Então, dizia eu, que diabos fazer?
Respondo: alterar radicalmente o enfoque.
Estamos atrelados a uma visão ortodoxa, tradicional,
burra mesmo, porque cristalizada no hábito das pessoas a ponto de simplesmente
impedi-las de questioná-la. É a síndrome do “sempre foi assim”, que não dá a
mínima para as mudanças que a vida traz todos os dias, as quais exigem novas
abordagens críticas.
Essa visão acrítica teima em ignorar as causas do
problema, atacando tão somente seus efeitos.
O resultado é que ele se torna simplesmente
inadministrável.
Vejamos.
Há uma óbvia defasagem negativa entre a capacidade
da administração pública de gerar vagas físicas destinadas a abrigar pessoas
privadas de liberdade, e o número dessas pessoas.
Este último é de tal ordem que desafia
permanentemente os recursos públicos e mesmo a logística natural, representada
pelo lapso de tempo necessário a qualquer obra, mormente a pública.
Reduzida à sua essência, a questão pode ser – de forma
obviamente analógica, figurada – descrita como o mais tradicional postulado
econômico, a lei da oferta e da demanda.
São, portanto, duas variáveis: 1 - a capacidade da
administração de construir as instalações que produzam as vagas (oferta); e 2 –
o número de pessoas que precisam ocupá-las (demanda).
Diante disso, o que faz a administração pública? Olha
exclusivamente para a primeira variável. Busca desesperadamente meios de
aumentar a oferta, aperfeiçoando sua capacidade de construir as tais
instalações.
Sequer lhe ocorre agir no sentido de reduzir a
demanda.
No entanto, é aí que está a saída. A meu ver, a única saída.
É esta a direção que pode levar à solução do
problema. Ou, pelo menos, à sua redução a um nível capaz de ser administrado.
A parte principal do mesmo problema não está,
portanto, na necessidade e quantidade de vagas a serem ofertadas pelo sistema,
mas, sim, no número de pessoas que existem para ocupá-las, que já é enorme, e só faz aumentar.
Este é a sua causa. Aquelas, a consequência, o
efeito.
Tudo isso, evidentemente, não torna a questão fácil.
Mas com certeza aponta o caminho.
Atenção, minha gente: é importante dizer, neste
momento, que não estou advogando, aqui, a paralisação de qualquer ação
destinada a ampliar o número de vagas no sistema prisional. A necessidade delas
existe, é emergencial e urgentíssima. Não é possível conviver civilizadamente
com as condições em que vivem os presos nos “xadrezes”, em tudo e por tudo degradantes
de qualquer padrão humano.
Não. É preciso fazer todo o possível para pelo menos
minimizar a tragédia enquanto decorre o
tempo necessário a que as medidas estruturais aqui propostas surtam efeito.
Essa maturação é inerente a toda e qualquer política
que vai à estrutura de um sistema. Se examinarmos
a que aqui proponho, veremos que ela se constitui na geração de um ciclo. Seus
resultados aparecerão no médio e no longo prazo, à medida que este ciclo se for
completando.
Em resumo, pessoal, o que estou querendo dizer, na
verdade é o que sempre digo: a causa da superlotação carcerária é a quantidade
desproporcional de criminosos que existe no Brasil.
Uso a palavra “desproporcional” porque a relação
desse número com o da população é muito maior do que seria de se esperar em um
país como o nosso.
Então, a cada bandido que se prende, surge outro (ou
outros) no lugar. Nossa sociedade criou uma verdadeira “linha de produção de peças
de reposição” do crime. Sua enorme produtividade é impossível de acompanhar,
administrativamente.
Ora, como todas as demais, no mundo, essa produtividade
depende diretamente da provisão de insumos.
No caso, o insumo principal é o jovem que as condições
sociais e econômicas em que vive desiludiram completamente em relação a suas perspectivas de
vida e de futuro. Sua alma é o campo fértil no qual o crime colhe seus frutos.
Seu corpo é a peça de reposição dos que forem presos.
Aí, minha gente, está a causa do problema de que
trata essa série.
Sabemos com certeza que esse jovem, em sua
esmagadora maioria, tem boa índole. Não deseja o crime. Adere a ele por falta
de alternativa, de esperança.
Além do mais, ele sabe que, embora até certo ponto glamourosa
e rica, a vida criminosa será curta. Tem consciência de que quase certamente
morrerá, de forma violenta, antes de completar 25 anos de idade.
Por tudo isso, prefere uma vida digna, ainda que
modesta.
Portanto, atacar o problema carcerário na sua raiz
consiste tão somente em devolver a esse jovem a esperança.
Sem ele, o exército criminoso perderá seu soldado.
E, como se sabe, nenhuma guerra se faz apenas com
generais.
Cada jovem resgatado será uma vaga a menos que se
necessitará no sistema prisional.
É mais fácil, custa mais barato, e é muito mais
eficaz.
Só que é inovador. É diferente das medidas que “sempre
foram assim”.
Por isso, para o gestor tradicional é difícil de
assimilar.
Vai tirá-lo da zona de conforto, e da segurança proporcionada
pelas medidas rotineiras. Vai obrigá-lo a romper paradigmas, não apenas de
ações, mas também de reflexões, análises e conclusões. Em uma palavra, vai
obrigá-lo a adotar uma visão crítica, e a agir de acordo com ela.
Todos sabemos como isso é difícil.
Mas, na minha opinião, não tem outro jeito.
Ou se vai por aí, ou chegaremos ao caos total.
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