto a uma discussão minimamente séria.
Com o financiamento público, todas as campanhas eleitorais seriam pagas pelos cofres do governo, conforme regramento a ser definido. Ficaria terminantemente proibido, a todos os candidatos, receber qualquer quantia de dinheiro de particulares.
A crítica principal de uns é que isso seria desperdício de dinheiro público. Muito melhor é aplicar esse recurso em educação, saúde, segurança, etc.
A premissa dessa afirmação é a de que, sendo todos os políticos corruptos, por princípio, gastar dinheiro do povo com eleição é jogá-lo no esgoto.
Como se eleição não fosse um dos principais núcleos da própria democracia, a qual constitui o pilar que sustenta a qualidade dos serviços públicos! Educação, saúde, segurança, e tudo o mais, não fazem o menor sentido se não forem democráticas!
Aprimorá-la então, continuamente, é aprimorar a democracia mesma, de modo a entronizar o povo cada vez mais, e cada vez melhor, no comando de seu próprio destino.
Por outro lado, quanto mais aprimorado o processo eleitoral, mais capaz ele será de se depurar dos políticos corruptos.
            Além do mais, a insinuação é falsa. Há, sim, inúmeros políticos sérios, cuja atuação fica obscurecida por muitas razões, a principal das quais é o sensacionalismo da imprensa. Partir da premissa de que todos são corruptos significa condenar a democracia como irremediavelmente falida, o que, além de não ser verdade, só pode servir a interesses escusos e inconfessáveis. A democracia, ao contrário, está mais viva e forte do que nunca, e é o mais seguro caminho para o grande destino que está reservado ao nosso País.
Finalmente, o mais importante. Dizer que aplicar dinheiro público diretamente nesse processo significa desperdiçá-lo é um raciocínio pequeno, para dizer pouco. Em muitos casos, é mesmo mal intencionado.
Conforme vimos acima, como fartamente demonstra o caso Demóstenes, e como todos já estamos cansados de saber, o sistema atual, com financiamento privado das campanhas, custa muito mais caro aos cofres públicos!
Por princípio, o político tem o rabo preso com quem paga sua eleição.
Se for eleito com dinheiro dos tubarões, ficará preso a eles e trabalhará para eles. Vai tentar desviar para eles o dinheiro do povo.
Mas se for eleito direta e unicamente com dinheiro do contribuinte, o político só terá seu rabo preso com este, e é para ele que trabalhará. É para ele que destinará os recursos que dele são recolhidos.
É um simples raciocínio lógico.
Já está na hora de fazê-lo prevalecer.
A luta é difícil, porque os interesses e privilégios a contrariar são poderosíssimos. Seus titulares não possuem a força do argumento (porque este, me desculpem, é irrespondível), mas são mestres no uso do argumento da força (do cifrão).
Quem sabe não achamos um Cícero escondido por aí, que com o poder demolidor da oratória provoque um turbilhão irresistível?
Talvez, no futuro, alguém, evocando nosso tempo, possa mencionar, com a mesma admiração, “As Demostinárias”?
Hein? Por que não?

2 comentários:

  1. NADA MUDOU DESDE OS TEMPOS PROMÓRDIOS!!!

    CORJAS DE POLÍTICOS SAFADOS!...

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  2. Não é bem assim, meu caro "anônimo". Não é bem assim. Dá pra mudar. Começa mudando os políticos. e somos nós que fazemos isso.

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