domingo, 13 de maio de 2012

Meu Ponto de Vista - 6 - Diplomas (Final)


Abri este “Meu Ponto de Vista”, dias atrás, comentando duas notícias simultâneas envolvendo ensino superior.
Na primeira parte dele, naquela oportunidade, comentei a decisão do STF que declarou a constitucionalidade das cotas raciais em Universidades.
 Ficou para a continuação analisar a exigência de curso superior para o exercício da função policial, dada como desnecessária pelo Governador do Paraná, Beto Richa.
Então, vamos lá.
Como sempre, acho que o exame deve ser pelo todo, não pela parte.
Ou seja: cabe perquirir se isso é melhor para a polícia (e, em conseqüência, para a sociedade como um todo) e não para este ou aquele policial.
Ops. Polícia? Que polícia?
Pois é.
Caímos novamente na questão conceitual.
O modelo brasileiro de polícia bipartida (duas meias polícias, na abalisada opinião de Luiz Eduardo Soares) vicia também esta análise.
É porque a mixórdia que acabou virando a sua prática confundiu tudo, e hoje não se sabe mais quem é o que, ou quem faz o que.
Dou um exemplo bem simples.
Você chegou em casa (em qualquer lugar do Brasil). Descobriu-a arrombada e roubada. Ou, por outra, você estava em casa quando assaltantes entraram, renderam você e sua família, roubaram o que puderam e foram embora.
Em qualquer das situações, o que você faz em seguida?
Claro, liga 1-9-0. Quem atende? Certo, a Polícia Militar. Quem vem na sua casa verificar o ocorrido? É, a Polícia Militar.
Ela mesma, cuja função original é evitar que o assalto ocorra. Depois que ele ocorreu, ela não tem mais nada o que fazer ali. A rigor, do ponto de vista legal, ocorrido o delito, deve iniciar-se a investigação, cuja finalidade é esclarecê-lo, identificar o criminoso, prendê-lo e entregá-lo à justiça para ser julgado e punido. A competência para isso pertence exclusivamente à Polícia Civil. Entretanto, ela sequer foi acionada.
E, se fosse, não teria condições de atender, porque não dispõe de meios.
Percebe?
Hoje a PM exerce claramente inúmeras funções da Polícia Civil.
A qual, não à toa, recebe também o nome de Polícia Judiciária. Quer dizer, todos os seus procedimentos estão pautados na lei. Cada passo dado por um policial civil precisa estar rigorosamente amparado no Código de Processo Penal, sob pena de viciar o procedimento criminal e às vezes até mesmo anular o processo, libertando o criminoso.
A verdade é que toda e qualquer atividade policial está não apenas circunscrita à lei – como de resto toda a atividade administrativa (princípio da legalidade) – como a diplomas legais específicos de alta complexidade.
É bom não esquecer a repercussão social dessa combinação.
A conseqüência da ação policial ecoa diretamente na vida da sociedade. Acho que isso se auto-explica, não? Pois é. Daí sua importância. Ora, esse conjunto vai desaguar em processos criminais, que muitas vezes envolvem criminosos de alta periculosidade e também alto poder aquisitivo.
Isso quer dizer que muitas vezes verdadeiros gigantes das letras jurídicas brasileiras vão colocar poderosíssimas lentes de aumento sobre todo e cada um dos passos dados pela polícia contra seus clientes.
O menor vacilo e lá se vai todo o esforço pelo ralo.
Querem um exemplo? Ele está nos jornais. O Demóstenes Torres. Seu advogado, alcunhado Kakay, é uma das mais conhecidas e poderosas raposas de Brasília.
A tese dele, hoje pública, é a de que as escutas da Polícia Federal que “matam” seu cliente foram ilegais. Alega que, como Demóstenes é Senador e tem direito a foro privilegiado, a autorização judicial para elas deveria ter sido dada por Tribunal Superior. Como foi dada por juiz de primeira instância, seria nula.
Uma mera firula jurídica, certo? O que vale é o conteúdo. Está tudo lá, o cara fez um monte de porcaria, e está tudo provado.
É, mas se a tese triunfar, a prova não vale, não pode ser usada no processo. E fica o dito pelo não dito.
Ele por enquanto nem está perdendo tempo dizendo que o cliente é inocente!
A Polícia Federal, então, tem que estar preparada juridicamente para defender a atitude que tomou, solicitando permissão, ao juiz que o fez, para interceptar o telefone.
Isso vale para tudo, desde uma simples prisão em flagrante.
Claro que dá pra fazer sem diploma de curso superior.
Claro também que diploma de turismo, ou de moda, não vai ajudar em nada.
Mas é evidente que um policial, de qualquer posição, seja ele civil ou militar, graduado em direito, vai prestar à sociedade um serviço de melhor qualidade. Acho isso tremendamente difícil de negar.
E, por favor, vamos parar de comparar bananas com laranjas. Tem uns e outros dizendo que não precisa de diploma pra ser coisa muito mais complexa, por que diabos precisaria para ser policial?
Bobagem. E da grossa. Simplesmente porque a função policial é especializada.
Portanto, o conhecimento especializado por parte de seu profissional fornecerá ao conjunto da cadeia da atividade uma consistência maior.
Isto beneficia toda a sociedade em um dos seus setores mais sensíveis, que é a segurança pública. Quer dizer, melhora a vida das pessoas, aumentando sua tranqüilidade e sua confiança através do incremento do grau de sanidade do meio no qual elas convivem e circulam.
É pouco?
Outro argumento utilizado pelo governador é o de que, dispensando o diploma, as polícias vão poder aproveitar melhor os jovens recém egressos do serviço militar, a grande maioria não graduado, e que saem treinados em tiro, no manuseio de armas, e na disciplina.
Ledo engano, com todo o respeito.
Em primeiro lugar, porque o serviço militar é algo tão distinto da função policial quanto o dia da noite. Mais que distinto, eu diria até oposto. Policial, por definição, como sempre digo, é indutor de paz. Militar é função de guerra.
Quanto ao treinamento de armas, é função da corporação fornecê-lo, e de boa qualidade, aos seus integrantes. Faz parte do curso de formação ao qual todos devem obrigatoriamente ser submetidos. Como se diz, “vem com o pacote”.
Aliás, até mesmo mais do que isso. O tiro é habilidade perecível, que depende de treino. Carece, portanto, de requalificação prática periódica e constante. Com ou sem serviço militar no início da carreira, todo e qualquer policial deve voltar ao estande de tiro de tempos em tempos, sob pena de perder inevitavelmente a qualidade.
Cabe, inclusive, ao Governo do Estado, prover meios para que isso ocorra.
Pode, portanto, sossegar, o Sr. Governador. Muito melhor para a polícia, e para toda a sociedade, exigir diploma do policial novato, do que treinamento de tiro e manuseio de arma.
Estes, a academia de polícia pode – e deve – fornecer. E, mais, no que diz respeito à função de polícia, elas o fazem de forma muito mais adequada do que as instituições militares, cujo foco é outro. Possuem tradição, competência e know-how de sobra.
Já aquele simplesmente não lhes está ao alcance.
Por fim, no que toca à disciplina, se a corporação policial não for capaz de impô-la a qualquer de seus integrantes, calouro ou veterano, que esperança teremos? Se for depender da formação militar, já terá falido.
Portanto, ladies and gentlemen, fica aqui declarado que a opinião deste humilde servidor que vos fala acerca do tema é de que, sim, deve-se exigir diploma de ensino superior, de preferência em direito, para todo e qualquer policial.
Se isso não for possível, então que se providencie para que as respectivas academias forneçam formação qualitativa minimamente equivalente.
E continua o baile...

3 comentários:

  1. Não sei se interessa, mas você já perguntou ao diretor da Guarda o que ele pensa sobre admissão de policiais com diploma superior ? Se o que você escreveu acima indica seu pensamento, então você ira ficar decepcionado. Você pensa uma coisa e teu diretor pensa outra.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro Anônimo:
      Que pena eu não poder saber quem você é. Não sei que medo é esse, e nem a razão dele.
      Em todo caso, te digo sem o menor medo de errar, que você está enganado. Não ficarei decepcionado, de modo algum.
      Acho a divergência um dos maiores motores da democracia e do crescimento humano.
      Nada, absolutamente, obriga o Diretor da Guarda a pensar como eu em tudo.
      Somos seres humanos.
      No que diz respeito à Guarda Municipal de São José dos Pinhais, aí sim, é necessária uma harmonia de convicções quanto aos temas fundamentais. Até porque ambos exercemos função de confiança de nossos respectvos chefes.
      Mas, mesmo nisso, as discordâncias existem, e é perfeitamente normal que seja assim. quando aparecem, o diálogo e o convencimento são o melhor caminho e usualmente dão resultado. Aquele que estiver errado recua e o caminho segue.
      Caso não, prevalecerá a vontade do chefe. É inerente à democracia, que implica em autoridade sem autoritarismo. Tudo perfeitamente natural.
      Sem decepções.
      Outra coisa, meu caro anônimo: se eu escrevi, e publiquei, então é claro que é o que eu realmente penso. Nunca duvide disso. Aliás, é por isso mesmo que torno púublico, num blog que leva o meu nome e sobrenome.

      Excluir
  2. Muito obrigado pela explicação.

    ResponderExcluir