sábado, 9 de fevereiro de 2013

Contradição em Termos



                Peço permissão ao amigo leitor para chamar-lhe a atenção sobre alguns fatos.
                No dia 02 de outubro de 1992 a Polícia Militar do Estado de São Paulo invadiu a Casa de Detenção da sua Capital, localizada no Carandiru, a fim de debelar uma rebelião que lá ocorria. Da ação decorreu a morte de pelo menos 111 pessoas que estavam sob custódia naquele estabelecimento. Nenhum policial se feriu.
                Várias testemunhas afirmaram que inúmeros presos foram sumariamente executados após terem se rendido.
                Segundo algumas versões, um dos desdobramentos do episódio foi a fundação do PCC – Primeiro Comando da Capital[1], hoje a organização criminosa mais temida do País. Alega-se que entre seus objetivos está “vingar os mortos” daquele massacre, e, ainda, evitar que ele se repetisse.
                Em 17 de abril de 1996 dezenove camponeses sem-terra foram mortos em ação da Polícia Militar do Pará, no município de Eldorado dos Carajás, ação essa cujo objetivo era meramente desobstruir uma estrada. “Segundo o legista Nelson Massini, que fez a perícia dos corpos, pelo menos 10 sem-terra foram executados à queima roupa”.[2]
                Em 2009, após uma sequência de episódios nos quais pessoas que haviam sido apreendidas com vida pela polícia chegaram mortas ao hospital, o Governador Roberto Requião, do Paraná, proibiu os policiais militares de prestarem socorro a pessoas feridas em tiroteio, principalmente aqueles travados com eles próprios.
                Recentemente o Governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, tomou medida idêntica.
                No dia 30 de maio de 2012 o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, informou que a ONU recomendava a extinção da Polícia Militar, no Brasil, acusada de inúmeras execuções extrajudiciais. E pedia maior esforço para extirpar dessas corporações os notórios “esquadrões da morte”.[3]
                Nos últimos meses de 2012 a cidade de São Paulo foi tomada por uma onde de violência letal, aparentemente inexplicável, contra policiais militares. Vários foram brutal e covardemente assassinados. Na sequência verificou-se que era tudo mais um capítulo daquela guerra travada entre integrantes da Polícia Militar e – ele de novo! – o PCC[4]. As execuções eram retaliações infindáveis, de parte a parte, com a corporação estatal igualando-se aos bandidos, matando-os também sumariamente, ao alvedrio individual do(s) policial(is) envolvido(s).
                Dias atrás, também na Gazeta, foi denunciada a lei da mordaça na Polícia Militar do Paraná[5]. A liberdade de expressão, pilar maior da democracia, não vige dentro dessa corporação. Ao se pronunciar, sua direção ainda piorou as coisas. Declarou, segundo o jornal, que a expressão é livre a qualquer policial, desde que se restrinja exclusivamente a comentário sobre ocorrências atendidas por ele, ou a assuntos relacionados à sua área de atuação. Disse ainda que “sobre políticas de administração ou assuntos institucionais da Polícia Militar, são policiais específicos que se pronunciam”.
Ou seja, confirmou a mordaça. Ninguém tem permissão para falar justamente sobre o que interessa. Só “policiais específicos”, ou seja, os porta-vozes. Quer dizer, ao distinto público só pode chegar a versão oficial. Trata-se da filosofia “roupa suja se lava em casa” que, no caso, só não leva em consideração o detalhe de que a “casa” pertence, na verdade a esse mesmo público, que é, também, quem a sustenta.
                Poderia eu gastar mais algumas laudas de papel com episódios do mesmo tipo. Eles existem em grande profusão. Considerando, porém, a paciência do leitor, pincei apenas alguns dos mais significativos.
                Com eles em vista, não posso deixar de me perguntar: quando, enfim, a sociedade brasileira vai começar verdadeiramente a questionar o seu modelo policial?
                Quando é que os olhos se abrirão e perceberão que a distorção já foi longe demais, e que já passou da hora de atacar o problema de forma estrutural?
                Quando vamos dar consequência a uma verdade que todos conhecemos e que insistimos em fingir que não vemos e que é a de que algo está muito, muito errado?
Essa verdade está por demais escancarada! Polícia, por definição só pode ser um organismo indutor da solução de conflitos. Ou seja, um instrumento da paz. Não lhe é possível qualquer outra função. Ora, militar é um profissional voltado para a guerra. Está no dicionário: “militar: relativo à guerra ou às tropas”[6]. Não é à toa que entre seus sinônimos, enquanto substantivo, o dicionário elenca “beligerante”, “combatente”[7], e enquanto verbo, “combater”, “lutar”, e “pugnar”[8]!
Tudo absolutamente incompatível com a função de uma polícia verdadeira e correta.
                “Polícia Militar”, então, é nada menos do que uma contradição em termos.
                Não é de espantar que ela esteja, em todo o Brasil, permanentemente envolvida em autênticos atos guerreiros.


[1] Ver, por exemplo, http://pt.wikisource.org/wiki/Estatuto_do_PCC e http://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_do_Carandiru, ambos acessados em 22/01/2013. Friso que são apenas suposições, algumas baseadas em declarações alegadamente atribuídas aos fundadores do PCC.
[2] Em  http://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Eldorado_dos_Caraj%C3%A1s, acessado em 22/01/2013 – o grifo é meu.
[6] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, em http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=aurelio, acessado em 22/01/2013.
[7] Em “Dicionário Online de Português”,  http://www.dicio.com.br/militar/, acessado em 22/01/2013.

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