Peço
permissão ao amigo leitor para chamar-lhe a atenção sobre alguns fatos.
No
dia 02 de outubro de 1992 a Polícia Militar do Estado de São Paulo invadiu a
Casa de Detenção da sua Capital, localizada no Carandiru, a fim de debelar uma
rebelião que lá ocorria. Da ação decorreu a morte de pelo menos 111 pessoas que
estavam sob custódia naquele estabelecimento. Nenhum policial se feriu.
Várias
testemunhas afirmaram que inúmeros presos foram sumariamente executados após
terem se rendido.
Segundo
algumas versões, um dos desdobramentos do episódio foi a fundação do PCC –
Primeiro Comando da Capital[1],
hoje a organização criminosa mais temida do País. Alega-se que entre seus
objetivos está “vingar os mortos” daquele massacre, e, ainda, evitar que ele se
repetisse.
Em
17 de abril de 1996 dezenove camponeses sem-terra foram mortos em ação da
Polícia Militar do Pará, no município de Eldorado dos Carajás, ação essa cujo
objetivo era meramente desobstruir uma estrada. “Segundo o legista Nelson
Massini, que fez a perícia dos corpos, pelo menos 10 sem-terra foram
executados à queima roupa”.[2]
Em
2009, após uma sequência de episódios nos quais pessoas que haviam sido
apreendidas com vida pela polícia chegaram mortas ao hospital, o Governador
Roberto Requião, do Paraná, proibiu os policiais militares de prestarem socorro
a pessoas feridas em tiroteio, principalmente aqueles travados com eles
próprios.
Recentemente
o Governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, tomou medida idêntica.
No
dia 30 de maio de 2012 o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, informou que a ONU
recomendava a extinção da Polícia Militar, no Brasil, acusada de inúmeras
execuções extrajudiciais. E pedia maior esforço para extirpar dessas
corporações os notórios “esquadrões da morte”.[3]
Nos
últimos meses de 2012 a cidade de São Paulo foi tomada por uma onde de violência
letal, aparentemente inexplicável, contra policiais militares. Vários foram
brutal e covardemente assassinados. Na sequência verificou-se que era tudo mais
um capítulo daquela guerra travada entre integrantes da Polícia Militar e – ele
de novo! – o PCC[4].
As execuções eram retaliações infindáveis, de parte a parte, com a corporação
estatal igualando-se aos bandidos, matando-os também sumariamente, ao alvedrio
individual do(s) policial(is) envolvido(s).
Dias
atrás, também na Gazeta, foi denunciada a lei da mordaça na Polícia Militar do
Paraná[5].
A liberdade de expressão, pilar maior da democracia, não vige dentro dessa
corporação. Ao se pronunciar, sua direção ainda piorou as coisas. Declarou,
segundo o jornal, que a expressão é livre a qualquer policial, desde que se restrinja
exclusivamente a comentário sobre ocorrências atendidas por ele, ou a assuntos
relacionados à sua área de atuação. Disse ainda que “sobre
políticas de administração ou assuntos institucionais da Polícia Militar, são
policiais específicos que se pronunciam”.
Ou seja, confirmou a mordaça. Ninguém
tem permissão para falar justamente sobre o que interessa. Só “policiais
específicos”, ou seja, os porta-vozes. Quer dizer, ao distinto público só pode
chegar a versão oficial. Trata-se da filosofia “roupa suja se lava em casa” que,
no caso, só não leva em consideração o detalhe de que a “casa” pertence, na
verdade a esse mesmo público, que é, também, quem a sustenta.
Poderia
eu gastar mais algumas laudas de papel com episódios do mesmo tipo. Eles
existem em grande profusão. Considerando, porém, a paciência do leitor, pincei
apenas alguns dos mais significativos.
Com
eles em vista, não posso deixar de me perguntar: quando, enfim, a sociedade
brasileira vai começar verdadeiramente a questionar o seu modelo policial?
Quando
é que os olhos se abrirão e perceberão que a distorção já foi longe demais, e
que já passou da hora de atacar o problema de forma estrutural?
Quando
vamos dar consequência a uma verdade que todos conhecemos e que insistimos em
fingir que não vemos e que é a de que algo está muito, muito errado?
Essa
verdade está por demais escancarada! Polícia, por definição só pode ser um organismo
indutor da solução de conflitos. Ou seja, um instrumento da paz. Não lhe é
possível qualquer outra função. Ora, militar é um profissional voltado para a
guerra. Está no dicionário: “militar: relativo à guerra ou às tropas”[6]. Não
é à toa que entre seus sinônimos, enquanto substantivo, o dicionário elenca
“beligerante”, “combatente”[7], e
enquanto verbo, “combater”, “lutar”, e “pugnar”[8]!
Tudo
absolutamente incompatível com a função de uma polícia verdadeira e correta.
“Polícia
Militar”, então, é nada menos do que uma contradição em termos.
Não
é de espantar que ela esteja, em todo o Brasil, permanentemente envolvida em
autênticos atos guerreiros.
[1] Ver, por exemplo, http://pt.wikisource.org/wiki/Estatuto_do_PCC e http://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_do_Carandiru, ambos acessados em 22/01/2013. Friso
que são apenas suposições, algumas baseadas em declarações alegadamente
atribuídas aos fundadores do PCC.
[2]
Em http://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Eldorado_dos_Caraj%C3%A1s,
acessado em 22/01/2013 – o grifo é meu.
[4]
Ver, por exemplo, http://www.reporterdiario.com.br/Noticia/375641/pm-x-pcc-uma-guerra-equivocada/,
acessado em 22/01/2013.
[6]
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, em http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=aurelio,
acessado em 22/01/2013.
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